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Adolescentes cubanas abusam do aborto

Uma jovem leva nos braços um bebê à saída do hospital materno-infantil Ramón González Coro de Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Uma jovem leva nos braços um bebê à saída do hospital materno-infantil Ramón González Coro de Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 6/9/2013 – Enquanto em quase toda a América Latina o aborto ilegal é um problema de saúde, em Cuba existe um abuso desta prática, que é legal, na adolescência. As jovens que abortam triplicam a quantidade das que continuam com a gravidez. Pesquisas mostram que muitas gestantes de 15 a 19 anos já têm um ou mais abortos em seus históricos clínicos.

O fato de 76% das adolescentes grávidas optarem pela interrupção “é um problema de saúde pública”, afirma o médico Jorge Peláez, vice-presidente da não governamental Sociedade Cubana de Obstetrícia e Ginecologia. “Aparentemente, o aborto evita um problema, mas cria muitos outros. Nunca será a solução para a gravidez na adolescência”, ressaltou à IPS. O “problema” é a gravidez precoce em alta em Cuba.

Em 2006, de cada mil jovens de 15 a 19 anos, 45 deram à luz. Em 2012, essa relação subiu para quase 54 em cada mil. Nisto Cuba não se diferencia da região, onde a taxa média é de 80 por mil. “Descuidei com as pastilhas (anticoncepcionais). Quando consultei com minha mãe, decidimos que o melhor era tê-lo, embora outras pessoas recomendassem o aborto”, contou a jovem Daniela Izquierdo, que teve um filho aos 16 anos e acaba de se reintegrar às aulas do ensino médio.

O paradoxo é que, neste país de natalidade muito baixa, as adolescentes contribuam com 16% da fecundidade total. Cuba despenalizou o aborto voluntário em 1979, embora desde 1961 já fosse realizado em instituições médicas por decisão do Ministério da Saúde. Além de ser um direito que as mulheres obtiveram, a medida permitiu reduzir as complicações e sequelas que deixavam os abortos inseguros e clandestinos. Qualquer mulher pode ter acesso atualmente a esse serviço sem custo em hospitais e clínicas.

O pessoal da saúde avalia cada caso para ver se pode realizar a intervenção. As menores de 16 anos precisam ter o consentimento dos pais ou tutores e recebem atenção especial. Com o passar do tempo, tornou-se uma tendência abortar como havia sido o controle da fecundidade pessoal. “É um problema reconhecido pelas autoridades e extremamente complexo de resolver”, reconheceu Peláez.

Em julho o comitê para a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, da Organização das Nações Unidas (ONU), fez uma observação a Cuba “pela alta taxa de abortos entre meninas de até 12 anos”, e exortou o país a “aumentar o acesso e o uso de métodos anticoncepcionais efetivos e de alta qualidade para reduzir a prática do aborto como forma de planejamento familiar”.

Um estudo deste ano com 22 adolescentes grávidas do bairro Diez de Outubro, em Havana, realizado pela Universidade de Havana, indica que oito tiveram entre um e dois abortos anteriores. Outra pesquisa, também de 2013 no bairro de Playa, também na capital, encontrou o mesmo antecedente em nove das 24 jovens estudadas.

É a adolescente e sua família, sobretudo a mãe, que enfrentam o problema e têm a última palavra sobre continuar ou não com uma gravidez não desejada. O papel do parceiro sexual é deixado de lado. Os homens, por sua vez, não veem a importância de sua participação nas decisões e tampouco se sentem responsáveis pelo aborto de sua companheira.

É o que indica um artigo publicado no ano passado pelos médicos Nelli Salomón e Luisa Álvarez na Revista Cubana de Saúde Pública. Os autores afirmam que é preciso o enfoque de gênero para prevenir a gravidez precoce e o aborto. “Trabalha-se para reduzir o aborto e aumentar a anticoncepção, mas é preciso aprofundar nos critérios das mulheres e de seus parceiros para modificá-los e mudar atitudes, que permitam maior integração de ambos em suas relações íntimas e melhorias em sua saúde sexual e reprodutiva”, afirmam.

As moças, por sua vez, se preocupam mais pela conotação social e menos pelas sequelas de saúde que podem sofrer. Peláez, especializado em ginecologia da menina e da adolescente, insiste em ver o aborto como um assunto tão grave quanto a maternidade na adolescência. “Deve-se conseguir maneiras mais efetivas de conscientizar famílias, docentes e jovens sobre os riscos, que são altos, embora praticado por especialistas e em condições seguras”, afirmou. Por exemplo, “provoca infertilidade entre outros danos”, acrescentou.

É preciso que a sociedade, especialmente os meios de comunicação, mostrem esses perigos “sem demonizá-los”, recomendou Peláez. As famílias podem ser determinantes ao orientarem no uso de anticoncepcionais. E, embora cada caso seja particular, o mais adequado nas relações sexuais juvenis é combinar camisinha e anticoncepcionais hormonais, em pílulas ou injetáveis, segundo o médico.

Dos abortos inseguros praticados no planeta, 40% correspondem a adolescentes e jovens, afirma o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Na América Latina e no Caribe, a gravidez precoce é um grande problema de população: 10% das jovens entre 15 e 19 anos são mães. O aborto, que só é legal em quatro países da região, e os serviços de saúde ineficientes constituem a maior causa de morte nessa faixa etária. Envolverde/IPS