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Caso de 43 estudantes evidencia (também) racismo mexicano

A náhuatl Metonia Carrillo segura um cartaz com a foto de seu filho Luís Ángel Abarca, um dos 43 estudantes desaparecidos no dia 26 de setembro em Iguala, enquanto descansa na escadaria do Auditório Nacional durante um protesto de familiares na capital mexicana, ao completar quatro meses de seu sequestro. Foto: Emilio Godoy/IPS
A náhuatl Metonia Carrillo segura um cartaz com a foto de seu filho Luís Ángel Abarca, um dos 43 estudantes desaparecidos no dia 26 de setembro em Iguala, enquanto descansa na escadaria do Auditório Nacional durante um protesto de familiares na capital mexicana, ao completar quatro meses de seu sequestro. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Cidade do México, México, 29/1/2015 – A primeira língua do indígena Celso García, de 51 anos, é o mixteco. Em sua infância, este pai de um dos 43 estudantes desaparecidos há quatro meses, teve que aprender espanhol para se desenvolver entre mestiços, a maioria dominante no México. Com quatro filhos, ele tem uma pequena propriedade onde planta milho, feijão, flor de Jamaica e abóbora, na localidade de Tecuantepec, município de Tecoanapa, 380 quilômetros ao sul da Cidade do México, no Estado de Guerrero.

Mas seus cultivos estão abandonados desde a noite de 26 de setembro, quando seu filho Abel, de 21 anos e aluno da primeira série do curso de magistério rural, desapareceu junto com outros 42 companheiros da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, em uma ação de policiais municipais e sicários do grupo criminoso Guerreiros Unidos, conforme a investigação das autoridades nacionais e o testemunho de participantes que confessaram o fato.

“Queremos que os rapazes apareçam. Assim deixaremos de perder tempo, estamos sem trabalhar”, disse García à IPS, envolto em uma longa camisa xadrez, calças dançando ao vento e sandálias que mal protegem seus pés calejados de andar por caminhos abertos no mato.

Na noite de 26 de setembro, policiais locais de Iguala, município que fica 191 quilômetros ao sul da capital, atacaram os estudantes de Ayotzinapa quando estavam em um ônibus, fato que causou seis mortes e 25 feridos. Além disso, os policiais detiveram 43 normalistas – como são chamados aqui quem estuda para ser professor rural nas escolas especializadas – e os entregaram a membros da Guerreiros Unidos, uma das máfias do tráfico de drogas mais violentas da área, segundo a Procuradoria Geral da República (PGR).

De acordo com essa investigação, os 43 jovens foram queimados no lixão de Colula, localidade perto de Iguala, com produtos altamente inflamáveis, e, uma vez eliminados os restos, jogaram as supostas cinzas e outros vestígios em um rio próximo, uma versão reiterada quando, no dia 26, completou quatro meses do alegado massacre.

O procurador-geral, Jesús Murillo, afirmou – com o apoio de vídeos com a reconstrução dos fatos realizada com detidos pelo caso – que “a verdade histórica” é que os 43 estudantes foram assassinados de forma coletiva na mesma noite de seu sequestro, incinerados e jogados ao rio. E acrescentou que a investigação continua aberta. Mas pais e familiares das vítimas continuam repudiando a conclusão de que todos seus parentes estão mortos, tal como disseram à IPS.

Manifestantes e familiares dos 43 estudantes de Ayotzinapa, no Paseo de la Reforma, na capital mexicana, no dia 26 deste mês, ao completar quatro meses de seu massacre, segundo a investigação oficial, uma conclusão rechaçada pelos parentes. Foto: Emilio Godoy/IPS
Manifestantes e familiares dos 43 estudantes de Ayotzinapa, no Paseo de la Reforma, na capital mexicana, no dia 26 deste mês, ao completar quatro meses de seu massacre, segundo a investigação oficial, uma conclusão rechaçada pelos parentes. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Só foi possível identificar com base no DNA os restos encontrados de um dos estudantes, segundo informou em 7 de dezembro a PGR. Os especialistas do Instituto para Medicina Legal da Universidade Médica de Innsbruck, na Áustria, encarregados do procedimento, notificaram que é impossível obter DNA dos demais despojos devido ao seu estado de ignição.

Camponeses, pobres e indígenas. Estas são as características dos estudantes desaparecidos e de seus parentes que os buscam incansavelmente. A intenção dos futuros professores era romper e ajudar suas comunidades a combater a pobreza, a fome, a marginalização e a discriminação, dívidas seculares do Estado com as comunidades rurais indígenas.

Pelo menos metade dos 43 estudantes tem ascendência indígena relacionada aos povos me’phaa, náhuatl e mixteco. E, como dizem os familiares das vítimas e especialistas, quando um indígena morre como eles, se extinguem uma esperança, uma língua e uma cultura. Para milhares de jovens como eles, a única opção educacional é o acesso às escolas para professores rurais para que, após se formarem, ensinem nessas áreas.

Metodia Carrillo, de 54 anos, compartilha raízes com a maioria dos pais dos desaparecidos. Sua língua nativa é o náhuatl e ela reside na comunidade de San Antonio, município de Cuautepec, em Guerrero. É a mãe de Luis Ángel Abarca, outro estudante da primeira série, de 18 anos. Até 26 de setembro, sua vida era sua casa e a plantação de milho, a base alimentar mexicana.

“Queria ser professor para ajudar a família. Não são criminosos nem traficantes para terem sofrido isso. Por isso sentimos muita coragem e dor”, explicou Carrillo, com seus nove filhos, dos quais Ángel é, ou era, o mais jovem.

Neste país vivem 120 milhões de pessoas, das quais cerca de 11 milhões são indígenas, divididos em pelo menos 54 povos originários. Mas esse dado do Instituto Nacional de Estatística e Geografia registra como moradores originários somente pessoas com mais de cinco anos que falem uma língua ancestral.

Os Estados de Guerrero, Oaxaca e Chiapas, no sul, concentram a maioria da população indígena e figuram entre os mais pobres do México. Em Guerrero habitam os amuzgo, mixteco, náhuatl e me’phaa, e segundo dados oficiais a população indígena é de aproximadamente 600 mil pessoas.

“Sempre houve discriminação, na educação, por exemplo. Além disso, não há justiça. Esses direitos são violados”, disse à IPS outro pai de um dos desaparecidos, Melitón Ortega, cujo filho Mauricio tem 17 anos, segundo insiste em que se fale no presente. Para Ortega, com seis filhos e cultivador de milho e café, o racismo se reflete no desemprego existente na região ou na falta de moradia e de serviços adequados.

O governamental Programa Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2014-2018 (Pronaind) indica que 76% da população indígena vive na pobreza, um bloco “historicamente discriminado”. Indígenas, afrodescendentes e a população rural são mais pobres, menos educados, com menores rendas, menos proteção social e acesso restrito à justiça e à política, assegura o Programa.

“Há indícios de discriminação. Os indígenas são vistos como cidadãos de terceira. Na questão educacional e de acesso à justiça, a igualdade não existe”, afirmou à IPS o ativista Maurilio Santiago, presidente do Centro de Direitos Humanos e Assessoria a Povos Indígenas, que opera em Oaxaca. Os flagelos persistem, apesar de o orçamento destinado à população originária estar aumentando desde 2002. Para este ano, o valor supera os US$ 4,7 bilhões.

Para os pais dos estudantes causa engasgo falar de racismo, embora reconheçam terem sofrido esse problema. “Senti, claro, como não?”, disse secamente Celso García, enquanto mantinha erguido o cartaz no qual se lia: “Abel, temos a esperança de que estejas vivo. E não descansaremos até encontrá-lo, volte logo. Temos saudades”.  “Se nos entregarem nossos filhos, nos acalmaremos. Vamos lutar até encontrá-los, exigimos sua presença”, afirmou Carrilo depois do pronunciamento do procurador.

Ortega propõe que as comunidades manejem os recursos. “Há um discurso, mas não se vê nada de concreto. Há orçamento, mas o problema é a corrupção e o tráfico de influências. Isso faz com que as obras não sejam executadas”, afirmou. Mas o Pronaind prevê uma redução na carência indígena de acesso aos serviços de saúde de 24% em 2012 para 5% em 2018. Também espera uma contração na percepção da discriminação nos grupos prejudicados. Envolverde/IPS