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Declaração contra desmatamento é histórica, mas insuficiente

O território formado pelas florestas tropicais na República Democrática do Congo é o segundo maior do mundo. A agricultura de desmatamento e queimada, junto com o carvão, são as principais causas das emissões de gases-estufa. Foto: Taylor  Toeka Kakala/IPS
O território formado pelas florestas tropicais na República Democrática do Congo é o segundo maior do mundo. A agricultura de desmatamento e queimada, junto com o carvão, são as principais causas das emissões de gases-estufa. Foto: Taylor Toeka Kakala/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 6/10/2014 – Chefes de Estado, organizações da sociedade civil e diretores de algumas das maiores empresas do mundo exortaram seus pares a assinarem um histórico acordo internacional destinado a frear o desmatamento até 2030, embora outras vozes afirmem que essa iniciativa será insuficiente.

A Declaração de Nova York sobre as Florestas recebeu cerca de 150 assinaturas no dia 23 de setembro, durante a cúpula do clima organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Com promessas e metas dos setores público e privado, este documento fixa, pela primeira vez, um “prazo” internacional para o desmatamento: “reduzir pela metade a taxa de perda das florestas naturais mundialmente até 2020, e procurar eliminá-la até 2030”.

A iniciativa foi um dos resultados mais concretos da cúpula da ONU e destaca o interesse no potencial que representa para o clima a conservação da cobertura florestal do planeta. O texto da Declaração diz que, “alcançados os objetivos nela fixados, as emissões de gases-estufa poderão baixar até 8,8 bilhões de toneladas ao ano em 2030.

Porém, grupos da sociedade civil expressaram sua preocupação particularmente pelo extenso prazo para frear o desmatamento e a debilidade dos mecanismos de aplicação do acordo. Na verdade, o instrumento não é legalmente vinculante para os Estados nem para as empresas.

“O prazo até 2030 pode permitir que o desmatamento continue por 15 anos. Até então, a Declaração estaria cumprida de toda forma, já que não restariam muitas florestas para salvar”, afirmou à IPS Susanne Breitkopf, assessora do Greenpeace. “Do mesmo modo, não se deveria permitir que as empresas privadas continuem desmatando até 2020. Deve-se deter suas práticas destrutivas e a violação dos direitos humanos imediatamente”, acrescentou.

Uma organização da Nigéria também questionou o prazo fixado pela Declaração. “A Declaração fará com que aqueles com capacidade para destruição em massa das florestas da comunidade pensem que têm até 2020 para continuar sua destruição sem controles e sem travas. Isso é perigoso”, afirmou o Centro de Recursos e Desenvolvimento das Florestas Tropicais.

Estas empresas, “em seu conjunto, têm a capacidade de acabar com valiosas áreas florestais comunitárias do tamanho da Índia em poucos anos”, acrescentou a entidade. O acordo de Nova York deveria ter fixado “sanções definidas” a partir deste ano, ressaltou.

Uma aliança poderosa

A Declaração recebeu apoio inicial de 32 governos, embora o Brasil seja uma das ausências de destaque. Além de deter o desmatamento, o projeto pretende recuperar 350 milhões de hectares de terras degradadas até 2030. A iniciativa também recebeu apoio formal de 40 empresas transnacionais e busca “ajudar a cumprir” as metas do setor privado para deter o desmatamento vinculado às matérias-primas até o final desta década.

Por outro lado, o Fórum de Bens de Consumo, que reúne 400 empresas de todo o mundo com vendas que somam US$ 3 trilhões, se comprometeu a eliminar o desmatamento de suas cadeias de fornecimento até 2020.

“Criou-se uma poderosa aliança de empresas, governos e sociedade civil para assinar a Declaração de Nova York, a fim de deter a destruição das florestas naturais e recuperar aquelas que estão degradadas”, disse Helen Clark, administradora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), em um vídeo divulgado no dia 30 de setembro.

“Para cumprir a declaração as empresas e as comunidades pedem aos governos que demonstrem uma forte liderança para alcançar um acordo sobre o clima em Paris no ano que vem. Assim, convidamos todos os interessados a aderirem a este esforço mediante a assinatura da Declaração de Nova York sobre as Florestas”, acrescentou Clark.

A pedido de Clark constam do vídeo as vozes das chefes de governo de Noruega e Libéria e dos diretores das empresas Unilever, de produtos de consumo, e Golden Agri Resources, de óleo de palma, junto às organizações Fundo Mundial para a Natureza e Instituto de Recursos Mundiais (WRI).

Para o WRI, o acordo é “a declaração mais clara já feita por líderes mundiais de que as florestas podem ser uma força importante para lidar com o problema da mudança climática”. A organização calcula que a recuperação de apenas 150 milhões de hectares de terras degradadas poderia ajudar a alimentar mais 200 milhões de pessoas até 2030.

Segundo estatísticas da ONU, em média desaparecem 13 milhões de hectares de florestas por ano. Embora a importância dessas florestas atraia atualmente um interesse renovado a fim de deter a mudança climática, a destruição de zonas florestais também repercute nas economias e na sobrevivência das populações locais.

Em muitos lugares, o corte ilegal de florestas está estreitamente relacionado com mau governo e corrupção. Porém, grande parte do desmatamento atual tem origem na produção agrícola em grande escala para fornecer matérias-primas a outros países.

Um estudo da organização Tendências Florestais, divulgado em setembro, revela que pelo menos metade do desmatamento mundial acontece de maneira ilegal e em apoio à agricultura comercial, sobretudo para abastecer os mercados estrangeiros. Em geral, cerca de 40% do óleo de palma e 14% da carne bovina comercializados no mundo provêm de terras desmatadas ilegalmente, segundo a organização. Envolverde/IPS