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África vende apenas petróleo e vestuário para os Estados Unidos

A indústria têxtil é um dos poucos setores que se beneficiam da Lei de Crescimento e Oportunidades para a África. Foto: Kristin Palitza/IPS
A indústria têxtil é um dos poucos setores que se beneficiam da Lei de Crescimento e Oportunidades para a África. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 4/10/2013 – O contexto legal que pauta as relações comerciais entre Estados Unidos e África está cheio de problemas que deixam à intempérie muitas empresas africanas. A Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (Agoa) foi aprovada em 2000 para fomentar a exportação para o mercado norte-americano de produtos de pequenas e médias empresas africanas.

Atualmente, funcionários, legisladores e ativistas dos Estados Unidos insistem que essa lei não funciona como deveria, especialmente para as comunidades mais pobres, e duvidam que possa ser reformulada antes de 2015, ano em que expira, embora todo mundo esteja prevendo que será prorrogada.

“A Agoa teve sucesso, mas só dentro de seus parâmetros limitados”, disse Kimberly Elliott, do Centro para o Desenvolvimento Global, um grupo de especialistas com sede em Washington. “Foi relativamente efetiva para eliminar barreiras norte-americanas ao comércio africano, mas não abordou a questão fundamental da competitividade na África”, acrescentou essa especialista em políticas comerciais e globalização.

Segundo o Departamento de Estado norte-americano, “no contexto da Agoa, as exportações africanas aumentaram mais de quatro vezes desde a criação do programa. Em 2012, os países aptos segundo a Agoa exportaram quase US$ 35 bilhões em produtos livres de tarifas”. E, segundo o embaixador Michael Froman, representante comercial dos Estados Unidos, no “continente africano foram criados apenas 1,3 milhão de empregos desde a aprovação da Agoa”. Por outro lado, as vendas norte-americanas para a África triplicaram na última década.

Uma das limitações da Agoa é que abrange apenas alguns setores da economia, entre eles o petróleo, em detrimento de itens com maior peso nos segmentos mais pobres da sociedade, como a agricultura, o mais importante para as comunidades africanas. “Além do vestuário e de outros poucos setores, as tarifas alfandegárias dos Estados Unidos já eram bem baixas antes da Agoa. O maior desafio é que produtos básicos mais importantes, como açúcar e cacau, tenham acesso ao mercado norte-americano”, ressaltou Elliott.

Mas os produtos agrícolas continuam excluídos da Agoa pelas proteções internas norte-americanas. Este parece ser o maior obstáculo para reduzir a pobreza na África. “Além do têxtil, não há muito setores se beneficiando da Agoa”, indicou à IPS Zania Lewis, analista de desenvolvimento econômico na África da Brookings Institution. “E, lamentavelmente, o item que recebeu a maior parte dos benefícios foi a indústria do petróleo”, acrescentou.

Estimativas recentes indicam que as exportações de petróleo representam quase 90% das mercadorias que deixam as costas africanas. Ao mesmo tempo, a Agoa conseguiu abrir o mercado norte-americano à crescente indústria têxtil africana. O auge das exportações quenianas para empresas dos Estados Unidos como Victoria’s Secret e Macy’s é um resultado positivo da Agoa.

As últimas estimativas mostram que o Quênia foi o 103º maior fornecedor dos Estados Unidos em 2011, com exportações de US$ 382 milhões, o que representa alta de quase 23% em relação a 2010. “Até agora, este é o melhor resultado da Agoa para os segmentos mais pobres dos produtores africanos”, apontou Elliott.

Para Shari Berenbach, presidente da agência federal Fundação dos Estados Unidos para o Desenvolvimento da África, “é importante reconhecer que um dos públicos mais importantes da Agoa são as pequenas comunidades locais e marginalizadas”. E acrescentou à IPS que sua entidade “apoiou muito essa lei e o comércio, porque um quarto dos produtores que apoiamos são pequenos grupos locais que agora participam a fundo nas exportações para os Estados Unidos”.

A Fundação oferece fundos para o desenvolvimento de pequenas empresas africanas que buscam ter acesso ao mercado dos Estados Unidos. Berenbach garante que essas oportunidades podem ter um impacto direto na pobreza. “A maior parte de nosso trabalho na África é dedicado à parte mais fraca da economia africana, as comunidades pobres”, ressaltou.

Como a Agoa expirará em 2015, o olhar está voltado para sua renovação e em como reformá-la. Suas fraquezas, segundo os críticos, talvez não sejam apenas pelas barreiras comerciais ocultas. “A Agoa não pode chegar a muitas comunidades africanas que não participam do processo produtivo, simplesmente por restrições internas e falta de infraestrutura adequada”, explicou à IPS Mwangi S. Kimenyi, diretor da Iniciativa para o Crescimento da África na Brookings Institution.

Pesquisa da consultoria independente Afrobarometer concluiu que quase metade dos africanos entrevistados ainda se veem como pobres. Com base em pesquisas feitas em 34 países, o estudo mostra que pelo menos 20% dos africanos ainda sofrem as privações mais básicas, como de alimentos, água e remédios.

Para atender esse problema alguns sugerem que a próxima versão da Agoa deveria prever a assistência aos pequenos produtores africanos para que adquiram habilidades e conhecimentos sobre as exigências do intercâmbio internacional. Berenbach a define como “desenvolvimento de capacidade comercial”. Isto “permitirá inclusive que os produtores menores sejam mais produtivos e comercializem de modo efetivo. Assim, poderemos usar realmente o comércio para obter desenvolvimento”, enfatizou.

Outro aspecto que deveria mudar é a escassa promoção que contém a Agoa para investimentos de empresas norte-americanas na África, segundo Kimenyi, acrescentando que, por essa razão, muitos interesses corporativos também estarão pendentes do debate para prorrogar a lei. Envolverde/IPS