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América Latina marcha firme para maior igualdade

O bairro La Limonada, na Zona 5 da capital guatemalteca, é uma mostra da pobreza e da desigualdade que persistem na América Latina. Foto: Danilo Valladares
O bairro La Limonada, na Zona 5 da capital guatemalteca, é uma mostra da pobreza e da desigualdade que persistem na América Latina. Foto: Danilo Valladares

 

Buenos Aires, Argentina, 2/9/2013 – Os programas de transferência de renda, que existem em diversas modalidades em muitos países latino-americanos, são uma arma mais efetiva contra a pobreza e a desigualdade social do que o crescimento econômico por si só, afirmam em um estudo dois economistas argentinos. Com diferentes nomes e alcances, estes planos sociais foram implantados em 2010 em 18 países, abarcando na época 19% dos cerca de 600 milhões de habitantes que havia na região.

Esses programas estão conseguindo “uma redução substancial da pobreza extrema e uma notável queda da desigualdade”, segundo o trabalho publicado pelo Centro de Estudos Distributivos, Trabalhistas e Sociais (Cedlas), da estatal Universidade Nacional de La Plata. Elaborado por Leonardo Gasparini e Guillermo Cruces, o informe Políticas Sociais Para a Redução da Desigualdade e da Pobreza na América Latina e no Caribe faz uma recontagem das modalidades regionais de transferência de renda para os mais pobres e recomenda ampliar estes programas para erradicar a indigência.

Gasparini e Cruces, diretor e subdiretor do Cedlas, respectivamente, consideram que os programas não contributivos “foram a principal inovação” das políticas sociais na última década na região. “As transferências monetárias são instrumentos muito úteis como parte de uma estratégia global de redução da pobreza e das desigualdades”, afirmou Gasparini à IPS. “São relativamente fáceis de implantar, administrar e monitorar, e têm um impacto direto sobre o nível de vida dos beneficiários”, destacou.

Gasparini também ressaltou as vantagens dos condicionamentos destes planos para “incentivar determinados comportamentos, como maior frequência das crianças e dos adolescentes na escola ou controles mais frequentes de saúde”. Embora “não sejam a solução para problemas distributivos profundos, sua importância não deve ser minimizada”, acrescentou.

Segundo o estudo publicado em março, mesmo em um cenário de crescimento econômico sustentado, programas como o Destinação Universal por Filho, na Argentina, e o Bolsa Família, no Brasil, “têm um papel fundamental para conseguir melhorias distributivas”. O informe indica que “a região não pode depender apenas do crescimento econômico, mesmo havendo pleno emprego, porque faz falta a proteção social”.

Com diferenças, os diversos planos têm o objetivo de transferir mensalmente recursos monetários do Estado para famílias pobres ou para aposentados que trabalharam na economia informal e, portanto, carecem de pensão. Entre os primeiros, a maioria dos programas exige frequência escolar e controles sanitários para os menores de 18 anos. O Bônus de Desenvolvimento Humano, do Equador, é o programa que tem maior alcance, já que chega a 44% da população do país. Mas o Bolsa Família é o maior em termos absolutos, pois protege 52 milhões dos 198 milhões de brasileiros.

A eles se somam Oportunidades, do México, Bônus Juancito Pinto, da Bolívia, Chile Solidário, Famílias em Ação, da Colômbia, Avancemos, da Costa Rica, Rede Solidária, de El Salvador, Minha Família Progride, da Guatemala, Programa de Destinação Familiar, de Honduras, Rede Oportunidades, do Panamá, Tekoporâ/ProPaís II, do Paraguai, Juntos, do Peru, Solidariedade, da República Dominicana, Plano Igualdade e Destinações Familiares, do Uruguai, e similares na Nicarágua e na Venezuela.

O plano que parece ter piores resultados é o Oportunidades, pelo avanço da pobreza no México, que até o final do ano passado afetava 53,3% de seus 118 milhões de habitantes, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social. Diante disso, o governo revisa suas regras de funcionamento.

“A fragilidade de origem é a concepção de que o problema da pobreza é a falta de capacidades da população e que é preciso apoiar e financiar seu aumento”, criticou Clara Jusidman, presidente honorária da organização não governamental Incide Social. “É tipicamente um programa que vê o problema do lado da oferta, e os que têm deficiências para entrar no mercado de trabalho e no curso do desenvolvimento são as pessoas”, pontuou à IPS.

O Oportunidades, criado no final da década de 1990 e que adotou seu formato atual em 2002, conta em 2013 com orçamento superior a US$ 5 bilhões e pretende cobrir 5,8 milhões de famílias. O benefício está condicionado a que meninos, meninas e adolescentes permaneçam na escola e visitem centros de saúde. Para Jusidman, “o plano produziu violações de direitos e exclusão de pessoas e também há paternalismo estatal, pois se converte os beneficiários em subordinados à espera para ver o que dizem os governos e os funcionários”.

Gasparini e Cruces recordam que na década de 1990, paradoxalmente, o crescimento econômico na região esteve associado a uma maior desigualdade. Por outro lado, desde o final dessa década, e mais decididamente a partir da última, os planos de transferência de renda contribuíram para um avanço acelerado da redução da pobreza e muito especialmente da indigência.

Assim, os que viviam com menos de US$ 2,50 por dia somavam 27,8% da população latino-americana em 1992, diminuíram para 24,9% em 2003, para 16,3% em 2009 e para 14,2% em 2010, diz o estudo. Por isso, recomenda ampliar a cobertura para potencializar o impacto em um prazo menor. “Em vários países a base (de beneficiados) ainda é muito pequena e em outros uma quantia mínima. Há margem para ampliar esses programas”, apontou Gasparini. Porém, considera desnecessário pensar em programas universais. “Não tem sentido incluir a população não vulnerável”, destacou.

O estudo observa que, com um crescimento mais lento, a luta contra a pobreza será um processo mais longo. Por exemplo, se crescer à média de 2% ao ano por pessoa, 5,5% da população viveria na indigência em 2025, enquanto que se a expansão for de 4%, quase 3% permaneceriam nessa situação extrema nesse mesmo ano. Por outro lado, com um “esforço fiscal adicional de 0,5%” do produto interno bruto para estes programas sociais, a região conseguiria a mesma redução da pobreza extrema dez anos antes, em 2015.

Com base em dados de 2010 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a região gastava em média 0,4% do PIB nas transferências. Os autores estimam que alguns países poderiam aumentar esse esforço, segundo as recomendações, e outros teriam que tomar créditos externos. Os países que requerem maiores transferências são os que mantêm uma alta porcentagem da população na informalidade e, portanto, sem cobertura de saúde, nem previdenciária.

Nessa situação estão Bolívia, México, Nicarágua, Paraguai, Peru e Equador, onde a proteção social é insuficiente, afirmam os autores. “Bolívia, Nicarágua e Guatemala são os que necessitam de ajuda externa para programas que cubram toda sua população em extrema pobreza”, afirmou Gasparini. Os outros têm os recursos para financiar esses programas e até ampliá-los, ressaltou.

O diretor do Cedlas reconhece que o gasto médio atual parece relativamente menor em comparação com outros subsídios econômicos que beneficiam as classes média e alta e considera que, embora exista certa crítica a estes programas, “o apoio social é amplo na maioria dos países e são pouquíssimos os candidatos (a cargos eletivos) na região que propõem abertamente eliminá-los”.

Gasparini também observou que o apoio a estes programas, no entanto, “não implica desconhecer que podem ter aspectos indesejados, como o de diminuir o ritmo do processo de formalização da economia ou outros vinculados à oferta de trabalho, sobre os quais é necessário trabalhar mais seriamente”. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Emilio Godoy (México).