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Acordo Equador-Colômbia não detém fumigações com glifosato

Quito, Equador,30/10/2013 – O secretismo do acordo extrajudicial entre Quito e Bogotá, que evitou à Colômbia um julgamento no Tribunal Internacional de Justiça pelos danos de suas fumigações antidrogas na zona fronteiriça do Equador, é uma das razões do descontentamento dos prejudicados. O acordo, assinado em 9 de setembro, cujo texto completo a IPS obteve, levou o Equador a retirar a queixa que apresentara em 2008 perante o tribunal com sede em Haia.

A Colômbia deverá pagar indenização de US$ 15 milhões, que serão investidos na zona equatoriana afetada pelas aspersões com uma mescla do herbicida glifosato feitas sobre cultivos colombianos de coca, matéria-prima da cocaína. Porém, ainda não foi explicado como nem quando serão feitos esses investimentos. Bogotá se compromete também a não realizar fumigações aéreas por um ano, desde a assinatura do acordo, em uma faixa de dez quilômetros “na fronteira dos departamentos de Putumayo e Nariño no sudoeste da Colômbia, onde existe presença de cultivos ilegais, adjacentes às províncias de Sucumbíos, Carchi e Esmeraldas, no norte do Equador”.

Porém, essa faixa de dez quilômetros poderá, na verdade, diminuir para cinco ou mesmo dois quilômetros, após dois anos, segundo as condições que constam do Anexo 1. Ali se detalha que, transcorrido o primeiro ano, após revisar os exames e os testes científicos, um “Grupo Técnico Binacional determinará se a deriva das aspersões aéreas realizadas dentro do programa de erradicação de cultivos ilícitos atingiu ou não o território equatoriano; caso não tenham atingido, a zona de exclusão será reduzida para cinco quilômetros, pelo prazo de um ano”.

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Do mesmo modo se procederá para reduzir, transcorrido outro ano, a zona de exclusão para uma faixa de dois quilômetros. Aqui reside a principal preocupação dos prejudicados pelo glifosato.  Reduzir a zona de exclusão para dois quilômetros é “algo injusto, mas o acordo já foi assinado e, como foi feito entre governos, nós ficamos prejudicados, mas continuamos a luta”, disse à IPS o presidente da Federação de Organizações Camponesas do Cordão Fronteiriço Equatoriano de Sucumbíos (Forccofes), Daniel Alarcón.

O acordo, então, não implica uma solução definitiva porque “continuarão fumigando próximo de nós”, afirmou Alarcón. “Vão nos prejudicar, esperamos que seja na mínima proporção, mas, quando cair uma gota de glifosato, estaremos protestando, porque estamos dispostos a ir às últimas consequências para que seja reparado o dano causado”, acrescentou.

Alarcón se referia aos problemas de saúde e à deterioração da qualidade de vida que afetam dezenas de milhares de pessoas devido às fumigações feitas entre 2000 e 2007 pela Colômbia para erradicar cultivos de coca, muito perto do território equatoriano. Segundo um censo da Forccofes, no cordão fronteiriço habitam cerca de 15 mil famílias e as mais afetadas, aproximadamente dez mil vivem às margens do rio San Miguel.

“Ainda há sequelas, a terra não voltou ao seu nível normal de produção. Anteriormente não se conhecia o câncer e agora as pessoas morrem continuamente de câncer por glifosato, que deixou contaminadas as fontes de água”, apontou Alarcón, morador da comunidade 5 de Agosto, na fronteiriça paróquia General Farfán. O acordo entre os dois países se refere a uma composição química do herbicida que figura no Plano de Manejo Ambiental autorizado pelo Ministério do Meio Ambiente da Colômbia mediante a Resolução 1.054 de 2003, isto é, que Bogotá mantém na fronteira a concentração que diz utilizar em todo seu território.

Segundo essa resolução, a mistura é 44% da “formulação comercial” do glifosato em concentração de 480 gramas por litro, 1% do coadjuvante Cosmoflux e 55% de água. O rótulo do Roundup, marca comercial do glifosato da companhia Monsanto, recomenda nos Estados Unidos concentrações de 1,6% a 7,7% e nunca superiores a 29%. Não há estudos sobre o impacto do Cosmoflux. Um estudo econométrico de 2013, de dois professores da privada Universidade de Los Andes, em Bogotá, sobre os efeitos das fumigações aéreas na saúde, indicou que estas têm um impacto “muito significativo” na probabilidade de ocorrerem abortos.

O estudo também comprovou a relação entre as aspersões antidrogas e as afecções dermatológicas. A internacionalista uruguaia Laura Gil, que divulgou este mês na Colômbia os termos do acordo, disse à IPS que é “inaceitável que sejam dadas mais garantias aos equatorianos do que aos colombianos”. Contudo, acrescentou, “os acordos reforçam as relações. É melhor buscar negociando do que por meio de uma sentença, embora o Tribunal Internacional de Justiça seja um mecanismo de solução pacífica de controvérsias”.

“Porém, não é aceitável que seja mediante diplomacia secreta”, porque o conteúdo do acordo binacional não passou pelo parlamento colombiano. “É óbvio o motivo: os congressitas exigiram o fim das fumigações”, prosseguiu Gil. Amira Armenta, especialista do Programa Drogas e Democracia, do Transnational Institute, afirma em um artigo do dia 12 de setembro que, “no tocante ao programa de fumigações do governo colombiano, nada muda. Isto é, a Colômbia continuará fumigando seus departamentos fronteiriços”.

Segundo o último censo do Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime, Nariño e Putumayo são os departamentos com maior densidade de plantações de coca, com 22% e 13% respectivamente, da área total plantada no final de 2012. “Nariño sofreu na última década os níveis mais altos de fumigação de todo o país, apesar de continuar ostentando o título de maior produtor”, disse Armenta em seu artigo. Outro ponto do acordo afirma que, antes de realizar uma fumigação fronteiriça, o governo da Colômbia avisará o governo equatoriano com dez dias de antecipação, indicando os lugares precisos e as datas das operações.

“É muito mais do que se poderia ter alcançado em uma sentença, porque é muito difícil para um tribunal internacional obrigar um país a estabelecer compromisso dessa natureza porque pode-se alegar que está afetando sua soberania”, disse o ministro das Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, ao justificar a assinatura do acordo. “Mas, quando é um acordo amistoso, é possível conseguir”, acrescentou.

As partes também acordaram assinar um “protocolo especial, expedito e simples para a atenção de queixas na fronteira” por parte de cidadãos “nacionais do Equador”. Esse texto, que deveria ser adotado “no prazo de 15 dias” a partir de 9 de setembro, continua sem ser público. Envolverde/IPS

* Com colaboração de Constanza Vieira (Bogotá).