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Cultura de Cuba já não é para qualquer bolso

Público do lado de fora da Fábrica de Arte, liderada pelo cantor X-Alfonso e financiada com a arrecadação de suas atividades, embora boa parte do investimento inicial tenha sido do Ministério da Cultura de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Público do lado de fora da Fábrica de Arte, liderada pelo cantor X-Alfonso e financiada com a arrecadação de suas atividades, embora boa parte do investimento inicial tenha sido do Ministério da Cultura de Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 22/4/2014 – Na fila para entrar em um concerto no Centro Cultural Fábrica de Arte de Havana, Alexis Cruz, de 26 anos, olha ansioso a carteira onde guarda o dinheiro da entrada, 50 pesos (US$ 2), e três CUC (moeda equivalente ao dólar) para beber alguma coisa. “Poucas vezes posso vir a esses espaços que levam embora um quarto do meu salário de 450 pesos (quase US$ 19), mas todos os preços estão iguais ou mais caros e pelo menos aqui ouço boa música”, disse à IPS este jovem advogado.

A falta de opções atraentes e acessíveis de cultura e entretenimento afeta a maioria dos 11,2  milhões de cubanos, em um país onde o salário médio no setor estatal, empregador quase monopólico, não passa dos US$ 20. Para os deprimidos bolsos das famílias, espremidos em mais de duas décadas de crises, é quase impossível pagar os preços de discotecas e clubes que reanimam a vida noturna cubana após a reforma econômica de 2008, que abriu espaço para empresas privadas.

As diferenças se fazem notar. Enquanto em glamorosos bares privados de bairros residenciais como Vedado, Miramar e Playa, se diverte a emergente classe endinheirada de Havana, para os demais as opções são escassas. “Se quero sair para dançar em um lugar bom, economizo por um ou dois meses, graças à minha mãe, que faz doces em uma cafeteria privada e contribui com quase todo o dinheiro da casa”, conta Jorge Mario Rodríguez, de 24 anos, do bairro El Palmar, na periferia da capital cubana.

Como outros jovens, Rodríguez, cobrador da estatal Empresa Elétrica, gosta de reguetón, pop e salsa, mas não é assíduo de concertos, teatro, nem cinema. “Esses lugares ficam no centro e o transporte é muito ruim. Quando não tem festa na casa de algum amigo, ficou assistindo séries e filmes em DVD”, afirmou. Segundo várias pesquisas, cubanos e cubanas consomem preferencialmente audiovisuais e música nos momentos de lazer.

Além do que transmitem os cinco canais estatais, uma difusão alternativa oferece as últimas produções da indústria do entretenimento mundial. Essa rede informal inclui casas que alugam e copiam, pontos de venda de discos piratas (legalizados como trabalho por conta própria em 2010) e a venda a 50 pesos (US$ 2) de uma recopilação digital de quase um terabyte de música, filmes, séries, telenovelas e espetáculos de televisão internacionais, conhecida como “pacote semanal”.

Toda terça-feira, a sala de Laudelina Rodríguez ferve de gente que copia em memórias USB a última novidade da semana. Pagando entre cinco e 20 pesos (menos de US$ 1) o cliente pode levar até oito gibabytes de conteúdo variado. Entre uma clientela de quase 300 pessoas no município de Cerro, a autônoma Rodríguez distribui por semana cerca de 600 gigas e três ou quatro pacotes completos. Segundo seu registro, 66% dos compradores têm menos de 30 anos.

“O que mais se procura, são as narconovelas e as telenovelas mexicanas, seguidas pelas séries norte-americanas e os concursos como La Voz Kids e Nuestra Belleza Latina, contou Rodríguez à IPS. “Também gostam dos filmes cubanos e dos espetáculos humorísticos, mas quase nunca assistem obras nacionais, talvez para não se complicarem com problemas de direitos autorais”, explicou.

Esse tipo de consumo escandaliza os intelectuais de Cuba, cujo governo socialista se empenhou por mais de 50 anos em construir o “homem novo”, guiado por valores que não fossem os do capitalismo ocidental. O congresso da União Nacional de Escritores e Artistas de Cuba (Uneac), realizado nos dias 11 e 12 de abril, cobrou que se cuide das hierarquias artísticas e se enfrente a banalidade crescente no gosto da população. “Temos que detalhar o ‘pacote’ para que as pessoas entendam que estão sendo enganadas”, opinou o escritor e ex-ministro da Cultura, Abel Prieto, em uma das sessões transmitidas pela televisão estatal.

A Feira Internacional do Livro de Cuba é um dos eventos culturais mais populares e também dos que mais arrecadam. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
A Feira Internacional do Livro de Cuba é um dos eventos culturais mais populares e também dos que mais arrecadam. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Prieto, que agora é assessor presidencial, reconheceu, em entrevista à revista digital OnCuba, a responsabilidade do Estado no que considera deformação do gosto popular e defendeu a urgência de criar produtos culturais de entretenimento, com gancho para os jovens, “mas sem esvaziá-los de sentido”. Os participantes do congresso pediram um afrouxamento das velhas tensões entre arte e mercado, neste país onde o acesso maciço à cultura sempre foi subvencionado.

A reforma econômica, que chegou à cultura em 2010, eliminou os subsídios e agora artistas e instituições devem buscar uma maneira de serem rentáveis. Em 2013, o orçamento para cultura, arte e esporte diminuiu US$ 172 milhões em relação a 2012. E apenas 1% dos investimentos foram para esse setor, segundo estatísticas oficiais. Cuba tem quase 300 cinemas, 361 teatros e salas, 267 museus e 118 galerias de arte. Nelas, a programação é financiada pelo Estado e as entradas são subsidiadas. Mas boa parte da audiência fica insatisfeita porque as instalações estão cada vez mais deterioradas, a qualidade é irregular, os horários são pouco flexíveis e a promoção é deficiente.

O congresso da Uneac propôs avaliar a gestão não estatal de artistas e projetos culturais, por exemplo, as cooperativas. Porém, o governo tende a reagir com restrições às iniciativas autônomas, como mostra o fechamento das salas de cinema 3D no dia 2 de novembro, com o argumento de que não se ajustavam às atividades estabelecidas para o setor privado. Apesar de serem mais caros do que o cinema estatal, esses negócios conseguiram em pouco mais de um ano despertar o interesse do público pela sétima arte e revitalizar opções culturais nos bairros menos centrais.

Ulises Aquino, diretor da companhia Ópera da Rua, que reúne 120 artistas, tentou se autofinanciar com apresentações em seu restaurante privado El Cabildo. Mas o governo o fechou em 2012 por supostas irregularidades em sua gestão. “Cobríamos nossos gastos pessoais e financiávamos nossas produções artísticas”, explicou à IPS. “Mas as autoridades se assustaram quando meios de imprensa internacionais disseram que havia sido construído um império ao melhorar o nível de vida de nossos artistas”, acrescentou.

Agora, a Ópera da Rua depende do orçamento destinado pelo Conselho Nacional de Artes Cênicas, que não garante a reparação de equipamentos, instrumentos musicais nem vestuário, nem assegura os lanches e o trabalho comunitário. “É necessário que continuem existindo criações e criadores subsidiados, mas não por tradição ou nome, mas porque alimentam verdadeiramente o bem-estar espiritual e cultural da nação”, disse Elena Estévez, uma participante da seção interativa da IPS em Cuba.

Para a economista e especialista em cultura, Tania García, essas não são “algo gratuito indevidamente”, porque quando se cobre os gastos de espetáculos a preços baixos se investe em crescimento humano, enfatizou à IPS. Nos últimos cinco anos, a arte contribuiu com entre 4,3% e 4,7% do produto interno bruto. E a isso se deve acrescentar, segundo a especialista, o valor das exportações e os impostos sobre a renda pessoal dos artistas. Envolverde/IPS