A União Europeia em transição

Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor
Joaquín Roy. Foto: Cortesia do autor

Barcelona, Espanha, agosto/2014 – Justo quando Bruxelas anunciava o atraso na nomeação de meia dúzia de altos cargos da União Europeia (UE), chegou a tragédia da queda do avião da Malaysia Airlines.

A prudência do novo presidente da Comissão Europeia (órgão executivo da UE), Jean-Claude Juncker, não conseguindo consenso sobre os candidatos para sua equipe, obrigou a continuar no cargo o presidente do Conselho (de representantes dos 28 governos do bloco), Herman Van Rompuy.

Ali estará, pelo menos, até o dia 29. Não serão umas férias somente ocupadas em consultas à distância, mas o ambiente estará dominado pelo grave incidente ucraniano.

A crise generalizada (de identidade e de eficácia) na qual está imersa a União Europeia deixa, ao menos por algum tempo, de estar dominada por temas “tradicionais”.

Desvaneceram as lamentações sobre o déficit democrático, o temor pelo populismo e a ambivalência da Grã-Bretanha se opondo à nomeação de Juncker por considerá-lo “federalizante”. Tampouco a pressão da imigração parecia problema suficiente para alimentar o ressurgimento do racismo.

Por fim, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, engoliu a nomeação de Juncker, diante da evidência da sólida coalizão entre conservadores, democratas-cristãos e socialistas no novo Parlamento Europeu, além da maioria qualificada do Conselho, segundo as novas regras do Tratado de Lisboa.

Mas as deliberações para acordar o nome do novo Alto Representante de política externa da União Europeia (para suceder a ineficaz britânica Catherine Ashton) haviam cedido o cenário a outro conflito geopolítico no próprio seio da UE.

Já não se tratava do divórcio entre o norte e o sul, entre os países doadores e os endividados, mas entre o oeste e o leste. Trata-se de um dos danos colaterais da ampliação da UE implantada desde o fim da Guerra Fria.

A insistência do primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi (estrela das eleições legislativas europeias de maio) na nomeação da jovem ministra de Assuntos Exteriores, Federica Mogherini, como possível Alta Representante, provocou a reação contrária dos países do leste.

Na Polônia e nos Estados bálticos se expressava ressentimento pelo fato de que – se à nomeação de Juncker (de Luxemburgo) se unia um prêmio de consolação aos socialistas com a continuidade do atual presidente do Parlamento, Martin Schulz, e depois continuasse com a italiana (apontada como “pró-russa”) como chefe da diplomacia, o triunfo da Europa fundadora da UE resultaria escandaloso.

Como se fosse pouco, considerava-se a primeira-ministra dinamarquesa, Helle Thorning-Schmidt, candidata à presidência do Conselho. Em suma, a nova liderança da UE ficaria dominada pela “velha” Europa (na terminologia de Donald Rumsfeld, secretário de Defesa de George W. Bush em seu paroxismo de geoestratégia).

A França, previa-se, ficaria recompensada, como de costume, com decisivos postos de comissários de influência econômica dentro da Comissão, além de estar bem representada em outras organizações multilaterais, com é o caso de Christine Lagarde, diretora-executiva do Fundo Monetário Internacional.

Tudo isso se produziria em meio ao também necessário reequilíbrio entre socialistas e conservadores, com o útil consenso de liberais e verdes, e tudo complicado com o aparecimento de diversos grupos de eurocéticos e populistas de origem diversa.

Finalmente, a pressão para designar mais mulheres além das já existentes na Comissão obscureceria mais o carregado ambiente. Juncker e seus novos protetores se viram obrigados a pedir um longo tempo morto.

Nesse impasse estourou a crise da derrubada do avião malaio e da morte de 298 pessoas que estavam a bordo. Como se o já existente estado de crise pela anexação da Crimeia não fosse suficiente, agora se incorporava a participação da Rússia como protagonista da crise generalizada europeia, um peso que as mudanças em sua liderança tentavam suavizar.

De convidado de pedra, mudo, Putin reclama protagonismo, embora desta vez, por erro de cálculo, possa ter se excedido. Curiosamente, a confirmação da ameaça de Moscou pode acelerar as negociações da Associação Transatlântica de Comércio e Investimento entre Estados Unidos e UE, nas quais se prevê dificuldades. Envolverde/IPS

* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]