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Agricultores orgânicos lutam contra os elementos no Brasil

Isabel Michi cuida com dedicação de uma muda no viveiro de sua pequena propriedade familiar de agricultura orgânica, em Mutirão Eldorado, no Estado do Rio de Janeiro. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Isabel Michi cuida com dedicação de uma muda no viveiro de sua pequena propriedade familiar de agricultura orgânica, em Mutirão Eldorado, no Estado do Rio de Janeiro. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Seropédica, Brasil, 27/3/2014 – O dia da agricultora Isabel Michi começa antes do amanhecer, para cuidar da horta orgânica que tem na pequena propriedade de cinco hectares e que leva adiante com ajuda do marido e, de vez em quando, dos filhos. Desde as cinco da manhã, essa produtora de ascendência japonesa, de 42 anos, ara a terra, semeia, fertiliza colhe e cuida com carinho das plantas em seu viveiro.

Ela adquiriu suas terras em 2002, graças a uma troca em um assentamento surgido há dez anos com a reforma agrária, Mutirão Eldorado, na área rural de Seropédica, município de 80 mil habitantes, a 70 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, sede de instituições de pesquisa agrônomica e de apoio aos camponeses.

Há seis anos, Michi deu uma virada em sua vida e passou a se dedicar à agricultura 100% orgânica, sem uso de nenhum produto químico. Em média, esses produtos contaminantes consomem 70% da renda dos pequenos agricultores brasileiros, segundo especialistas. Ela cofundou o grupo Serorgânico, de 15 pequenos produtores, que se converteu em referência no fornecimento de sementes e mudas biológicas.

Essa agricultora nissei foi marcada pela morte de um de seus irmãos quando tinha apenas 37 anos, vítima de câncer de pulmão, embora nunca tenha fumado. Michi vincula sua morte com o uso intensivo de agroquímicos na propriedade de seus pais, que chegaram ao Brasil na década de 1960. “Em minha família trabalhávamos a terra com muitos pesticidas. Éramos jovens e não se conhecia os danos que provocavam”, contou Michi à IPS durante visita às suas terras.

Ela era uma das menores de oito irmãos, de uma família assentada em outra parte do Estado do Rio de Janeiro. “Vivíamos com muita pobreza, conseguíamos colher um caminhão de alimentos, mas não tínhamos dinheiro. Era uma vida muito dura”, detalhou essa mulher que trabalha no campo desde os 13 anos. Michi deixou de usar agroquímicos em seus cultivos ao se casar com Augusto Batista Xavier, de 51 anos, que conheceu em 1992 quando visitou pela primeira vez uma horta orgânica em um Estado vizinho. “Quando nos mudamos para este terreno eu já pensava na agroecologia, porque para mim é o futuro”, afirmou.

A área de Seropédica é boa para cultivar mandioca, quiabo, milho, abóbora, batata e banana. Em sua propriedade também cultiva 25.600 mudas orgânicas em sua nova estufa, para abastecer o Serorgânico. Seu marido trabalha como encarregado de uma fazenda de gado, para garantir uma renda fixa, mas a ajuda nas horas livres com os trabalhos mais pesados. Seus três filhos, com idades entre 14 e 16 anos, também colaboram depois das aulas.

Em média, o Serorgânico produz mensalmente três toneladas de alimentos, que são vendidos principalmente no circuito de feiras orgânicas instaladas em bairros ricos da cidade do Rio de Janeiro. Para Michi, produzir de forma biológica traduz um pensamento holístico, que conjuga o bem-estar social e econômico tanto do produtor quanto do consumidor de alimentos.

Mas os produtores orgânicos enfrentam dificuldades para sobreviver devido à competição dos que cultivam com métodos convencionais, a custos muito inferiores. Em geral, no Brasil, os produtos ecológicos custam entre 30% e 50% mais do que os cultivados com agroquímicos, embora sua demanda tenha crescido, em média, 30% nos últimos anos.

José Antônio Azevedo Espíndola, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), disse à IPS que o universo de produtores orgânicos ainda é limitado. “Existe um potencial de crescimento mas também um longo caminho a percorrer. Nos últimos anos aumentou a preocupação da sociedade com a qualidade dos alimentos, do ponto de vista ambiental e de uma produção mais sustentável e saudável”, acrescentou. Espíndola é pesquisador da unidade agrobiológica da Embrapa, dedicada ao desenvolvimento da agricultura ecológica e de técnicas de manejo para esta atividade.

Os produtores orgânicos representam apenas 1% dos agricultores brasileiros. Em 2006, quando foi realizado o último censo agrícola, havia cerca de cinco mil certificados como ecológicos, a maioria dentro da pequena agricultura familiar. Espíndola estima que atualmente existam 12 mil produtores orgânicos que em conjunto cultivam 1,75 milhão de hectares.

Entretanto, ventos ameaçadores chegam a esses produtores, procedentes de muitas partes. A propriedade de Michi é um exemplo. Sobrevive cercada por canteiros, fazendas de gado, um lixão e o projeto de uma estrada metropolitana, a apenas dois quilômetros. Uma vizinhança que coloca em perigo sua produção ecológica. Pela estrada de terra diante de suas terras passam caminhões carregados de rocha e cascalho, que deixam nuvens de pó, enquanto do lixão chegam o mau cheiro e as moscas. Além disso, no ar fluem os químicos usados no lixão, irritando a pele da família.

São fatores que dificultam e fazem a família de Michi pensar em mudar para outro local. “Além do mau cheiro, há o perigo da contaminação da água. Há dias que não consigo trabalhar na horta por causa desse cheiro e das moscas. Somos uma comunidade orgânica diretamente afetada pelos desenvolvimentos que chegaram depois”, ressaltou.

Os agricultores familiares de Seropédica têm medo de ficarem cercados por desenvolvimentos industriais, enquanto sofrem o assédio de empresas que querem se instalar na área. “Me fizeram uma oferta para comprar minha propriedade, mas rejeitei. Só saio daqui se puder comprar o mesmo em outro lugar, onde possa cultivar. Não sei fazer outra coisa”, argumentou Michi.

Além dos problemas de produzir ecologicamente, os pequenos agricultores orgânicos devem vencer outros obstáculos, explicou a agricultora, como o acesso ao crédito e aos apoios técnicos, inclusive de instituições dedicadas à pesquisa e ao desenvolvimento de seu setor. A solução, segundo Espíndola, é que as diferentes partes envolvidas se integrem mediante uma política pública para o setor. “Se isso não ocorrer, sempre existirão gargalos que limitarão a produção”, destacou.

Outro técnico da Embrapa, Nilton Cesar Silva dos Santos, assegurou à IPS que a agricultura orgânica vive um momento de redefinição e estruturação. “O Brasil ainda não está em condições reais de produzir sua cadeia de alimentos de forma 100% orgânica”, afirmou. Santos faz pós-graduação sobre desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais surgidos no Estado com a reforma agrária.

Não só o setor ecológico, mas toda a agricultura familiar sofre uma grande carência de recursos, disse o técnico, que desenvolve a primeira experiência de estufas no Estado, com apoio da Embrapa. A propriedade de Michi foi uma das primeiras quatro onde foram instaladas. Para Santos, é possível melhorar as condições de trabalho desses produtores orgânicos e, ao mesmo tempo, garantir que a cidade “volte a olhar para o campo novamente”. Envolverde/IPS