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Apenas metade dos bancos aplica políticas de direitos humanos

Crianças de uma das localidades de Ocean Division, no sul de Camarões, que perderam grande parte de suas florestas quando o governo as arrendou para uma empresa madeireira. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS
Crianças de uma das localidades de Ocean Division, no sul de Camarões, que perderam grande parte de suas florestas quando o governo as arrendou para uma empresa madeireira. Foto: Monde Kingsley Nfor/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 18/12/2014 – Somente metade dos principais bancos internacionais aplicam políticas de respeito aos direitos humanos, segundo uma nova pesquisa, apesar de assim exigirem os princípios que a Organização das Nações Unidas (ONU) adotou para guiar as atividades das empresas transnacionais.

Dos 32 bancos estudados, os pesquisadores encontraram que nenhum implantou publicamente um processo que aborde as violações dos direitos humanos. Tampouco contam com mecanismos de reclamação para que as pessoas prejudicadas pelos abusos possam se queixar.

A pesquisa, publicada pela BankTrack, uma rede internacional de organizações não governamentais que vigia as atividades bancárias, é conhecida mais de três anos depois da adoção dos Princípios Reitores sobre as Empresas e os Direitos Humanos. Estes princípios, aprovados por unanimidade no Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2011, especificam uma série de ações e obrigações para todas as empresas, incluídas as do setor financeiro.

Alguns dos “bancos incluídos nesse informe financiaram empresas e projetos que implicaram o traslado forçado de comunidades, trabalho infantil, apropriação de terras com apoio militar e violação do direito dos povos indígenas à livre determinação”, denuncia o estudo, divulgado no dia 2.

“As políticas e os processos, abertos ao escrutínio público e apoiados por informes adequados, são ferramentas importantes para os bancos assegurarem que esse tipo de abuso não ocorra, e que, quando acontecer, aqueles cujos direitos foram afetados tenham direito a um recurso efetivo”, afirma o documento. “Se essas políticas e esses procedimentos têm sentido, então o financiamento para esse tipo de ‘negócios duvidosos’ deverá, eventualmente, acabar”, acrescenta.

Um dos bancos estudados, o JPMorgan Chase, é um dos principais financiadores nos Estados Unidos do óleo de palma, por meio de empréstimos e investimentos de capital. Embora a instituição tenha uma política de direitos humanos, os pesquisadores da BankTrack descobriram que só é aplicada aos empréstimos e não aos investimentos.

“Quando se trata de apresentar relatórios sobre sua aplicação o banco não o faz, por isso a política é pouco mais do que decorativa”, afirmou Jeff Conant, da Amigos da Terra Estados Unidos, organização que investiga o financiamento do óleo de palma. O financiamento privado na atualidade facilita quase toda gama de atividade empresarial, mas Conant destaca que “as instituições financeiras não estão obrigadas a responder por seus atos”.

Por outro lado, o novo estudo mostra que alguns bancos estão bem encaminhados para cumprir os Princípios Reitores. A instituição melhor classificada, o banco holandês Rabobank, recebeu 8 de 12 pontos possíveis, seguido de perto pelo Credit Suiss e pelo UBS. Porém, essas são as exceções.

A pontuação média chegou a apenas três pontos, enquanto muitos receberam qualificação zero, entre eles instituições chinesas, da União Europeia e dos Estados Unidos. O Bank of America, uma das maiores instituições financeiras do mundo, recebeu apenas 0,5 ponto, e isso porque expressou algum tipo de compromisso para realizar investigações relacionadas com os direitos humanos.

“As conclusões desse informe ilustram muito bem o que se pode esperar dos princípios de autorregulamentação”, disse o argentino Aldo Caliari, do Center of Concern, um centro de investigação com sede em Washington. “Os Princípios Reitores são o mínimo indispensável em qualquer marco de direitos humanos no setor empresarial, um marco que tem o consentimento das empresas. Assim, o fato de ser tão escassa a adesão a uma ferramenta relativamente débil é muito revelador”, acrescentou.

Apesar da diversidade de casos, a área financeira em seu conjunto tomou nota dos Princípios Reitores. Em 2011, quatro bancos europeus se reuniram para discutir as possíveis consequências desses princípios para o setor. Depois se somaram três outras instituições ao que agora é conhecido com o Grupo de Thun, e em outubro de 2013 essa agrupação divulgou um documento inicial sobre os resultados dessas discussões, com recomendações para seu cumprimento.

Um conjunto já existente de pautas voluntárias para o setor bancário, conhecido como Princípios do Equador, também foi atualizado em 2013, para refletir a existência dos Princípios Reitores. No momento, os Princípios do Equador foram ratificados por 80 instituições financeiras de 34 países.

“Até agora, os esforços dos bancos para colocar em prática os Princípios Reitores da ONU giraram principalmente em torno da produção de documentos de debate sobre o melhor caminho a seguir”, pontuou Ryan Brightwell, autor do novo informe. “Três anos e meio depois de se colocar em marcha esses princípios, é hora de passar à sua aplicação”, acrescentou.

As conclusões sobre a escassa aplicação dos Princípios Reitores fortalecerão a posição daqueles que desejam modificar ou substituí-los. Alguns sugerem uma mudança de marco para que as instituições financeiras recebam um tratamento diferenciando em relação a outros setores.

O “setor financeiro exige um tratamento de exceção com relação à aplicação dos Princípios Reitores”, escreveu em 2013 o Center of Concern,. “As companhias financeiras, mais do que outras empresas, têm o potencial, com uma mudança de conduta, de influir no agir de outros setores. Isso significa que também se deve esperar delas maior nível de responsabilidade quando não o fazem”, destacou Caliari.

Caliari e outros integram um movimento que busca ir além dos marcos voluntários, do tipo dos Princípios Reitores, para adoção de um mecanismo vinculante. Esse objetivo, que já tem décadas de trabalho, recebeu importante impulso em junho, quando o Conselho de Direitos Humanos da ONU votou a favor de permitir o início de negociações para um tratado vinculante em torno das empresas transnacionais e suas obrigações em relação aos direitos humanos. Nessa mesma sessão também foi aprovada outra resolução para fortalecer a implantação dos Princípios Reitores.

Os novos dados sobre a relativa falta de cumprimento desses princípios pelos bancos são uma das razões pelas quais aumenta o número de adeptos de um tratado juridicamente vinculante, segundo Caliari. “Está cada vez mais claro que os mecanismos baseados no consentimento das empresas não podem ser a totalidade dos mecanismos de prestação de contas disponíveis. É preciso mais”, ressaltou. Envolverde/IPS