Arquivo

A desigualdade no México passa pelos salários

Vendedores informais na rua de Moneda, no centro histórico da Cidade do México. A economia informal é um reduto diante da enorme desigualdade salarial existente no país. Foto: Emilio Godoy/IPS
Vendedores informais na rua de Moneda, no centro histórico da Cidade do México. A economia informal é um reduto diante da enorme desigualdade salarial existente no país. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Cidade do México, México, 18/11/2014 – Sandra G. trabalha de segunda a sábado em um centro de cosméticos, no sul da Cidade do México, onde aos 30 anos e com seus estudos em cosmetologia, ganha ligeiramente acima do salário mínimo, que neste país é de apenas US$ 5 por dia. Esta jovem casada, que pediu para não dar o sobrenome, faz tratamentos de beleza e vende produtos como cremes para a pele e bálsamos, o que lhe proporciona uma renda com pequenas comissões pelas vendas mensais, cuja meta mínima é de US$ 3 mil, o que representa uma pressão trabalhista “bastante estressante”.

Sandra contou à IPS que “a dona me disse que, como estava começando o negócio, podia pagar o mínimo, mas se fosse boa com as vendas melhoria minha renda”. A renda comum de Sandra e seu marido, um engenheiro, dá para viver o justo, sem nenhum luxo. “Meu marido passou dois meses desempregado e estivemos bem apertados. Já conseguiu trabalho e isso nos dá tranquilidade, embora nos preocupe que a possibilidade de prosperar esteja distante porque os salários são muito baixos para a vida como está”, afirmou.

Biografias com essa caracterizam a situação do emprego e sua incidência na desigualdade dominante no México, país de 118 milhões de habitantes. Mas o debate atual sobre o aumento do salário mínimo parece ignorar essas realidades. “A questão salarial é uma coisa de desigualdade. Pode ser um mecanismo de mitigação. Mas há mais trabalhadores que têm um pedaço do bolo cada vez menor. É um problema de redistribuição”, disse Miguel López, integrante do Observatório de Salários, da privada Universidade Ibero-Americana de Puebla, na cidade de mesmo nome.

Em seu Informe 2014, divulgado em abril, o Observatório ressalta que “a pauperização absoluta da classe trabalhadora se vê refletida no barateamento do salário como preço da força de trabalho, na exploração com maior intensidade da jornada de trabalho e a precarização das condições gerais de trabalho, moradia e da vida em geral. O atual salário mínimo mexicano de US$ 5 diários é o mais baixo da América Latina, afirma a instituição, seguido de Nicarágua, Haiti e Bolívia.

Porém, o pior é a enorme brecha salarial no país, evidenciado por um estudo de 2013 da firma Hay Group em companhias de grandes capitais mundiais, sobre as diferenças entre os salários do pessoal de alto escalão e os novos trabalhadores. Segundo seus resultados, o salário base de um diretor na Cidade do México é de US$ 10 mil mensais, apenas US$ 417 menos do que um executivo de empresa semelhante em Nova York. Mas o salário mínimo federal norte-americano é de US$ 7,25 por hora, contra o de US$ 5 por dia pago na capital mexicana.

A Pesquisa Anual de Remunerações sobre os salários de presidentes, da consultoria internacional de recursos humanos Mercer, por sua vez, estabeleceu que esse ano no México o número um de uma grande empresa ganhava 121 vezes mais do que o valor do salário mínimo, a maior brecha na América Latina.

O Artigo 123 da Constituição mexicana estipula que “os salários mínimos gerais deverão ser suficientes para atender as necessidades normais de um chefe de família, nos âmbitos material, social e cultural, e para dar a educação obrigatória aos filhos”.

Segundo dados oficiais, no México a população economicamente ativa soma 52 milhões de pessoas, dos quais mais de 29 milhões se desenvolvem na informalidade. O desemprego aberto está em 4,8% e o subemprego (trabalho eventual ou por horas) em 7%. Pesquisa do Centro de Análise Multidisciplinar (CAM), da Universidade Autônoma do México (pública), indica que os trabalhadores do país que ganham de um a três salários mínimos totalizam 4,4 milhões.

O estudo Fábrica de Pobres, divulgado em maio, afirma que os que recebem entre três e mais de cinco mínimos são pouco mais de dois milhões de trabalhadores. O documento afirma que os mexicanos que embolsam até dois salários mínimos cresceram quase 3% de 2007 a 2013, enquanto o número dos que ganham de três a cinco mínimos caiu 23%, sintoma de um empobrecimento da classe média.

A renda mensal de Ernesto C. beira os US$ 5 mil, mais bônus por produtividade, em um dos maiores bancos privados do México. “O dinheiro é bom, está no nível de outros bancos no país e é parecido com o de colegas dos Estados Unidos com os quais me relaciono”, afirma esse executivo de 34 anos, que vive com sua noiva em um bairro elegante do oeste da capital.

Ernesto, que dirige uma picape último modelo e gasta quase US$ 300 em uma noitada, explica que conseguiu financiamento para estudar no exterior. “Quando voltei, ao contrário do que pensava, demorei para encontrar uma oferta de emprego atraente, mas finalmente consegui uma boa colocação e crescer rapidamente dentro da empresa”, destacou.

Em 25 de setembro, o esquerdista Miguel Mancera, chefe de Governo do Distrito Federal, onde fica Cidade do México, apresentou a proposta de elevar para US$ 6 o salário mínimo para os funcionários da capital a partir de junho de 2015, em uma medida que busca impulsionar sua extensão à esfera privada.

O diagnóstico Política de Recuperação do Salário Mínimo no México e no Distrito Federal. Proposta Para um Acordo, elaborado por um grupo de especialistas e com base na oferta de Mancera, diz que o valor real do salário caiu 71% em nível nacional. Essa queda, segundo o documento, serve de força de gravidade para o resto de pagamentos, “de modo que os salários mínimos afetam o conjunto da estrutura da renda”.

Para Alicia Puyana, pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no México, privilegia-se o combate à pobreza acima da desigualdade. “Não se quer abordar a fundo as causas da pobreza que se originam em uma má distribuição da renda. São efeitos da concentração da riqueza e de todas as formas de capital. Busca-se atacar os efeitos finais, dos quais o salário é um deles”, pontuou.

A pobreza afeta 53 milhões de mexicanos, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social. Em contraste, o número de milionários e suas riquezas cresceram entre 2013 e este ano, segundo o informe Riqueza e Bilionários 2014, elaborado pela consultoria de Cingapura Wealth-X e pelo banco suíço UBS.

Os mexicanos abastados passaram de 22 para 27 e suas riquezas juntas aumentaram de US$ 137 bilhões para US$ 169 bilhões. “É preciso um pacto social, tem que haver uma autêntica política salarial. Que melhor política social do que a que vai diretamente à distribuição da renda?”, argumentou López.

Para o CAM, o salário mínimo necessário para atender as necessidades alimentares básicas seria de aproximadamente US$ 14, enquanto o governo do Distrito Federal o situa em US$ 13. “Aumentar o salário mínimo 15% ou 20% é apenas uma migalha. Não compensa o descalabro registrado. Pode-se remediar com uma política fiscal progressiva, para capturar uma parte das grandes rendas”, opinou Puyana. Envolverde/IPS