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Forças norte-americanas ociosas buscam o que fazer na América Latina

Barreira militar no rio Atrato, noroeste da Colômbia. Foto: Jesús Abad Colorado/IPS
Barreira militar no rio Atrato, noroeste da Colômbia. Foto: Jesús Abad Colorado/IPS

 

Washington, Estados Unidos, 20/9/2013 – A política dos Estados Unidos para a América Latina está no piloto automático, em grande parte devido aos poderosos interesses que as burocracias militares e da DEA (agência antidrogas norte-americana) solidificaram durante décadas. Esta é uma das causas de a Casa Branca ter feito “ouvidos surdos” ao “clamor” de governos democráticos e da sociedade civil da região por um relacionamento diferente, afirma o documento Hora de Ouvir, divulgado no dia 18, pelo Escritório em Washington para Assuntos Latino-Americanos (Wola) e outros dois centros de pensamento.

Embora a ajuda militar e de segurança dos Estados Unidos para a região venha diminuindo desde 2010, as quantidades em dólares podem ser enganosas, segundo um dos coautores do informe, Adam Isacson, analista da Wola e especialista em Colômbia. Embora os grandes pacotes de assistência, como o Plano Colômbia anti-insurgente e antidrogas, diminuam ou cheguem ao fim, “estão em crescimento outras formas menos transparentes de cooperação entre forças militares”, pontuou.

Isto se deve em parte ao fato de a administração de muitos programas ter passado do Departamento de Estado, que tem normas de direitos humanos mais rígidas, para o Pentágono. Além disso, as Forças de Operações Especiais – unidades de elite como os Boinas Verde do exército ou os grupos Mar, Ar, Terra da marinha (Seal) – realizam mais treinamento de efetivos latino-americanos e caribenhos, em razão de sua retirada do Iraque e sua redução paulatina no Afeganistão. Na última década, esses grupos mais que duplicaram e agora somam cerca de 65 mil homens.

Seu comandante, o almirante William McRaven – responsável pela ação que levou à morte de Osama bin Laden – se mostra especialmente agressivo, buscando missões para suas tropas em novos teatros de operações, inclusive na América Latina e no Caribe, onde estão treinando milhares de militares. “Você pode treinar muita gente pelo preço de um helicóptero”, indicou Isacson à IPS.

Este maior investimento em operações especiais faz parte de uma estratégia mais ampla do Pentágono (Departamento de Defesa), que consiste em manter uma presença de “baixo impacto” em todo o mundo, reforçando sua influência nas instituições militares locais. Porém, o Pentágono é muito menos transparente do que o Departamento de Estado, e é comum seus programas não estarem sujeitos às mesmas exigências de direitos humanos, nem ao mesmo grau de controle parlamentar, como os da chancelaria.

E mais, McRaven tenta obter o poder de deslocar forças especiais em diferentes países sem consultar embaixadores norte-americanos junto a esses governos e nem mesmo o Comando Sul dos Estados Unidos. Se conseguir isso, será mais fácil rastrear o que fazem estas unidades de elite e saber se trabalham com forças locais cujos maus antecedentes em direitos humanos tornariam impossível receberem ajuda ou treinamento norte-americano, de acordo com a lei Leahy.

Segundo Isacson, o comando de McRaven tentou neste verão boreal selar um acordo com a Colômbia para estabelecer nesse país um centro de coordenação de operações especiais regionais, sem consultar o Comando Sul nem a embaixada em Bogotá. “Estes fatos significam que o papel militar na elaboração da política externa está ficando maior e que as relações entre forças militares começam a ter mais importância do que as diplomáticas”, ressaltou.

De acordo com o documento, outra tendência preocupante é que alguns países, especialmente a Colômbia, começam a treinar as forças militares e policiais vizinhas, e é frequente que por trás destas ações haja incentivo e financiamento dos Estados Unidos. Embora os militares colombianos tenham antecedentes muito polêmicos em matéria de respeito aos direitos humanos, a oficiais desse país foram dados papéis importantes em políticas destinadas a deter crimes fronteiriços e o narcotráfico, como a Iniciativa Regional de Segurança para a América Central, a Iniciativa Mérida e a reforma policial em Honduras, segundo o informe.

As novas tecnologias de segurança, os drones (aviões não tripulados) e a ciberespionagem – como a que causou o cancelamento da visita a Washington da presidente Dilma Rousseff – trazem novos e grandes riscos para o clima político e as liberdades civis da região, acrescenta o informe. A estes fenômenos soma-se a persistência da “guerra às drogas” de Washington, imune aos cada vez mais ruidosos clamores por mudança feitos por presidentes e ex-presidentes, pela Organização dos Estados Americanos e pela sociedade civil organizada da região.

As burocracias da DEA “são notavelmente resistentes à mudança e reticentes a repensar e reavaliar seus objetivos e suas estratégias”, disse à IPS a coautora do informe, Lisa Haugaard, diretora do Grupo de Trabalho para Assuntos Latino-Americanos. Consultados pela IPS, o historiador Carlos Medina Gallego, do Grupo de Segurança e Defesa, da Universidade Nacional da Colômbia, foi mais longe. Há denúncias de um “plano B” para a guerra oficial contra as drogas, que opera nos territórios e países produtores e é desenvolvido por “mercenários”, apontou.

Além dos acordos oficiais de Bogotá com agências antidrogas e forças especiais dos Estados Unidos, há alguns “critérios” de que esses acordos sejam acompanhados por “ações de mercenários que operam sob determinadas características e regulações próprias, com autonomia, em ações contra o narcotráfico”, acrescentou Gallego. “Isto é parte de uma estratégia integral na qual são combinadas ações formais e outras encobertas e que buscam alcançar objetivos importantes”, afirmou.

No entanto, “em matéria de direitos humanos, são profundamente violatórias e nenhum acordo poderia contemplá-las”, ressaltou o historiador. Como os informes mostram que “a guerra antidrogas não teve êxito, além de comprometer territórios, populações, meio ambiente e fumigações”, há grande dificuldade para justificar orçamentos e investimentos, destacou. Por essa razão busca, “pela via encoberta, própria dos mercados mercenários, desenvolver ações de capacitação e de ação direta, que vão levando grande parte das garantias de direitos humanos, mas também a institucionalidade”, enfatizou.

Em 2010, a quantia da ajuda norte-americana à América Latina atingiu seu ponto mais alto em mais de duas décadas, quase US$ 4,5 bilhões, com desembolsos para a Iniciativa Mérida para o México e a América Central e pelo maior fluxo de ajuda para a recuperação do Haiti após sofrer devastador terremoto. Contudo, em 2011, a ajuda caiu drasticamente, para apenas US$ 2,5 bilhões, e se espera que para o ano fiscal de 2014, que começa em 1º de outubro, não passe de US$ 2,2 bilhões, diz o informe.

A ajuda militar e de segurança também teve seu pico em 2010, com US$ 1,6 bilhão. Mas desde então caiu para cerca de US$ 900 milhões anuais, em grande parte pelo final do Plano Colômbia e da Iniciativa Mérida. A América Central é a única sub-região na qual a ajuda, em geral, está aumentando. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Constanza Vieira (Bogotá).