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Desigualdade latino-americana: para sanar é preciso transparência... e algo mais

Especialistas latino-americanos em transparência e dados abertos participam de um debate durante o Encontro Regional das Américas da Aliança para o Governo Aberto, realizado na capital da Costa Rica. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
Especialistas latino-americanos em transparência e dados abertos participam de um debate durante o Encontro Regional das Américas da Aliança para o Governo Aberto, realizado na capital da Costa Rica. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

 

São José, Costa Rica, 24/11/2014 – A transparência política e os dados abertos como uma política pública precisam de um ingrediente ativo para conseguir uma mudança social que modere a desigualdade na América Latina: a participação da sociedade civil, segundo especialistas regionais consultados pela IPS. Esse é o elo entre os dados abertos e a transformação da sociedade que democratiza o acesso a direitos e oportunidades, disseram ativistas e representantes governamentais que trabalham para democratizar o acesso à informação e aos processos públicos na região.

Durante o Encontro Regional das Américas da Aliança para o Governo Aberto, realizado nos dias 18 e 19, em São José, capital da Costa Rica, especialistas em transparência insistiram em uma ideia uma e outra vez: somente a sociedade civil empoderada poderá transformar a informação pura em uma democracia melhor.

“Apenas abrir um dado nunca mudou a realidade de ninguém, nem reduziu a brecha da desigualdade. Somente abrir um dado por si só não faz isso. Milagres não existem”, ressaltou à IPS o coordenador da Iniciativa Latino-Americana de Dados Abertos, Fabrizio Scrollini. O que acontece, afirmou, “é que com determinada política existe um conjunto de ações paralelas que podem ser grandes facilitadoras desses processos de empoderamento” das sociedades regionais.

Scrollini insistiu em afirmar que a integração da cidadania permite converter um simples avanço tecnológico, como uma plataforma ou um site de informação estatal, em uma ferramenta de mudança social. A mudança se constrói na base e com as pessoas, destacou. E deu como exemplo o projeto uruguaio Por Mi Barrio (Por Meu Bairro), que permite aos habitantes da capital, Montevidéu, informar problemas em sua comunidade, desde buracos e lixo amontoado até problemas de iluminação pública, que são recebidos imediatamente pela administração da cidade.

Para conseguir isso, o governo municipal permitiu, pela primeira vez, que os desenvolvedores, um grupo da sociedade civil, fizessem a integração ao seu sistema informatizado. “Isso aproxima o governo de todos os setores da população. Estamos realizando painéis em todos os bairros para informar a respeito”, detalhou à IPS o uruguaio Fernando Uval. A ênfase “é dada especialmente aos que menos acesso têm à tecnologia, para que possam relatar problemas de seu bairro e melhorar sua condição de vida”, explicou esse representante da organização Dados Abertos, Transparência e Acesso à Informação (Data), impulsionadora do Por Mi Barrio.

Segundo os especialistas, a chave é fazer dos dados abertos e das políticas públicas de transparência um meio para conseguir mudança social, e não um fim em si mesmos. Além disso, se fosse aberta toda a informação em tempo real, as políticas públicas e a resposta da sociedade diante da problemática social poderiam ser mais acertadas.

“Se tivéssemos um formato totalmente aberto para a informação governamental, para que um especialista em política possa saber onde está a desigualdade – mediante o índice de Gini que a mede, por exemplo – e combiná-la com dados relacionados a crescimento econômico ou populacional, poderíamos tomar melhores decisões”, pontuou à IPS a salvadorenha Iris Palma, diretora da organização não governamental DatosElSalvador, dedicada a liberar informação pública em El Salvador.

Os dados abertos são informação pública liberada de modo a permitir a outras pessoas se apropriarem deles para construir coisas, em formatos que possam tornar simples o seu manejo. Por exemplo, se um economista fosse pedir a informação de um censo, seria mais útil para ele na versão digital, para analisá-los com modelos e programas estatísticos, em lugar de recebê-los apenas em versão impressa.

No caso do conceito de governo aberto, este determina que a administração pública seja transparente, dê fácil acesso à informação, preste contas aos cidadãos e os integre à tomada de decisões. Na região mais desigual do mundo, e sujeita durante décadas a regimes autoritários, o conceito de um governo participativo é relativamente recente.

“Passamos de Estados e governos que operavam com o segredo como lógica para uma mudança radical, com a abertura como lógica”, explicou Scrollini. “Isso mostra novos desafios, porque a informação deve ser usada e para isso devem existir políticas que ajudem a que seja usada e é preciso empoderar as pessoas para fazê-lo”, acrescentou.

Apesar disso, a sociedade civil latino-americana está tirando proveito do conceito. Os cidadãos do México, por exemplo, podem consultar onde é usado seu dinheiro mediante o programa Orçamento Aberto. No âmbito regional, a Rede Latino-Americana para a Transparência Legislativa integra esforços de vigilância de Congressos em nove países da região.

Na Costa Rica alguns empreendedores na faixa dos 20 anos de idade pegaram dados públicos do Ministério da Economia para criar um aplicativo para telefone inteligente chamado Economize Mais, que ajuda a tomar decisões na hora de fazer as compras no supermercado.

“No tema de governo aberto, a América Latina e o Caribe estão um passo adiante e na dianteira em todo o mundo”, afirmou Alejandra Naser, pesquisadora da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que realizou um painel sobre governo aberto durante o encontro continental. “Precisamente, essa é a razão pela qual queremos reforçar isso com ferramentas para os tomadores de decisões”, acrescentou.

O desafio é exatamente como integrar os cidadãos a esses processos. Scrollini desconfia da tecnologia como único caminho para os dados abertos e convida a repensar as velhas ferramentas de consulta social, como painéis ou reuniões de vizinhos, para identificar como pode ser incorporada a visão da sociedade civil no desenho dessas políticas. Outros métodos buscam integrar grupos da população, que depois possam gerar um uso maior por parte de outros setores sociais.: desde sessões para as quais se convida esses grupos a trabalharem com dados até programas de fundo com os usuários do futuro.

“Trabalhamos ativamente em ‘hackatones’ (encontros para o desenvolvimento colaborativo de programas), para que os jornalistas se envolvam, porque estes vão liderar o envolvimento da sociedade”, disse Cristiana Zubilega, diretora-executiva adjunta da governamental Agência de Governo Eletrônico e Sociedade da Informação, do Uruguai. Ao mesmo tempo, explicou que “trabalhamos com a academia para formar os estudantes no manejo de dados”.

Por sua vez, a cooperação internacional, grande financiadora desses programas na região, destaca que é fundamental apoiar grupos da sociedade civil que já têm caminho trilhado e podem servir como ponta de lança. “Apoiamos organizações que possam traduzir a informação em termos compreensíveis para a sociedade, mostrando como ela pode se envolver e que a disponibilidade de informação é sua competência”, explicou Ana Sofia Ruiz, oficial do Programa para a América Central do Instituto Humanista de Cooperação de Países em Desenvolvimento (Hivos).

“Procuramos aproximar isso das pessoas para que se envolvam”, afirmou à IPS a representante dessa organização não governamental holandesa, que financia projetos como Ojo al Voto (Olho no Voto), uma iniciativa costarriquenha que forneceu informação independente durante as eleições presidenciais e legislativas deste ano. Agora, o Hivos pretende servir de observatório do trabalho parlamentar na Assembleia Legislativa da Costa Rica. Envolverde/IPS