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Conflito maoísta alimenta exploração infantil na Índia

Sumari Varda, uma menina traficada do distrito indiano de Narayanpur, limpa o chão em lugar de ir à escola. Foto: Stella Paul/IPS
Sumari Varda, uma menina traficada do distrito indiano de Narayanpur, limpa o chão em lugar de ir à escola. Foto: Stella Paul/IPS

 

Kanker, Índia, 17/4/2014 – Bem cedinho, Sumari Varda, de 14 anos, veste o uniforme escolar azul e se dirige ao tanque da aldeia para buscar água. “Sinto falta da escola, tomara que pudesse voltar”, sussurra, por medo que seu patrão escute. Sumari nasceu na aldeia indiana de Dhurbeda, mas agora vive em Bhainsasur, ambas no Estado de Chhattisgarh. Se veste o uniforme escolar é por ser uma das poucas roupas que possui.

Sua aldeia nativa fica em Abujhmad, na área florestal no distrito de Narayanpur, apontado como um dos maiores esconderijos do ilegal Partido Comunista Maoísta da Índia, que lidera uma violenta rebelião contra o Estado em várias partes do país.

Há noves meses uma familiar distante de Raipur, capital do Estado, visitou os pais de Sumari, preocupados pela possibilidade de algum dia sua filha unir-se aos maoístas. A parente, a quem Sumari chama de “tia Bhudan”, a levou, prometendo enviá-la a uma escola. Mas o que fez foi mandá-la para Bhainsasur, a cerca de 180 quilômetros de Raipur. Agora a menina trabalha duramente mais de 14 horas por dia na casa do irmão de sua tia, cozinhando, lavando, buscando água e às vezes também cuidando do gado. Milhares de meninas e meninos de Chhattisgarh têm a mesma sina a cada ano.

Segundo estudo divulgado em 2013 pelo Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, mais de três mil menores são submetidos ao tráfico de pessoas anualmente a partir desse Estado. O documento se centra nos distritos do norte, menos afetados pelo conflito. Distritos como Dantewada, Sukma, Bijapur, Kanker e Narayanpur, celeiros do movimento maoísta, não estão incluídos no relatório.

O motivo é a falta de dados, disse um funcionário do Departamento de Desenvolvimento Rural. Os pesquisadores e investigadores não chegam a esses locais mais inacessíveis, acrescentou a fonte que pediu para não ser identificada. “Em abril de 2010, os maoístas mataram 76 agentes de segurança em Dantewada. Desde então, a rebelião escalou a um nível tal que são poucos os que se atrevem a visitar locais como Dantewada, Sukma ou Narayanpur. E se você não entrar na área, como conseguirá dados?”, afirmou.

Bhan Sahu acredita que a falta de dados, na realidade, ajuda os traficantes. Ela é fundadora da Jurmil Morcha, a única organização feminina tribal do Estado que luta contra os deslocamentos forçados de comunidades nativas florestais.

“Cada vez que ocorre um massacre ou um encontro entre os maoístas e as forças de segurança, muitas famílias fogem de suas aldeias. Os traficantes escolhem essas famílias, pagam a elas e se oferecem para cuidar de seus filhos”, contou Sahu, que denunciou vários casos de tráfico na CG-Net Swara, uma rede de notícias comunitárias. “Mas o governo não quer admitir nem as migrações nem o tráfico. Assim, os traficantes não sofrem nenhuma perseguição”, ressaltou à IPS.

Jyoti Dugga, de 11 anos, joga o hula-hola com aros de ferro para entreter os turistas nas praias de Goa, no ocidente da Índia. Ela também é de Chhattisgarh. Seu irmão mais velho foi preso por supostos vínculos com os maoístas. Seus pais se preocupavam que ela também fosse presa. Há três anos concordaram em enviá-la com um vizinho chamado Ramesh Gota, que Jyoti chamava de “tio”.

“O tio disse que tinha muitos contatos e que poderia me conseguir trabalho, por isso meus pais me enviaram com ele”, contou Jyoti, que também faz massagens nos pés dos turistas. Compartilha um pequeno quarto com outras três crianças, todas de Chhattisgarh e com aspecto de desnutrição. No começo deste mês a polícia resgatou 20 crianças que eram obrigadas a trabalhar em um circo de Goa. Mas Gota, o empregador de Jyoti, é muito hábil para se deixar pegar: o tempo todo traslada as crianças de uma praia para outra.

O governo nega a existência do tráfico e da exploração infantil. Ram Niwas, diretor-geral adjunto do Departamento de Polícia de Chhattisgarh, afirmou que o tráfico de pessoas “diminuiu consideravelmente” após a criação de unidades especiais para combatê-lo. “O processo de identificar esses distritos (onde se concentra o tráfico) está em marcha e terá prioridade”, disse à IPS.

O informe das Nações Unidas diz que o desempenho de Chhattisgarh na implantação de programas de proteção infantil é inadequado. “As unidades de proteção infantil do distrito não existem, e os comitês de bem-estar infantil não estão trabalhando em toda sua capacidade”, segundo o estudo. O documento acrescenta que o Estado não leva a sério a tarefa de devolver aos seus lares as crianças exploradas.

Mamata Raghuveer, ativista pelos direitos infantis no vizinho Estado de Andhra Pradesh, lidera a organização Tharuni, que resgata meninos e meninas em colaboração com o governo estadual. Segundo Raghuveer, nos dois últimos anos foram resgatadas 65 meninas. A maioria era dos distritos de Chhattisgarh afetadas pelo conflito. “Há homens que levam para suas casas meninas de sete e oito anos. Algumas são empregadas como trabalhadoras domésticas, outras são vendidas a exploradores sexuais. Quando os homens correm risco de serem pegos, desaparecem e abandonam as meninas”, explicou.

O governo tem uma Política Nacional de Trabalho Infantil para a reabilitação de crianças forçadas a trabalhar. Os resgatados com idades entre nove e 14 anos são inscritos em centros de capacitação especial, onde recebem alimentação, cuidados com a saúde e educação, afirmou no parlamento, em fevereiro, o ministro do Trabalho, Kodikunnil Suresh. “Atualmente, o programa atende 300 mil crianças”, acrescentou.

A IPS conheceu Mary Suvarna, de nove anos, em um centro de capacitação especial em Warangal, Estado de Andhra Pradesh. Ela foi resgatada há um ano em uma estação de trem da cidade. Vivia em uma aldeia florestal chamada Badekeklar, contou a menina. É improvável que alguma vez retorne ao seu lar. Suvarna tem um sonho. “Quero ser oficial de polícia”, afirmou. Envolverde/IPS