Arquivo

Estado Islâmico acusado de limpeza étnica no Iraque

O jornalista Steven Sotloff, momentos antes de ser assassinado, segundo captura do vídeo divulgado pelo Estado Islâmico. Foto: IPS
O jornalista Steven Sotloff, momentos antes de ser assassinado, segundo captura do vídeo divulgado pelo Estado Islâmico. Foto: IPS

 

Washington, Estados Unidos, 15/9/2014 – O presidente norte-americano Barack Obama anunciou que seu governo busca a destruição da organização extremista Estado Islâmico (EI), enquanto a Anistia Internacional acusou o grupo de realizar uma limpeza étnica no Iraque em uma “escala histórica”.

No dia 3, o Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos confirmou a autenticidade de um vídeo que o EI (antes conhecido como Isis) divulgou no dia anterior mostrando a decapitação do jornalista norte-americano Steven Sotloff, sequestrado em agosto de 2013 quando cobria a guerra civil na Síria para a revista Time e o jornal Christian Science Monitor, entre outras publicações.

Ao ser confirmada a autenticidade do vídeo, Obama declarou desde a Estônia: “Nosso objetivo é claro, degradar e destruir o EI para que já não seja uma ameaça, não apenas para o Iraque, mas para a região e para os Estados Unidos”. Obama estava na Europa para a cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), nos dias 4 e 5.

Em um informe de 26 páginas publicado no dia 2 deste mês, baseado em investigações no terreno e entrevistas com vítimas e testemunhas de execuções e sequestros em massa, a Anistia alertou que as ameaças às minorias étnicas nas zonas sob controle do EI “exigem uma reação rápida e contundente para garantir a proteção das comunidades vulneráveis que correm o risco de serem varridas do mapa do Iraque”.

O Estado Islâmico realizou uma limpeza étnica em uma escala histórica no norte do Iraque”, segundo o informe da Anistia, com sede em Londres. “A Anistia Internacional concluiu que o EI dirigiu seus ataques sistemáticos contra as comunidades que não são árabes nem muçulmanas sunitas, matando ou sequestrando centenas, possivelmente milhares, e obrigado mais de 830 mil pessoas a fugirem das áreas que capturou desde 10 de junho deste ano”.

Também no dia 2, a organização Human Rights Watch (HRW), com sede em Nova York, acusou o EI da execução de 560 a 770 homens, na maioria soldados do exército iraquiano, em Tikrit, após tomar o controle dessa cidade, em 11 de junho, como parte de seu impressionante avanço no norte e centro do Iraque. No dia seguinte, o EI afirmou ter assassinado 1.700 “membros xiitas do exército”.

O cálculo da HRW, que se baseou no testemunho de um sobrevivente e em análises de vídeos e imagens obtidas por satélites, triplica o número de mortos que a organização havia denunciado no final de junho. Seus dados confirmariam a existência de três locais de execução em massa nos arredores de Tikrit, além dos dois que havia informado anteriormente.

“Outra peça desse quebra-cabeça macabro encaixa em seu lugar, com muito mais execuções confirmadas”, pontuou Peter Bouckaert, diretor de emergências da HW. “A barbárie do Estado Islâmico viola a lei e ofende grosseiramente a consciência”, destacou.

O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) votou, no dia 1º deste mês, o envio de uma delegação ao Iraque para investigar possíveis crimes de guerra por parte do EI. “As denúncias que recebemos revelam atos de desumanidade em uma escala inimaginável”, afirmou Flavia Pansieri, alta comissária-adjunta para os direitos humanos junto ao Conselho de Segurança.

O vídeo do assassinato de Sotloff, que seguramente acrescentou pressão no governo de Obama para ampliar seus ataques aéreos contra o EI no Iraque e incluir objetivos na Síria, sucedeu outro divulgado em 19 de agosto com a decapitação do jornalista norte-americano James Foley. Sotloff havia aparecido no vídeo de Foley junto ao suposto verdugo, que, se acredita, é um cidadão britânico, que alertava que seria o próximo assassinado se Obama não parasse com os ataques aéreos contra o EI.

Mas Obama ampliou a lista de objetivos dos Estados Unidos, que fizeram dezenas de bombardeios coordenados com ataques terrestres das forças especiais iraquianas, milicianos xiitas e combatentes peshmerga curdos, em uma contra-ofensiva que recapturou a represa de Mosul das forças do EI e mais recentemente teria vencido o assédio do movimento racial na cidade de Amerli, em grande parte povoada por turcomanos xiitas.

“Voltei, Obama”, disse o mesmo verdugo mascarado no último vídeo. “Voltei devido à sua arrogante política externa para o EI, devido à sua insistência em continuar os bombardeios. Aproveitamos a ocasião para advertir aos governos que entrarem nessa aliança maligna dos Estados Unidos contra o EI a retrocederem e deixarem nossa gente em paz”, acrescentou de pé junto a outro cativo não identificado que se acredita seja um cidadão britânico.

Na cúpula da Otan, esperava-se que Obama exortasse outros membros da organização a adotarem uma estratégia coordenada de pressão diplomática, econômica e militar contra o EI, que se expandiu de sua base no leste da Síria, no começo deste ano, para a província iraquiana de Al Anbar, antes de avançar pelos vales dos rios Tigre e Eufrates para o norte e centro do Iraque a partir de junho.

Washington quer que seus aliados europeus se integrem à política norte-americana e britânica contrária ao pagamento de resgate para a libertação de reféns capturados pelo EI, uma prática que seria uma importante fonte de renda para o grupo. Na visita do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e do diretor do Departamento de Defesa, Chuck Hagel, a países aliados no Oriente Médio, sobretudo nos Estados sunitas do Golfo, a intenção era persuadir-los a reprimir com mais força seus cidadãos que financiam e apoiam o EI, dar maior apoio ao governo de Bagdá e contribuir com os esforços militares internacionais contra o grupo.

Em seu informe, a Anistia denúncia que o EI massacrou centenas de homens e meninos maiores de 12 anos que não eram sunitas muçulmanos, em áreas predominantemente yezidis da província de Nínive, e sequestrou, mulheres, meninos e meninas, muitos deles retidos em Mosul, Tal’Afar e Bi’aj, sob pressão para se converterem ao islamismo sunita, acrescentou a organização.

O Estado Islâmico “comete crimes desprezíveis e transformou a zona rural de Sinjar em campos de extermínio empapados em sangue em sua brutal campanha para arrasar com todo sinal dos que não são árabes nem muçulmanos sunitas”, afirmou Donatella Rovera, assessora da Anistia radicada no norte do Iraque.

Também persegue cristãos assírios, turcomanos xiitas, shabaks xiitas, kakais, entre outros, bem como muitos árabes e muçulmanos sunitas considerados opositores, segundo o informe da Anistia, que também pede ao governo iraquiano que dissolva as milícias chiíes, algumas delas acredita-se que atacaram a população sunita na região. Envolverde/IPS