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Estados Unidos podem enviar tropas terrestres para combater o Estado Islâmico

O general Martin Dempsey, chefe do Estado Maior Conjunto. Foto: Departamento de Defesa dos Estados Unidos/domínio público 
O general Martin Dempsey, chefe do Estado Maior Conjunto. Foto: Departamento de Defesa dos Estados Unidos/domínio público

 

Washington, Estados Unidos, 23/9/2014 – Os Estados Unidos podem enviar tropas terrestres para combater o grupo extremista Estado Islâmico (EI), se a estratégia anunciada pelo presidente Barack Obama contra a organização sunita não alcançar resultados contundentes, afirmou o chefe do Estado Maior Conjunto deste país, general Martin Dempsey.

A declaração do general, em depoimento dado este mês perante um importante comitê do Congresso norte-americano, sugeriu pela primeira vez que Washington poderia ampliar substancialmente as operações militares no Iraque, que atualmente consistem em ataques aéreos e assessoria às forças iraquianas e curdas longe da frente de batalha.

“Se chegarmos ao ponto no qual creio que nossos assessores devam acompanhar as tropas iraquianas em ataques contra objetivos específicos, vou recomendar isso ao presidente” Obama, afirmou Dempsey aos membros do Comitê de Serviços Armados do Senado norte-americano. Atualmente, “sua política declarada é que não teremos forças de terra norte-americanas em combate direto. Mas o presidente também me disse que voltaria a examinar caso a caso”, acrescentou.

A declaração de Dempsey aconteceu depois do debate legislativo sobre um pedido do Poder Executivo de US$ 500 milhões para treinar e equipar os rebeldes sírios comprometidos com a luta contra o EI e o governo de Bashar al Assad. Seguramente, sua posição reforçará as dúvidas sobre o plano de Obama, especialmente porque o presidente havia prometido, no dia 10, que as forças norte-americanas “não terão uma missão de combate”.

“Não nos arrastarão a outra guerra terrestre no Iraque”, disse Obama em discurso pela televisão naquele dia, quando também se comprometeu a reunir uma coalizão internacional que inclui a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e os principais Estados árabes governados por sunitas, para lutar contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

Embora o secretário de Estado, John Kerry, tenha conseguido apoios públicos para a estratégia de Washington para “degradar e em última instância destruir” o EI – em particular em uma reunião dos Estados árabes na cidade saudita de Yeda, no dia 11, e de um grupo maior de países em Paris três dias depois –, as dúvidas sobre a força e a eficácia dessa coalizão parecem ter aumentando.

Embora Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e França pareçam dispostos a proporcionar algum tipo de apoio aéreo contra o Estado Islâmico, vários aliados, como a Grã-Bretanha, continuam sem confirmar sua ajuda às operações militares. Já a Turquia, cujo exército é o maior e mais forte da região e cuja porosa fronteira com as zonas sob controle do EI no leste da Síria foram aproveitadas pelo grupo extremista, é uma das principais desilusões de Washington.

Apesar das reiteradas solicitações, Ancara não permite que aviões militares norte-americanos utilizem sua base aérea de Incirlik, localizada estrategicamente, a não ser para missões humanitárias no Iraque, insistindo que toda participação direta na campanha contra o Estado Islâmico colocaria em risco a vida de dezenas de diplomatas turcos capturados pelo grupo, no consulado da Turquia da cidade síria de Alepo.

Para os críticos da estratégia de Washington é preocupante que Kerry possa ter limitado a possibilidade de cooperação com outro lado potencialmente importante contra o EI, o Irã, que foi expressamente excluído da coalizão internacional devido ao seu apoio a Assad e sua suposta condição de “Estado patrocinador do terrorismo”.

No dia 15, Kerry afirmou que Washington continua disposto à “comunicação” com Teerã, que proporcionou armas e assessores às forças curdas e iraquianas, com relação aos seus esforços contra o Estado Islâmico. Mas o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, que este mês teria autorizado uma cooperação limitada contra o EI, brincou com essa ideia e insistiu que foi Teerã que rejeitou Washington.

Segundo especialistas norte-americanos, a exclusão do Irã da coalizão contra o EI se deu principalmente porque Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos ameaçaram não participar da mesma se incluísse Teerã. Isso reflete não só o conflito em curso entre sunitas e xiitas na região, especialmente na guerra civil da Síria, mas também a dificuldade de Washington em convencer governos com interesses muito diferentes entre si a se unirem em torno de uma causa comum.

“Excluir o Irã do esforço coletivo para conter e eventualmente destruir o EI, especialmente depois do que aconteceu em Amerli”, uma cidade iraquiana onde o assédio do Estado Islâmico foi vencido pela combinação de potência aérea junto com os combatentes e as tropas iraquianas com o apoio do Irã, “desafia a lógica e a sensatez e não se pode explicar”, afirmou Farideh Farhi, uma especialista em Irã da Universidade do Havaí.

“Isso sugere a muitos que o temor em legitimar o papel do Irã na segurança regional continue sendo uma força impulsora da política externa norte-americana”, afirmou Farhi à IPS por correio eletrônico. De fato, é possível que o êxito da estratégia de Obama dependa menos do poderio militar dos Estados Unidos do que de sua capacidade para reconciliar os atores regionais, como o Irã.

“Para ter alguma esperança de êxito é preciso substituir a estratégia do ‘faça você mesmo’ dos Estados Unidos pelo esforço em facilitar a cooperação entre as grandes potências muçulmanas da região”, afirmou Chas Freeman, que foi embaixador de Washington na Arábia Saudita durante a primeira Guerra do Golfo (1990-1991). “Enquanto Arábia Saudita e Irã não trabalharem juntos, toda coalizão para combater os fanáticos islâmicos será um esforço incompleto, no melhor dos casos, e sem raízes na região, no pior”, pontuou à IPS.

Apesar das dificuldades diplomáticas que Obama enfrenta, as dúvidas nos Estados Unidos têm a ver com sua estratégia militar, em particular com sua dependência do poderio aéreo e da ausência de forças terrestres que possam ocupar o território, especialmente em áreas sunitas do Iraque e da Síria.

Os funcionários norte-americanos acreditam que as forças peshmergas curdas e o exército iraquiano, com combatentes xiitas apoiados pelo Irã e o respaldo aéreo dos Estados Unidos e de seus aliados, são capazes de expulsar o EI das zonas recentemente conquistadas no Iraque, mas levará muito mais tempo tirá-lo de lugares que governa há meses, como as cidades de Faluja e Ramadi.

Obama anunciou no dia 10 deste mês o envio de mais 500 militares ao Iraque, elevando o número de soldados dos Estados Unidos para 1.600, em sua maioria instrutores e assessores dos peshmergas e do exército iraquiano. Envolverde/IPS