Sociedade

A fome no Sudão do Sul é iminente... e a ajuda não chega

Uma menina come um sanduíche no novo abrigo de sua família, no acampamento Proteção dos Civis III, perto da Casa da ONU, em Juba, capital do Sudão do Sul. Foto: UN Photo/JC McIlwaine
Uma menina come um sanduíche no novo abrigo de sua família, no acampamento Proteção dos Civis III, perto da Casa da ONU, em Juba, capital do Sudão do Sul. Foto: UN Photo/JC McIlwaine

Washington, Estados Unidos, 16/7/2014 – As organizações humanitárias que trabalham no Sudão do Sul asseguram que a desnutrição avança entre a população infantil e que é urgente a necessidade de fundos internacionais para evitar a fome generalizada nesse país da África oriental. No dia 14, organização internacional de ajuda sanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), informou que cerca de 75% dos mais de 18 mil pacientes admitidos em seus programas de alimentação no Sudão do Sul são crianças.

As organizações humanitárias afirmam que a crescente violência civil registrada no país desde dezembro repercute diretamente na agricultura, já que os produtores não puderam plantar. E, enquanto se intensifica a epidemia de desnutrição no Sudão do Sul, a grave escassez de dinheiro pode obrigar as sete principais organizações internacionais de ajuda a cancelarem seus programas de segurança alimentar no país, apesar de sua emergência.

Um informe da Care International, organização com sede nos Estados Unidos, afirma que a situação no Sudão do Sul é “a crise humanitária mais urgente na África” e que o recente pedido de ajuda feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) recebeu menos da metade dos fundos solicitados. O país precisa urgentemente de ajuda no valor de US$ 1,8 bilhão, segundo a ONU, mas a Care assegurou que as sete organizações encarregadas de implementá-la têm menos de US$ 89 milhões para seu trabalho.

“Estaremos à beira do abismo e não poderemos evitar a fome se os fundos não começarem a chegar logo”, disse Mark Goldring, diretor-executivo da organização humanitária Oxfam, no documento publicado pela Care. “A causa desta crise não é uma seca ou uma inundação. Trata-se de uma crise política que se tornou violenta. Os habitantes do Sudão do Sul só poderão refazer suas vidas depois que cessarem os combates”, acrescentou. “Pedimos ao público que nos ajude em nosso trabalho urgente, mas, sobretudo, apelamos aos governos para que financiem a gestão de ajuda antes que seja muito tarde” ressaltou.

No dia 10, o Departamento de Estado norte-americano anunciou que aportaria outros US$ 22 milhões em ajuda humanitária para facilitar o “apoio de subsistência básico” no Sudão do Sul. No dia seguinte, três legisladores norte-americanos enviaram uma carta ao presidente Barack Obama expressando sua “profunda preocupação” pelo crescente conflito na zona fronteiriça do Sudão do Sul e exortando o mandatário a “renovar o compromisso diplomático” com a comunidade internacional.

A solução do problema político que origina a violência atual no Sudão do Sul é uma prioridade importante, mas as organizações humanitárias destacaram que a preocupação da comunidade internacional deve se focar nas necessidades nutricionais das meninas e dos meninos desse país. “Muitas dessas crianças caminharam dias para receber cuidados médicos e segurança alimentar, e essas são apenas as que chegamos a ver. Nem mesmo sabemos das que se escondem na montanha”, explicou à IPS, do Sudão do Sul, Sandra Bulling, coordenadora de comunicação da Care International.

A turbulenta política interna do Sudão do Sul degenerou em combates armados que começaram em dezembro. Calcula-se que 1,5 milhão dos aproximadamente nove milhões de habitantes abandonaram suas casas e vivem como refugiados dentro do país. Isso reduziu seu acesso às fontes de alimentos e os obriga a compartilhar as escassas provisões ao seu alcance.

Jenny Bell, médica especialista no Sudão do Sul, da Universidade de Calgary, no Canadá, reconhece que “a situação sanitária da nação não era excelente antes de dezembro”, mas disse que o conflito civil agravou seus “problemas médicos”. O jovem país africano, que obteve sua independência em 2011, “já tinha a maior taxa de mortalidade materna do mundo, e calcula-se que uma em cada cinco crianças sul-sudanesas morrem antes de completar cinco anos, detalhou à IPS.

“Antes só havia comida suficiente e agora será realmente insuficiente, porque os agricultores não puderam plantar devido à violência, e não podem fazê-lo agora porque já está avançada a temporada de chuva”, explicou Bell. Uma nutrição suficiente deve ser a principal prioridade do Sudão do Sul, destacou. As três causas principais de morte no país – malária, diarreia e infecções respiratórias – são muito mais prováveis quando a pessoa afetada esta desnutrida, acrescentou.

Apesar do “enorme potencial agrícola” do Sudão do Sul, os fundos destinados a este fim foram poucos, disse Bell. Segundo a médica, “a ajuda monetária dos Estados Unidos para a região é complicada porque Washington não confia no governo do Sudão do Sul. Por isso destinou toda a ajuda humanitária e eliminou todos os esforços de desenvolvimento”. Além da ajuda para o desenvolvimento agrícola, ela informou que os centros de saúde precisam de suprimentos e pessoal com urgência.

Bulling concorda que a formação do pessoal médico é crucial. “Mas, sobretudo, precisamos de dinheiro, para podermos comprar medicamentos e atender todas as exigências nutricionais”, afirmou, questionando se “será preciso ter fotos de crianças famintas e moribundas para que o mundo reaja diante do desastre”. “Foi assim que funcionou na Somália. As imagens têm de falar por si só. No Sudão do Sul, divulgamos comunicados de imprensa e chamados à ação, mas enquanto não for feita uma grande reportagem com fotos mostrando a má situação, não haverá resposta”, garantiu. Envolverde/IPS