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Combate ao Estado Islâmico se mantém no ar

Hani Subhi apresenta as notícias do único canal de televisão de Mosul, que provisoriamente transmite de Erbil, capital do Curdistão iraquiano, após a tomada da cidade pelo grupo extremista Estado Islâmico. Foto: Karlos Zurutuza/IPS
Hani Subhi apresenta as notícias do único canal de televisão de Mosul, que provisoriamente transmite de Erbil, capital do Curdistão iraquiano, após a tomada da cidade pelo grupo extremista Estado Islâmico. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

 

 

Erbil, Curdistão iraquiano, 19/11/2014 – Há notícias às nove horas todos os dias, e programas ao vivo nas terças-feiras, quintas-feiras e sábados. No momento, essa é a oferta do único canal de televisão de Mosul, que transmite de Erbil, capital do Curdistão iraquiano. “Continuamos no ar porque conseguimos trazer uma câmera e uma antena parabólica em nossa fuga de Mosul”, contou Akram Taufiq, atual diretor do Futuro de Nínive, o nome do canal de TV. Nínive é a província da qual Mosul é capital.

A vida deste jornalista de 56 anos está intimamente ligada à televisão. Trabalhou durante 11 anos no canal público iraquiano durante o governo de Saddam Hussein (1979-2003). Dali passou para a direção da Sama al Mosul (Céu de Mosul), a rede pública da segunda cidade do Iraque, até que a emissora caiu nas mãos do grupo extremista Estado Islâmico (EI), no começo de junho.

Taufiq garante que nunca pensou que “algo assim” pudesse acontecer. “Em três dias já haviam acabado com o último núcleo de resistência”, recordou, em seu escritório em um bairro residencial na periferia de Erbil, que fica 80 quilômetros a leste de Mosul.

Como em toda terça-feira, a atividade no pequeno estúdio é frenética e Taufiq convida a IPS a ver a programação em uma televisão no seu escritório. De uma sala contígua, a apresentadora Hani Subhi apresenta as últimas notícias, entre as quais destaca o recentemente criado campo de treinamento para os mais de quatro mil voluntários que engrossarão as fileiras da chamada Polícia de Nínive.

A apresentadora destaca que são efetivos recrutados “exclusivamente” entre os refugiados de Mosul. “Não podemos confiar em ninguém que venha da cidade de Mosul, porque podem ser espiões do Estado Islâmico”, explicou Taufiq, sem desviar o olhar da televisão. Também afirmou que essa força se unirá às Brigadas de Mosul, grupo de resistência que realiza ações de sabotagem contra membros e interesses do EI dentro da cidade.

Taufiq ressaltou que o momento mais esperado é sempre o espaço dedicado às chamadas ao vivo do interior de Mosul. Hoje recebeu mais de 1.700 solicitações. Infelizmente, não há tempo para todas. O primeiro a participar é Abu Omar, um antigo policial, atualmente na clandestinidade dentro da cidade. Todo aquele vinculado ao antigo aparato de segurança se converteu em alvo prioritário do grupo jihadista.

“Espero com impaciência o dia em que a Polícia de Nínive entrará na cidade. Serei o primeiro a me unir a ela para ajudar a matar esses bastardos”, disse Omar, de um local de Mosul não identificado. Em seguida é a vez de Hassan, de Talafar, um enclave da etnia turcomana, que fica a oeste de Mosul e que conta com uma significativa comunidade xiita. “Os turcomanos se converteram em objetivo principal dos bárbaros do EI porque não somos árabes, e muitos de nós nem mesmo são sunitas. Confio em continuar vivo para ver como expulsaremos esses selvagens de nossas casas”, afirmou.

Também ligam os que denunciam a precariedade reinante em Mosul. “Precisamos de geradores porque só temos duas horas de eletricidade a cada quatro dias”, contou Abu Younis, residente no oeste da cidade. “A água também chega de forma intermitente, a cada dois ou três dias, por isso temos que armazená-la em banheiras e baldes”. Mas o pior é a falta total de segurança. “As pessoas desaparecem misteriosamente, isso quando não são executadas no meio da rua, em plena luz do dia”, destacou, lamentando que sua cidade se converteu em uma imensa prisão ao ar livre”.

Trata-se de um triste depoimento corroborado por Bashar Abdala, jornalista de Mosul e atual editor-chefe das notícias do canal de televisão. Ele conseguiu trasladar sua mulher e seus dois filhos para a Turquia no final de outubro, mas preferiu ficar em Erbil, “para continuar trabalhando”. Embora não descarte logo voltar para casa, diz nada saber do estado em que se encontra sua antiga residência. Os jihaidistas disseram que todos que abandonarem a cidade perderão suas casas. Querem evitar uma fuga em massa da população local, afirmou Abdala durante um intervalo.

Um informe publicado, no dia 4 deste mês, pelo Centro de Controle de Deslocamentos Internos (IDMC), indica que o número de pessoas forçadas a fugir de suas casas no Iraque nos 12 meses anteriores beiram os três milhões, das quais meio milhão fugiram de Mosul.

Atheel al Nujaifi, governador de Nínive, a província do norte do Iraque da qual Mosul é capital, até que o grupo extremista Estado Islâmico se apropriasse da cidade em junho. Foto: Karlos Zurutuza/IPS
Atheel al Nujaifi, governador de Nínive, a província do norte do Iraque da qual Mosul é capital, até que o grupo extremista Estado Islâmico se apropriasse da cidade em junho. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

 

Sem dúvida, um dos refugiados mais conhecidos da ocupada cidade é Atheel al Nujaifi, governador da província de Nínive até a chegada dos jihadistas e atualmente um dos principais impulsionadores do canal de televisão. De seu escritório no mesmo edifício, ele reconhece que muitos moradores de Mosul receberam o EI de braços abertos.

“Desde o princípio tentei convencer as pessoas de que não tinham nada a ver com o Estado Islâmico. Uma semana depois, todos em Mosul se deram conta de que havíamos caído em uma armadilha”, disse à IPS esse dirigente que dificilmente poderia imaginar a surpresa que o destino lhe reservava.

Em abril de 2013, Nujaifi havia recebido a IPS no prédio do governo de Nínive, no centro de Mosul, e em meio ao clamor de manifestações em massa que denunciavam uma suposta marginalização da população sunita do Iraque por parte do governo xiita de Bagdá. Nujaifi visitou a praça onde aconteciam os protestos, a poucos cem metros de sua residência, mostrando abertamente seu apoio e lançando incendiárias declarações conta o governo de Nuri al Maliki, o então primeiro-ministro iraquiano.

Agora, de Erbil, Nujaifi assegurou que um dos principais objetivos do canal de televisão é “transmitir ao povo de Mosul que ainda tem um governo”, ainda que no exílio. “O EI nos roubou a revolução”, lamentou a altas horas da noite, logo após se despedir dos últimos membros da equipe de televisão. Amanhã, todos terão mais um dia de trabalho. Envolverde/IPS