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Familiares de desaparecidos no México assumem as buscas

“Desaparecimento forçado, estratégia de terror”, diz um cartaz feito à mão, com a bandeira do México, em um ato, no dia 19 deste mês, pelos 15 anos da organização Hijos, uma das primeiras criadas por familiares de desaparecidos para buscá-los e lutar por justiça para eles. Foto: Emilio Godoy/IPS
“Desaparecimento forçado, estratégia de terror”, diz um cartaz feito à mão, com a bandeira do México, em um ato, no dia 19 deste mês, pelos 15 anos da organização Hijos, uma das primeiras criadas por familiares de desaparecidos para buscá-los e lutar por justiça para eles. Foto: Emilio Godoy/IPS

 

Cidade do México, México, 26/2/2015 – Carlos Trujillo continua sem se entregar, depois de anos percorrendo o México sem esmorecer, em busca de seus quatro irmãos desaparecidos. Esse comerciante não deixa nenhuma pista sem investigar nem pedra sem levantar, desde que seus irmãos Jesús, Raúl, Luís e Gustavo sumiram, os dois primeiros em 28 de agosto de 2008 no Estado de Guerrero, e os outros dois em 22 de setembro de 2010 em uma estrada que liga os Estados de Puebla e Veracruz, todos no sul do país.

“O caso não avançou, foram designados quatro agentes, mas ainda não há nada de concreto. Por isso, continuo e continuarei até encontrá-los”, afirmou Trujillo à IPS. Junto com outros familiares de desaparecidos, Trujillo fundou a organização Familiares en Búsqueda María Herrera, nome de sua mãe, em um dos crescentes esforços dos atormentados parentes de desaparecidos para institucionalizar as investigações que fazem por conta própria.

“Queremos criar uma rede de organizações de familiares de vítimas. Uma das prioridades é fortalecer os vínculos para ter clareza dos processos de busca, compartilhar ferramentas. A finalidade é que as próprias famílias conduzam os processos”, explicou o ativista.

Esses familiares investigam o desaparecimento forçado de 18 pessoas e já localizaram seis pessoas vivas, nos últimos dois anos. Com determinação e valentia, percorrem morgues, hospitais, delegacias, prisões, juizados, cemitérios e fossas clandestinas na ânsia de encontrar seus familiares desaparecidos, ou alguma pista que os aproxime deles.

A semente dessas organizações surgiu com o Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, que em 2011 aglutinou afetados pela violência e percorreu o país, inclusive parte dos Estados Unidos, para também denunciar a política antidrogas de Washington.

O fenômeno do desaparecimento forçado explodiu desde que o governo do conservador Felipe Calderón (2006-2012) declarou “guerra total contra o narcotráfico”, em uma situação que seu sucessor, o também conservador Enrique Peña Nieto, não resolveu e que se converteu em uma das piores tragédias latino-americanas na história recente.

Mas só ganhou notoriedade internacional devido ao desaparecimento de 43 estudantes de magistério de Ayotzinapa, que levantou a tampa de um coquetel de cumplicidade e corrupção da polícia e do prefeito do município de Iguala com a violenta máfia do tráfico de drogas que opera em Guerrero. Ao completar cinco meses de seu desaparecimento, no dia 26, os familiares mantêm uma incessante atividade para que os estudantes apareçam, embora a Promotoria Geral da República tenha concluído há um mês que foi um massacre coletivo.

A crise humanitária levou o Comitê Contra os Desaparecimentos Forçados, da Organização das Nações Unidas (ONU), a pedir, no dia 13 deste mês, que o México legisle, registre, investigue, repare e dê justiça às vítimas deste crime.

A Subpromotoria de Direitos Humanos, Prevenção do Crime e Serviços à Comunidade informou que nesse país, de 120 milhões de habitantes, há registros de 23.271 desaparecidos, extraviados ou não localizados entre 2007 e outubro de 2014, em um dado que não determina o número dos desaparecimentos forçados. Organizações humanitárias delimitam esse número em 22.600 nesse período.

A maioria dos desaparecimentos forçados é atribuída a cartéis do narcotráfico, que lutam pelas rotas de distribuição para o lucrativo mercado norte-americano, em alguns casos com participação de policiais locais ou nacionais. As vítimas são principalmente homens entre 20 e 36 anos, sem um perfil socioeconômico único.

“Cada um começou com seu caso particular. Não entendíamos o que era o desaparecimento, tivemos que nos capacitar, não sabíamos que tínhamos direito de exigir. A busca começou com deficiências, ninguém sabia trabalhar coletivamente, fomos desenhando tudo”, contou à IPS a mãe de um desaparecido, Diana García.

Seu filho, Daniel Cantú, desapareceu no dia 21 de fevereiro de 2007 na cidade de Ramos Arizpe, no Estado de Coahuila, ao norte do país. García, mãe de outros dois filhos e integrante da agrupação Forças Unidas por Nossos Desaparecidos em Coahuila, está convencida de que somente de forma coletiva se pode pressionar o governo para que busque seus familiares.

Com apoio do Centro Diocesano para os Direitos Humanos Fray Juan de Larios, um grupo de familiares se uniu e fundou a Forças Unidas, em 2009, que busca um total de 344 pessoas. Além disso, conseguiu a Lei Local para a Declaração de Ausência por Desaparecimento de Pessoas, vigente desde maio de 2014, e a tipificação desse crime em seu Estado.

O drama dos desaparecidos levou ao surgimento de outras organizações de apoio, como a Ciência Forense Cidadã, criada em setembro para proporcionar uma base de dados forenses e um biobanco de dados de DNA. A iniciativa “objetiva uma busca maciça de identificação, para isso é necessário um registro de desaparecidos, uma base de dados genéticos e outra do que é encontrado em fossas clandestinas”, explicou à IPS uma das fundadoras da organização, Sara López.

O projeto pretende cobrir 450 famílias prejudicadas e 1.500 amostras coletadas. Até agora, recopilou cerca de 550 registros e já tem representantes, que são parentes de desaparecidos, em dez dos 33 Estados do país. A Ciência Forense conseguiu, no dia 16 deste mês, a identificação de Brenda González, desaparecida em 31 de julho de 2011 em Santa Catarina, no Estado de Nuevo León, norte do México, mediante uma peritagem independente realizada pela Equipe Peruana de Antropologia Forense.

“Com a organização que criamos, também tentamos gerar uma radiografia do tema dos desaparecidos”, pontuou Trujillo. Até o caso dos estudantes de Ayotzinapa, organizações defensoras dos direitos humanos concordam que as autoridades fizeram muito pouco para combater o flagelo, descumprindo inclusive sentenças para que fossem tomadas medidas proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Os familiares vivem como na canção Desaparecido, do francês Manu Chao, que, em uma letra dedicada aos milhares de desaparecidos latino-americanos, diz: “Levo no corpo uma dor que não me deixa respirar, levo no corpo uma condenação que sempre me faz caminhar”. E acabam deixando suas vidas paradas para viverem entre registros, trâmites, repartições públicas e inumeráveis riscos e gastos em busca dos seus e de outros em igual condição.

No momento “não me interessa justiça, nem reparação do dano. Quero é saber a verdade, o que aconteceu, onde está. Procuro por ele com vida, mas sei que no contexto em que vivemos pode ser outro o resultado. Provavelmente demore muitos anos e é desesperador, mas continuo lutando”, afirmou García.

Sua organização, a Forças Unidas, elaborou um plano de busca que inclui análise de mapas sobre crimes, registro genético, campanhas de sensibilização, sanção de responsáveis por crimes e investigações mal feitas, que as autoridades não adotaram. “Os familiares conhecem melhor do que ninguém a situação, sabem o que é preciso fazer. O problema é que se dá importância para o que acontece no México”, destacou a ativista López. Envolverde/IPS