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Empresas do Estados Unidos contra exclusão de minerais de guerra

Os “diamantes de sangue” de antes agora dão emprego em Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS
Os “diamantes de sangue” de antes agora dão emprego em Serra Leoa. Foto: Tommy Trenchard/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 9/1/2014 – Grandes associações da indústria e do comércio dos Estados Unidos apelaram contra uma lei que obrigará as grandes empresas a excluírem de suas cadeias de fornecimento mundiais o ouro, estanho e outros minerais utilizados para financiar conflitos armados nos Grandes Lagos da África central.

Entretanto, a Intel, fabricante de equipamentos para informática, anunciou, no dia 6, que denominou o primeiro produto livre desses materiais no mundo, e declarou que seus microprocessadores já não utilizarão “minerais de conflito”. O anúncio destaca tendências em marcha e refutaria, ao menos em parte, o argumento jurídico contra a disposição, conhecida como Artigo 1502 da Lei de Reforma de Wall Street e Proteção ao Consumidor, asseguram os defensores de uma transparência maior na cadeia de fornecimento.

“A lei já impulsionou a reforma do comércio dos minerais na região dos Grandes Lagos”, explicou Carly Oboth, assessora política da Global Witness, uma organização que se dedica a proteger o ambiente e os direitos humanos. Além disso, “levou empresas norte-americanas e congolesas a aplicarem a devida diligência na cadeia de fornecimento e a escolher a fonte dos minerais de maneira mais responsável”, afirmou a assessora à IPS.

“Segundo a consultoria Claigan, em setembro de 2013 foram identificadas 2.946 empresas que aplicam políticas de cumprimento para os minerais de conflito”, assegurou Oboth. Segundo a especialista, “apesar da apelação, muitas empresas já demonstraram publicamente a viabilidade da lei na medida em que começam a aplicá-la para cumprir o prazo de notificação de 31 de maio deste ano”.

A Câmara de Comércio dos Estados Unidos, a Associação Nacional de Fabricantes e a Business Roundtable, todos grandes grupos de pressão, afirmam que o Artigo 1502 da lei impõe uma carga financeira excessiva às empresas e atenta contra as garantias constitucionais de liberdade de expressão. Esses grupos asseguram que apoiam os objetivos da regulamentação, mas pedem mudanças consideráveis nela e a inclusão de algumas isenções.

Os partidários da medida respondem que a Comissão de Valores (SEC) dos Estados Unidos, com sede em Nova York, já examinou detidamente essas questões. “Em geral, apoiamos a posição da SEC e consideramos que fez uma análise exaustiva antes de adotar a lei sobre os minerais de conflitos”, disse à IPS a advogada Julie Murray, que representa a organização Anistia Internacional, que apoia o Artigo 1502.

“A SEC recebeu cerca de 13 mil cartas pedindo a rápida adoção dessa disposição, e acreditamos que a Comissão fez um trabalho exaustivo de análise dos temas, levando em conta as preocupações apresentadas por esses grupos, e tentando tornar a norma menos onerosa e mais fácil de ser cumprida”, acrescentou Murray.

A apelação vem após uma enérgica decisão jurídica, de julho do ano passado, que confirmou a vigência do Artigo 1502, aprovada pelo Congresso em 2010, mas cujo trâmite terminou em 2013. Em seu texto atual, a lei estabelece que, em junho deste ano, as grandes empresas terão que certificar a procedência de um punhado de minerais da África central, enquanto as companhias menores terão prazo maior.

Uma questão central para a decisão final do tribunal sobre a apelação serão os cálculos usados pela SEC para determinar a carga econômica que o Artigo 1502 representaria para as empresas. Esta Comissão calculou que somaria mais de US$ 4 bilhões em custos de cumprimento inicial, mais custos anuais entre US$ 200 milhões e US$ 600 milhões. Porém, Murray sugere que as empresas poderão reduzir esses custos quando aprenderem a cumprir as novas disposições.

Segundo a advogada, “em geral, defendemos que é importante as empresas conhecerem a origem dos materiais que utilizam. A maioria dos consumidores diz que precisa saber se o material comprado é responsável por violações, torturas ou assassinatos” na República Democrática do Congo (RDC). “Além disso, essa lei não trata só de direitos humanos, mas também tem um papel importante em informar os investidores e consumidores”, acrescentou.

No dia 7, porém, dois dos três juízes encarregados do caso pareciam ter dúvidas sobre alguns aspectos do Artigo 1502. Eles expressaram sua preocupação pelo precedente que a disposição estabelece, quanto à capacidade da SEC para criá-la, e inclusive o alcance da lei subjacente.

Em 2009, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reconheceu formalmente que a renda procedente da extração de minerais fortalecia vários grupos armados que combatem no leste da RDC. A indústria eletrônica é uma das maiores consumidoras dos minerais em questão, entre eles estanho, ouro e tungstênio.

Os partidários do Artigo 1502 argumentam que muitas empresas mostram um interesse crescente em fazer o necessário para cumprir a disposição, por razões tanto de marca quanto financeiras. A opinião geral é que a Intel fez um esforço muito sério para limpar sua cadeia mundial de fornecimento.

“Há dois anos disse a vários colegas que precisávamos de uma meta ambiciosa, o compromisso de que os metais utilizados em nossos microprocessadores fossem livres de conflito”, declarou, no dia 6, o diretor-executivo da Intel, Brian Krzanich. “Sentimos a obrigação de aplicar mudanças em nossa cadeia de fornecimento, para garantir que nossa empresa e nossos produtos não financiassem de maneira inadvertida as atrocidades humanas na RDC”, ressaltou.

Um executivo da Intel representa a empresa na Associação Nacional de Fabricantes, por isso tecnicamente é uma das partes na apelação atual. Em sua página na internet, a empresa diz que “suas posturas nem sempre se alinham 100% com as das organizações industriais e comerciais às quais pertencemos”. A Intel qualificou sua limpeza de minerais de conflitos como “marco fundamental”, mas Krzanich enfatizou que “é apenas um começo”. “Continuaremos com nossas inspeções e resolveremos os problemas que aparecerem”, disse o executivo, que exortou o resto da indústria eletrônica a seguir seu exemplo.

Outras vozes dizem que a liderança de outros setores nessa direção é igualmente importante. “Agora que a Intel apresentou o primeiro produto livre de conflitos, é hora de outras empresas fazerem o mesmo”, pontuou Sasha Lezhnev, analista de políticas do Enough Project, um grupo ativista de Washington. “Particularmente no caso do ouro. É importante que os fabricantes de joias tomem medidas, e as empresas do setor aeroespacial também devem redobrar seus esforços. Esse problema não será resolvido por apenas uma empresa”, afirmou à IPS.

Lezhnev acaba de regressar da RDC e disse que o Artigo 1502, embora ainda não em vigor, já teve um papel fundamental em tirar fundos dos grupos armados da zona oriental desse país. A presença desses grupos nas zonas mineiras agora é muito menor, garantiu. “Os minerais de contrabando agora custam cerca de um terço do preço dos certificados, pois o novo preço que a lei ajudou a gerar oferece um forte incentivo para criar um comércio livre de conflitos”, ressaltou. “Observa-se o desarmamento de muitos grupos armados. Isto não se deve só à nova lei, mas a mesma oferece um forte incentivo para isso”, acrescentou. Envolverde/IPS