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Compromissos atuais não salvarão os corais

Muitos cientistas consideram que os arrecifes são essenciais para a sobrevivência humana. Foto: Living Oceans Foundation/IPS

 

Uxbridge, Canadá, 19/9/2012 – Limitar o aquecimento global a dois graus não será suficiente para salvar a maioria dos arrecifes de coral do mundo. Cerca de 70% destes sofrerão uma degradação de longo prazo até 2030 se as temperaturas mundiais médias aumentarem pelo menos dois graus, segundo artigo de pesquisa científica publicado no final de semana na Nature Climate Chance. E o planeta esquentará mais de dois graus se os governos não adotarem compromissos mais ambiciosos para reduzir suas emissões de gases-estufa, causadores da mudança climática, principalmente pela queima de petróleo, gás e carvão.

A humanidade caminha para aquecer a atmosfera em uma média de três ou quatro graus, segundo o observatório científico internacional Climate Action Tracker. A maioria dos especialistas alerta que esses níveis de temperatura serão “catastróficos”. As temperaturas mundiais cresceram uma média de 0,8 grau até agora, e isso foi suficiente para derreter grande parte do Ártico e gerar eventos climáticos extremos em todo o planeta.

Manter o aquecimento abaixo dos dois graus é apenas uma questão de “vontade política”, e não de tecnologia, afirmou Bill Hare, diretor da Climate Analytics, uma das organizações associadas à Climate Action Tracker. Se a humanidade deseja manter pelo menos metade dos arrecifes de coral remanescentes, as temperaturas globais não devem superar 1,5 grau. “Limitar o aquecimento global a dois graus provavelmente não salvará a maioria dos corais”, destaca o estudo.

“Devemos nos dar conta do que está em jogo com o aumento das temperaturas mundiais”, disse Malte Meinshausen, coautor da pesquisa e membro da Escola de Ciências da Terra na Universidade de Melbourne (Austrália). “Os países devem ser o mais ambiciosos que puderem em matéria de redução de emissões para dar uma oportunidade aos corais”, afirmou à IPS.

Muitos cientistas consideram que os arrecifes coralinos são essenciais para a sobrevivência humana. Para mais de 2,6 bilhões de pessoas, os mariscos são a principal fonte de proteínas. Os corais funcionam como habitat de muitos tipos de peixes, e são vitais para mais de 33% de todas as espécies marinhas, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza. Os arrecifes também protegem as costas das tempestades. Sem eles, por exemplo, Belize sofreria danos no valor de US$ 240 milhões devido às tempestades, segundo uma estimativa.

O estudo utilizou os últimos modelos climáticos e os aplicou à crescente informação científica sobre os impactos do aumento das temperaturas e dos níveis de acidificação projetados para as próximas décadas, explicou o biólogo marinho e especialista em clima Simon Donner, coautor do informe, da canadense Universidade de Columbia Britânica. A acidificação dos oceanos reduz a tolerância térmica dos corais, acrescentou.

Os corais tropicais se desenvolvem dentro de uma variação de temperaturas mais estreita. Quando a água esquenta apenas dois ou três graus, embranquecem. Se a pressão do calor persiste por muito tempo, podem morrer em grande quantidade, como ocorreu em 1998, quando se perdeu 16% dos corais tropicais do planeta. As emissões de gases-estufa não só reaquecem os oceanos com também os deixam 30% mais ácidos. Os oceanos e a atmosfera estão intimamente conectados.

Quando se libera dióxido de carbono (CO2) na atmosfera pela queima de combustíveis fósseis, parte desse gás se combina com íons de carbonato na água marinha, formando ácido carbônico. Esta mudança na química dos oceanos não havia ocorrido em milhões de anos, e está começando a dissolver os arrecifes de coral. Alguns corais, sem dúvida, sobreviverão e se adaptarão às novas condições, apesar de as mudanças serem mais rápidas do que já tenham sido, ponderou Donner. “A humanidade perderá os serviços que os corais fornecem há milhares de anos”, alertou.

Mesmo com um aquecimento de 1,5 grau, apenas metade dos corais sobreviveriam, calcula o estudo. Tudo isto acrescenta peso científico ao chamado feito por pequenos Estados insulares e outras nações para que as temperaturas globais não aumentem mais do que 1,5 grau. Na 16ª Conferência das Partes (COP 16) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, realizada na cidade mexicana de Cancún em 2010, os governos se comprometeram oficialmente a não permitir um aquecimento global acima dos dois graus. Uma aliança de pequenos Estados insulares e africanos pressionaram sem sucesso para que o limite fosse fixado em 1,5 grau, devido aos danos que sofreriam se a temperatura mundial superar essa marca.

Para qualquer uma dessas metas, as emissões de dióxido de carbono devem começar a diminuir nesta década. Assim, o debate no momento é em vão, segundo Meinshausen. Uma vez que as liberações de CO2 tenham caído significativamente, então o ritmo e o nível das reduções posteriores de emissões terão relevância no objetivo final, afirmou. “Temo que vamos perder nossa única oportunidade de colocar um limite nas emissões esta década”, lamentou.

Esses temores aumentaram no mês passado em uma conferência sobre mudança climática realizada em Bangcoc pela Organização das Nações Unidas (ONU), na qual os representantes dos Estados Unidos sugeriram a necessidade de flexibilizar a meta de dois graus centígrados. Diversos estudos demonstram que essa meta poderia ser alcançada com custos modestos e gerando vários benefícios, como menos poluição do ar. “É muito importante motivar as pessoas a fazerem sua parte”, enfatizou Meinshausen. “Um sólido acordo internacional é essencial se quisermos ter alguma esperança de reduzir as emissões”, acrescentou. Envolverde/IPS