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África austral busca se reconstruir apesar do desprezo do Ocidente

A África Austral tem um ambicioso plano de desenvolvimento de infraestrutura. Na foto, Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Foto: Einberger/argum/EED/IPS
A África Austral tem um ambicioso plano de desenvolvimento de infraestrutura. Na foto, Kinshasa, capital da República Democrática do Congo. Foto: Einberger/argum/EED/IPS

 

Lilongwe e Johannesburgo, 3/9/2013 – A Comunidade de Desenvolvimento da África austral (SADC) busca novas formas de financiar seu ambicioso plano regional de infraestrutura porque as nações ocidentais e as instituições financeiras multilaterais o ignoram. “Ninguém se apresentou para financiar um único dos projetos que temos. Estive no Japão, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, entre outros países”, disse à IPS o secretário-executivo adjunto da SADC, João Samuel Caholo.

“O que nos freia como SADC é nossa incapacidade de financiar nossas prioridades e nossos programas. Portanto, temos que estabelecer um mecanismo de financiamento sustentável se quisermos mostrar que estamos comprometidos e progredindo”, afirmou Caholo. Porém, especialistas questionam se a SADC tem maturidade para lidar com projetos ambiciosos como o Plano Mestre Regional de Desenvolvimento de Infraestrutura (RIDMP), cujo custo é estimado em US$ 500 bilhões.

O RIDMP está concebido para reconstruir a infraestrutura viária, ferroviária e portuária; aumentar a capacidade de geração elétrica; estabelecer sistemas de comunicação e meteorológicos, bem como garantir acesso à água e sua distribuição encanada. “A SADC tem o potencial e apelamos à boa vontade de todos os Estados membros”, destacou Caholo. O muito esperado Fundo de Desenvolvimento da SADC seguirá o modelo do Banco Europeu de Investimentos e outros empreendimentos regionais similares. Os países do bloco entrarão com US$ 1,2 bilhão, ou 51%. O setor privado contribuirá com 37% e sócios internacionais com os restantes 12%.

As contribuições serão feitas em um período de cinco anos, a partir deste ano, com base na capacidade de pagamento e fortaleza institucional de cada país, e também por outros critérios, que Caholo se mostrou reticente em divulgar. “Se após cinco anos um país não pagar sua parte, serão reclamadas suas ações e distribuídas entre os Estados com pagamento em dia, para manter a cota de 51% para os Estados africanos”, explicou . Entretanto, um Estado membro ainda poderá ter acesso a fundos para seus projetos de desenvolvimento, tal como consta do RIDMP.

Eltie Links, presidente da Doing Business in Africa (Fazendo Negócios na África), da Escola de Negócios Stellenbosch, da Universidade da África do Sul, disse à IPS que a SADC “como organismo regional teria que pensar nos objetivos e na administração de um novo ramo de financiamento”. E acrescentou que “como a região compreende uma quantidade de países com diferentes graus de desenvolvimento, é essencial que uma parte da ajuda seja dada a economias que estão sofrendo mais. Contudo, isto só é possível quando há suficiente fortaleza econômica e financeira no órgão regional”.

Para Links, não há dúvida quanto à necessidade de infraestrutura, mas a ajuda ao desenvolvimento canalizada por intermédio da SADC “sempre será à custa do apoio bilateral concedido por estes mesmos países (doadores) às nações necessitadas da região”. Também será preciso convencer os doadores de que agora a SADC está em uma fase na qual pode manejar projetos multimilionários em dólares, ressaltou.

“Os antecedentes da SADC quanto à organização e bom governo foram questionados no passado, a tal ponto que persistem as percepções de que se trata de um órgão fraco em matéria de governança. Por isso não obterá o tipo de apoio que necessita um organismo de financiamento de projetos”, pontuou Links. “Também terá que demonstrar a capacidade de administrar e manejar esse financiamento e esses projetos, algo que ainda desperta dúvidas”, acrescentou.

O presidente da consultoria Frontier Advisory, Martyn Davies, acredita que a Secretaria da SADC não deveria ser o órgão a buscar financiamento para os projetos, devendo centrar-se em coordená-los e levá-los ao ponto de serem interessantes para os bancos. “Lamentavelmente, a SADC não faz o suficiente para harmonizar a busca da integração regional, e precisa fazer mais para promover a facilitação do comércio e dos fluxos de capitais”, indicou à IPS.

“Os doadores trabalham com a SADC, mas o compromisso mais importante deveria ser com as grandes empresas, e isto hoje é insuficiente. É necessária maior comunicação da parte da SADC sobre seu papel, e também uma chegada e um compromisso com as empresas para implantar melhor estes objetivos”, detalhou Davies.

O assessor comercial John Mare também estima que inicialmente a SADC deveria ter o papel de coordenadora. Não se necessita de nova instituição dedicada a financiar projetos porque “já há muitas, mas a SADC pode ajudar a dar forma a projetos para serem apresentados aos bancos e relacioná-los com as prioridades” do bloco, sugeriu. São necessárias melhores capacidades dentro da SADC para trabalhar nesses projetos e, especialmente, para coordenar mecanismos entre todos os atores nos planos nacional e regional, acrescentou.

“Um dos principais desafios é melhorar a coordenação com outras organizações regionais que muitos membros do bloco integram. Isto é de crucial importância, e a tragédia é que se diz que a SADC tem mais capacidade que muitas outras organizações regionais na África”, enfatizou Mare à IPS. Embora haja muitos projetos potenciais na África, o que falta são mecanismos que os guiem, opinou.

Não há escassez de iniciativas, afirmou Davies, mas “o desafio está em impulsionar a cooperação entre os respectivos governos e em tornar os projetos interessantes para os bancos. Nunca vi um projeto bom que não consiga financiamento quando a política está alinhada”, concluiu. Envolverde/IPS