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Argentina legalizará barriga de aluguel

Foto: www.infomaternal.com.br

Buenos Aires, Argentina, 7/3/2013 – A Argentina se prepara para ser o primeiro país da América Latina a legalizar a gestação por substituição, uma alternativa para casais heterossexuais e homossexuais ou pessoas sozinhas que não podem conceber, mas que desejam ter um filho biológico. “Foi um dos temas mais difíceis dentro do direito de família”, admitiu à IPS a advogada Marisa Herrera, que participou da redação de uma profunda reforma do Código Civil, que data de 1869. Grupos de especialistas desenvolveram a tarefa dirigida pelo Supremo Tribunal de Justiça, por iniciativa da presidente Cristina Fernández.

O projeto inicia, este mês, seu trâmite no Congresso e sua aprovação converterá a Argentina no primeiro país latino-americano a regular esta prática, também conhecida como barriga de aluguel. No Brasil e no México, há leis sobre o assunto, mas sem a amplitude de inovação da que será sancionada neste país, disseram à IPS especialistas brasileiros e mexicanos. A reforma propõe um código civil muito mais aberto em matéria de família. Incorpora o direito já estabelecido do casamento entre pessoas do mesmo sexo, permite o divórcio apenas com a vontade expressa do casal e substitui o conceito de pátrio poder pelo de responsabilidade dos pais.

Mas o tema da gestação por substituição foi o mais complexo para os especialistas, disse Herrera, sobretudo pelas críticas, “algumas muito valiosas”, de feministas e outros coletivos que temem a “coisificação” da mulher ou o eventual lucro com seu corpo, sobretudo entre as mais pobres. Na internet, são inúmeros os anúncios de mulheres de países latino-americanos que se oferecem para gerar filhos alheios em troca de dinheiro, bem como de casais que buscam uma mulher sã, capaz de carregar um embrião até o parto em troca de cuidados e de assistência médica e econômica.

Na Argentina, a prática existe, mas sem regulamentação, como em outras nações da região. Há casais que preferem viajar a países onde existe a figura legal e voltar com seu bebê. Mas isso significa gastos elevados, que nem todos podem enfrentar, o que redunda em uma discriminação, ponderou Herrera. A prática está legalizada na África do Sul, Austrália, Grécia, Índia, Israel, Rússia, alguns Estados dos Estado Unidos e do Canadá, e encontra-se em debate na Bélgica, Bulgária, Finlândia, Irlanda e Islândia. Em outros Estados, onde existe com limitações, são debatidas leis de flexibilização, como no Brasil.

São dados do ensaio Por Que Sim à Regulação da Gestação por Substituição Apesar de Tudo, que tem por autoras Herrera e outras duas redatoras do projeto de reforma, as advogada Eleonora Lamm e Aida Kemelmajer. Nesse estudo, argumentam as razões para regular este método e os “cuidados” indispensáveis para torná-lo mais seguro. “Não sei se este método é ideal, mas existe. É muito comum no estrangeiro e não é uma opção ignorá-lo. É melhor ter uma lei que regule o processo, o controle e proteja em primeiro lugar a criança, mas também a gestante e os que querem ter um filho biológico por este método”, ressaltou Herrera.

O projeto estabelece que a gestação por substituição deve ser aprovada por um juiz antes de o embrião ser implantado. O magistrado solicitará certificados médicos e psicológicos que atestem a boa saúde da gestante e seu consentimento “livre, pleno e informado”. Uma equipe multidisciplinar do tribunal deverá assessorar a gestante sobre os riscos e as implicações de se submeter à prática. A mulher não poderá contribuir com seus óvulos e pelo menos um dos pais deverá fornecer seu sêmen ou óvulo. Tudo para garantir que não haja disputa pela filiação.

As especialistas consideram que, para ter acesso à prática, “o casal ou a pessoa interessada deve mostrar incapacidade para conceber ou de levar a gravidez até o fim”. Também, para evitar que seja um “trabalho imposto pela pobreza e tolerado pelo Estado”, a gestante só poderá alugar seu ventre duas vezes. Também deverá ter pelo menos um filho seu “para garantir que compreende a gravidade de seu compromisso”. O acordo deve ser gratuito. Os gastos médicos, de assistência ou alimentação que possam ser pagos não implica a perda do caráter altruísta de prática. E, se houver uma retribuição material, o limite ao “comércio” seria garantido com o teto de duas gestações.

Os médicos não poderão realizar o procedimento sem autorização da justiça em cada caso, diz o projeto. Dessa forma se dá segurança jurídica a todas as partes, porque não há passagem de paternidade no momento do nascimento, mas que o casal ou pessoa interessada são pais legais desde que o tribunal autoriza a prática, e responsáveis pelo filho desde a gravidez.

No Brasil não há legislação a respeito, mas desde 2010 o Conselho Federal de Medicina (CFM) regula a prática, permitida apenas quando o casal não pode gerar um filho próprio e a gestante deve ser familiar até segundo grau (mãe, irmã ou tia). O presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil, Bernardo Brasil, explicou à IPS que a Constituição proíbe o comércio de órgãos, e “isso inclui o útero”. Por isso, a fórmula impede a entrega de benefícios econômicos à doadora.

O CFM permite o pagamento da assistência médica e os custos referentes à gravidez, “mas não pode ser feito um contrato com fins comerciais. A pessoa que cede seu útero não pode lucrar”, esclareceu Brasil. Para este advogado, a resolução “tem um caráter limitado, pois só alcança a prática médica, mas nada diz sobre as relações entre quem cede o útero e a futura mãe”, que é familiar, por isso podem ocorrer litígios de paternidade entre as partes.

“Há implicações éticas profundas e ainda provoca uma grande resistência em grupos religiosos no Congresso Nacional. O Brasil vive hoje um vazio legislativo, pois a resolução do CFM atua como recurso provisório, mas faltam diretrizes legais”, pontuou Herrera.

O México também carece de legislação nacional. A prática só está regulamentada no Estado de Tabasco, desde 1998, sem abordar seus aspectos lucrativos. Em 2010, o Distrito Federal, sede da Cidade do México, aprovou uma Lei de Gestação Sub-Rogadas, restrita a casais heterossexuais unidos por matrimônio. Mas a lei foi vetada e atualmente se estuda outro projeto que, de todo modo, vigorará somente na capital.

A diretora da não governamental Fundação Mexicana para o Planejamento Familiar, Angélica García, disse à IPS que se deve “regular em apego a direitos sexuais e reprodutivos sobre liberdade de decisão, que haja informação científica, que se cuide da saúde mental e física de quem cede o útero e que não haja obrigação nem chantagem”, disse García. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Fabíola Ortiz (Rio de Janeiro) e Emilio Godoy (Cidade do México).