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As contas pendentes em desmatamento na Amazônia brasileira

As pequenas queimadas são um problema de desmatamento que se conseguiu reduzir na Amazônia brasileira. Foto: Mario Osava /IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 20/6/2013 – Com uma estratégia ousada, o governo brasileiro conseguiu reduzir o desmatamento da Amazônia em 84% nos últimos oito anos. Entretanto, se forem contabilizados os recursos naturais e os pesticidas utilizados na produção agropecuária, esse progresso ambiental diminui. O anúncio foi feito este mês pela presidente Dilma Rousseff, e pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, com o tom de “tarefa quase cumprida”, disse à IPS o diretor do Departamento de Combate ao Desmatamento da Amazônia, Gustavo Oliveira.

Entre agosto de 2011 e julho de 2012 foram desmatados 4.571 quilômetros quadrados da Amazônia, maior índice desde que em 1988 o Instituto de Pesquisas Espaciais estabeleceu o controle via satélite. Isto supõe uma queda de 27% em relação ao mesmo período precedente. “Chegamos ao menor índice de desmatamento de toda a série histórica iniciada em 1988”, afirmou a ministra.

Em 2004, quando foi estabelecido o interministerial Plano de Ação para Prevenção e Controle de Desmatamento, Queimadas e Exploração Madeireira Ilegal na floresta amazônica, a perda foi de 27.772 quilômetros quadrados. O desmatamento de 2012 representa uma redução de 84% desde o começo do plano, declarou a ministra. A região amazônica ocupa 5.033.72 quilômetros quadrados, 61% do território brasileiro, e a queda de seu desmatamento foi essencial para que o país se aproxime da meta de redução de gases-estufa que provocam o aquecimento global.

O Brasil se comprometeu voluntariamente a reduzir, até 2020, o desmatamento em 80%, em relação ao nível de 1990. “Já alcançamos 76% dessa meta”, ressaltou a ministra no dia 5. “Vários setores contribuíram para isso. O governo federal ao melhorar a fiscalização reduziu o corte ilegal de madeira na Amazônia, bem como a expansão da queima da superfície florestal para atividades agropecuárias”, explicou Carlos Painel, da não governamental Alternativa Terra Azul.

O plano foi lançado no começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), com três eixos entrecruzados: maior controle e punição contra o corte ilegal, estímulo às atividades sustentáveis e ordenamento territorial. Com este último foram criadas as unidades de conservação florestal, que totalizam 250 mil quilômetros quadrados, equivalentes a 75% das áreas sob proteção ambiental do mundo, segundo dados oficiais locais.

Os ambientalistas comemoram os resultados, mas alertam para aspectos colaterais e ameaças futuras. “Houve um retrocesso no último ano, principalmente depois da aprovação do novo Código Florestal”, destacou Painel à IPS. Esse polêmico código, promovido pelo poderoso setor agropecuário, reverteu a queda do desmatamento, “colocando novamente em perigo a Amazônia”, afirmou.

Por exemplo, sob seu manto foi estabelecida uma anistia aos que cortaram madeira ilegalmente antes de julho de 2008. Isso reforçou uma sensação de impunidade entre os grandes produtores agropecuários e ao madeireiros ilegais, assegurou à IPS o ex-deputado pelo Partido Verde, Fernando Gabeira. “Esses atores da Amazônia entenderam que era preciso continuar desmatando o mais rápido possível”, ressaltou.

Governo e ambientalistas consideram que nas “contas amazônicas” deve ser incluído um fator adicional: a expansão econômica de um país que cresce como potência mediante dois pilares: produção agropecuária e mineração. O Brasil é um dos maiores exportadores de soja, carne e açúcar, e a sua meta é se transformar no maior produtor mundial de alimentos. A China é atualmente o principal importador do setor agropecuário brasileiro.

“O desmatamento depende muito do crescimento econômico e, sobretudo agora, depende muito da China, que compra carne, soja e minerais. Da relação com os chineses depende muito do processo futuro”, pontuou Gabeira. Carlos Painel assegurou que, junto com os madeireiros ilegais, a expansão em terras amazônicas da pecuária e de cultivos como a soja são fatores que incidem fortemente no desmatamento do território. E acrescentou que “é importante que na produção agrícola sejam contemplados todos os insumos. Não estão contabilizados os recursos naturais utilizados, nem existe uma produção mais orgânica e sustentável”, criticou.

Painel também recordou que o Brasil é o maior consumidor mundial de pesticidas e que o país não inclui na conta de seu crescimento econômico nem em suas exportações custos como a água consumida pelo agronegócio. “Para cada quilo de carne exportada, são consumidos milhares de litros de água, recurso que é mundialmente um bem precioso”, acrescentou. Também mencionou outros recursos naturais que não são contabilizados, como o uso da terra, “um recurso que poucos países têm como o Brasil”. Tampouco descontam o “exagerado” consumo de combustíveis para a produção e o transporte terrestre utilizado majoritariamente para levar a produção aos portos.

“A conta tem que incluir outros fatores como sustentabilidade, questão social, benefício do país e, principalmente, o investimento e uma nova tecnologia que aumente a produção com menos recursos naturais e sem contaminantes”, acrescentou Painel. “Não temos motivo para assumir o papel de alimentar o mundo. Podemos contribuir. Mas essa não é a função do Brasil, a de alimentar milhares de milhões de porcos da China com grãos de soja”, enfatizou.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, as áreas de pastagem e de vegetação secundária (como floresta em crescimento) aumentaram 22% entre 2008 e 2010. As pastagens ocupam crescentemente áreas de recente desmatamento. “Isto demonstra que é possível produzir de forma sustentável com a preservação do meio ambiente mediante práticas agrícolas sustentáveis”, indicou Izabella Teixeira.

Porém, o governo admite que, para manter resultados positivos na Amazônia, é preciso reforçar a promoção de atividades econômicas sustentáveis e assegurar que o plano passará a focar isso. Oliveira mencionou, como exemplo, a quantidade de terras amazônicas ainda sem adjudicar, que poderiam se converter em áreas para um manejo florestal sustentável, para o assentamento de populações ou para produção.

“Temos que separar a palha do trigo porque há pessoas de boa fé que estão na Amazônia trabalhando corretamente, respeitando a legislação ambiental e construindo um futuro de forma correta”, explicou Oliveira. Infelizmente, a maioria persiste em comportamentos ilegais”, acrescentou. Uma experiência positiva nesse sentido, segundo Oliveira, é o pacto de não comprar soja de áreas desmatadas, vigente desde 2008 e cumprido por 90% dos empresários.

Também há um compromisso pecuário para que os frigoríficos não adquiram carne de áreas desmatadas ilegalmente. O Brasil não pode baixar a guarda em demonstrar que pode crescer e manter suas florestas, disse Oliveira. Painel acredita que para isso será preciso “mudar a visão do agronegócio no Brasil, que tem um papel importante na economia nacional, mas seu rumo está totalmente atrasado”. Salvo poucas exceções, “os grandes produtores querem o maior número de terras possível e por isso avançam sobre unidades de conservação, sobre territórios indígenas, sobre rios… Não têm nenhum pudor em acelerar ao máximo o processo de desmatamento para a produção”, concluiu Painel. Envolverde/IPS