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Estados Unidos ignoram licença da ONU em sua iminente invasão à Síria

O Conselho de Segurança discute a situação da Síria, em 26 de junho. Foto: ONU/Devra Berkowitz
O Conselho de Segurança discute a situação da Síria, em 26 de junho. Foto: ONU/Devra Berkowitz

 

Nações Unidas, 16/9/2014 – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), único organismo internacional com faculdade para declarar a guerra e a paz, continua sendo testemunha muda da devastação e dos massacres que acontecem na Palestina, Síria, Iraque, Líbia, Iêmen e Ucrânia, entre outros territórios.

O Conselho, fortemente dividido, observou nos últimos meses o massacre de palestinos por parte de Israel, o genocídio e os crimes de guerra na Síria, a intervenção militar russa na Ucrânia e os ataques militares dos Estados Unidos no Iraque. Agora se prepara para a iminente invasão da Síria, se o presidente norte-americano, Barack Obama, cumprir a ameaça de atacar por via aérea a insurgência extremista do Estado Islâmico (EI).

Washington se nega a pedir a autorização e legitimidade do Conselho de Segurança, embora isso signifique o veto de Rússia ou China. Os cinco membros permanentes com direito a veto neste órgão são China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia. Porém, e paradoxalmente, Obama prevê presidir uma sessão do Conselho quando estiver em Nova York, no final de setembro, já que os Estados Unidos ocupam a atual presidência do organismo em virtude da rotação geográfica entre os seus 15 membros.

Não é comum um chefe de Estado ou de governo presidir uma sessão do Conselho de Segurança, mas às vezes ocorre quando um país membro ocupa sua presidência no mês de setembro, durante a abertura de um novo período de sessões da Assembleia Geral, com presenças de mais de 150 governantes.

“Vou presidir uma sessão do Conselho de Segurança da ONU para mobilizar a comunidade internacional em torno deste esforço para degradar e destruir” o EI, afirmou Obama em um discurso transmitido pela televisão no dia 10. Entretanto, a ofensiva proposta na Síria não integra a ordem do dia do Conselho, e certamente não durante a presidência dos Estados Unidos. O EI é uma ameaça regional que em última instância poderia chegar aos Estados Unidos, o que justifica o ataque iminente, ressaltou Obama.

“De instrumento para evitar ou restringir a guerra, a ONU passou a ser uma instituição queixosa, com seu Conselho de Segurança dominado por superpotências, antes de tudo pelos Estados Unidos, em conjunto com seus aliados entre os membros permanentes”, apontou Norman Solomon, diretor do Instituto para a Precisão Pública. Antes os presidentes dos Estados Unidos mantinham as aparências e solicitavam a aprovação do Conselho de Segurança para ir à guerra, mas isso é pouco comum, acrescentou.

“Quando não tem a capacidade para conseguir o que quer com uma resolução não vetada no Conselho de Segurança para seus fins bélicos, o governo dos Estados Unidos simplesmente procede como se a ONU não tivesse uma existência significativa”, pontuou Solomon. No plano internacional, isso ocorre porque não há pontos de influência geopolítica nem marcos constitucionais das Nações Unidas que bastem para exigir de Washington que leve o Conselho de Segurança a sério, como algo além de uma plataforma para ditar suas regras.

Um funcionário russo opinou que Washington deve obter uma resolução do Conselho de Segurança para sua intervenção na Síria, algo que a Rússia não fez antes de intervir na Ucrânia. Talvez tudo isso aponte para uma só direção: o Conselho de Segurança demonstrou mais de uma vez sua falta de validade. É ineficaz e politicamente impotente, já que passou a época de sua utilidade, sobretudo em situações de crise.

Ajuda humanitária? Sim. Ação internacional coletiva? Não. Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança não mostram interesse na igualdade, justiça ou integridade política, mas na proteção de seus próprios interesses nacionais. Em um editorial, no dia 12, o jornal New York Times alertou que não haverá volta uma vez começados os bombardeios em território sírio, os quais desencadeariam fatos imprevistos. “Sem dúvida, essa é uma lição que os Estados Unidos aprenderam com as guerras no Iraque e no Afeganistão”, afirmou o jornal.

“Independente de serem justificados ou não, os bombardeios dos Estados Unidos ou de outras potências estrangeiros no Iraque a na Síria são claramente atos de guerra que exigem autorização da ONU”, disse Stephen Zunes, professor de política e estudos internacionais na Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos.

Se a ameaça do EI e o caráter limitado da resposta militar são como Obama assegura, então os Estados Unidos não deveriam ter problemas para conseguir o apoio do Conselho de Segurança, observou Zunes, que escreveu muito sobre a política desse organismo. “A negativa de vir à ONU é outro exemplo do desprezo, que, ao que parece, Washington tem em relação ao Conselho”, ressaltou.

Peter Yeo, diretor da Campanha Por Um Mundo Melhor, uma organização não governamental dedicada ao fortalecimento das relações entre Washington e a ONU, pediu ao Congresso norte-americano que inclua as Nações Unidas quando abordar os problemas no Oriente Médio, entre eles Síria e Iraque. “Que o Congresso saiba que os Estados Unidos não podem agir sozinhos diante desse desafio e que devemos continuar utilizando recursos como o Conselho de Segurança e as agências de resposta humanitária da ONU para lutar contra as ameaças atuais e futuras”, destacou.

Mais do que nunca, Washington precisa da ONU como um sócio estratégico para facilitar a complexa resposta diante das necessidades de segurança e humanitária na região, afirmou Yeo em um comunicado divulgado no dia 11. Solomon afirmou à IPS que a política interna dos Estados Unidos relegou, nas últimas décadas, a ONU ao papel de último momento ou de anfiteatro para a oratória, a não ser que esta se una ao trem de guerra norte-americano neste momento histórico.

“Deformado como está, por representar apenas os governos de alguns setores do poder mundial, o Conselho de Segurança ainda tem certo potencial para o exercício válido do discurso, inclusive da diplomacia, mas não da legítima tomada de decisões em si mesmas”, acrescentou Solomon. Porém, o Conselho de Segurança representa, em última instância, os interesses tendenciosos de seus membros permanentes, que só incluem a paz na medida em que esta lhes convenha. Isso depende de a vontade de seus integrantes transcender os estreitos interesses nacionalistas e empresariais, enfatizou. Envolverde/IPS