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As adolescentes que caminham para o altar em Níger

Em Níger, 75% das mulheres se casam antes de completarem 18 anos. Foto: Etrenard/CC BY 2.0
Em Níger, 75% das mulheres se casam antes de completarem 18 anos. Foto: Etrenard/CC BY 2.0

Niamey, Níger, 2/8/2013 – “Poder casar sua filha antes dos 19 anos é um orgulho”, disse El Hadji Suley Musa, de 60 anos, bancário aposentado de Níger. “Desse modo fica protegida da gravidez fora do casamento”, explicou. Há muitas pessoas neste país africano com 16 milhões de habitantes que pensam como ele. Por isso, não surpreende uma pesquisa de população e saúde realizada pelo Ministério da Saúde em 2012, mas só divulgada este mês, apresentar como resultado que 75% das entrevistadas tenham se casado aos 18 anos.

Segundo este estudo, as adolescentes entre 15 e 19 anos são as mais vulneráveis. O informe do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Estado Mundial da Infância 2011, situa Níger em primeiro lugar na lista de países com maior prevalência de casamentos precoces. Yahaya Issa, assessor do Ministério da Educação Nacional, disse à IPS que os pais que casam suas filhas jovens costumam apresentar motivos religiosos.

“Para os muçulmanos, o casamento tem um lugar importante em suas vidas”, disse à IPS Aminatu Abdu, dona de casa de 53 anos e moradora em Niamey. Ela induziu suas duas filhas a se casarem aos 15 e 16 anos. “É inaceitável que nossas filhas muçulmanas não tenham um marido depois da puberdade”, afirmou. Porém, nem todos os muçulmanos pensam igual. “Há uma interpretação errada da religião. O Islã defende o bem-estar social. Por isso estou contra casar as filhas de forma prematura, pois tem consequências negativas para a saúde”, disse o religioso Malam Isa Dogo, à IPS. “Quem as casa pequenas, o faz por ignorância. O Islã é uma religião que está contra a falta de conhecimento”, acrescentou.

Segundo Abdu Sani, que faz seu doutorado em antropologia na Universidade de Abdijan, as pessoas usam a religião com falso pretexto. O verdadeiro motivo é a ignorância e a pobreza, apontou. “Na maioria dos casos, as meninas são entregues em casamento a homens mais velhos com boa posição econômica ou elevado status social”, afirmou à IPS.

O casamento precoce acaba em gravidez prematura, o que coloca em risco o futuro da jovem, pois muitas abandonam a escola. Segundo fontes médicas, 40% das adolescentes casadas ficam grávidas nos meses seguintes ao casamento. “A pressão sociocultural, especialmente o desejo de ter um filho antes do primeiro aniversário de casamento, costuma levar a jovem a provar sua fertilidade nos meses seguintes ao casamento”, explicou à IPS a socióloga Salisu Habu.

Segundo estatísticas de 2011 do Ministério de Saúde Pública, as adolescentes representavam 19% das mulheres em idade reprodutiva e são responsáveis por 14% da taxa de fertilidade feminina em Níger. Além disso, “menos de 40% das jovens grávidas fazem exames pré-natal”, pontuou à IPS Hadjara Tinni, parteira em Niamey. Segundo Tinni, como as adolescentes engravidam antes da maturidade física, têm o dobro de possibilidades que as maiores de 20 anos de morrer durante o parto.

Segundo a pesquisa do Ministério de Saúde Pública, a mortalidade materna no país é de 554 mulheres mortas para cada cem mil nascidos vivos, das mais altas do mundo. As adolescentes representam 13% das que morrem. “As sobreviventes costumam ficar com sequelas, com uma fístula obstétrica”, ressaltou Hasan Idrisa, também parteira em Niamey. Das 163 pacientes registradas em abril nos seis centros de saúde do país com este problema médico, 80% haviam casado antes de completarem 18 anos, informou a Secretaria de Saúde.

“Temos que educar e manter as meninas na escola para acabar com esta situação”, enfatizou Hadiza Isufu, professora e integrante da Associação para a Defesa dos Direitos Humanos em Níger. Mas o projeto de lei apresentado em 2002, que estabelece que a idade mínima para mulheres se casarem é 18 anos, não tem aprovação das organizações religiosas. “A situação das adolescentes é de grande preocupação, mas, por desgraça, grande parte da população ignora o problema”, destacou Makibi Dandobi, ministro de População, no dia 22, Dia Mundial da População. Envolverde/IPS