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Fukushima e os negócios nucleares

Uxbridge, Canadá, 15/3/2013 – Dois anos depois do desastre ocorrido na central nuclear de Daiichi, em Fukushima, o Japão enfrenta custos entre US$ 100 bilhões e US$ 250 bilhões com limpeza e compensações, além de ter milhares de refugiados e os impactos generalizados da radiação. A indústria nuclear e seus fornecedores ganharam milhares de milhões com a construção e operação dos seis reatores de Fukushima, no entanto são o governo japonês e seus cidadãos que estão paralisados pelas caras consequências do acidente.

“As vidas das pessoas ficaram destruídas, e estaremos pagando bilhões de ienes dos contribuintes em razão do desastre em Fukushima”, disse Hisayo Takada, ativista em assuntos de energia do capítulo japonês do Greenpeace. “A indústria nuclear, mais que a Tepco (Companhia Elétrica de Tóquio), não paga nada, já que está especialmente protegida pela lei”, pontuou Takada à IPS. No dia 11 de março de 2011, o Japão sofreu um terremoto de nove graus que causou o tsunami que danificou a central nuclear. Três de seus reatores colapsaram e o quarto ficou danificado.

O acidente foi qualificado de nível máximo (sete) pela escala da Agência Internacional de Energia Atômica, igual ao ocorrido na central ucraniana de Chernobil, em 1986. Um ano depois do desastre japonês, a Tepco passou para as mãos do governo, porque não podia enfrentar os custos que implicava o controle dos reatores danificados. Em junho passado, a empresa recebeu quase US$ 50 bilhões do governo.

Os seis reatores foram projetados pela norte-americana General Electric (GE). Esta empresa também forneceu os reatores atuais para as unidades um, dois e seis, enquanto as firmas japonesas Toshiba e Hitachi forneceram as unidades três e cinco, e a quatro, respectivamente. Estas empresas, bem como outros fornecedores, estão isentas de responsabilidades ou custos segundo as leis japonesas.

Muitas delas, incluídas GE, Toshiba e Hitachi, na verdade estão ganhando dinheiro a partir do desastre, ao participar das operações de descontaminação e desmantelamento, afirma um documento do Greenpeace Internacional. “A indústria nuclear e os governos projetaram um sistema de responsabilidade nuclear que protege a indústria e obriga a população a pagar a conta por seus erros e desastres”, diz o informe Fukushima Fallout.

“Se a energia nuclear é tão segura como a indústria sempre afirma, então por que insistem com os limites para a responsabilidade e com as isenções?”, questionou Shawn-Patrick Stensil, analista de temas nucleares do Greenpeace Canadá. Os proprietários e operadores de usinas nucleares em muitos países têm um teto de responsabilidade sobre quanto serão obrigados a pagar em caso de acidente. No Canadá este teto é de apenas US$ 75 milhões. Na Grã-Bretanha, de US$ 220 milhões. Nos Estados Unidos, cada dono de reator coloca US$ 100 milhões em um fundo de seguro para todo risco. No total, esse fundo é de aproximadamente US$ 10 bilhões.

“Os fornecedores são indenizados mesmo sendo negligentes”, explicou Stensil à IPS. É preciso que os operadores nucleares japoneses aportem US$ 1,5 bilhão de seguro, muito longe dos US$ 100 bilhões e US$ 250 bilhões estimados como necessários para cobrir os custos em Fukushima. Fornecedores como a GE estão explicitamente isentos de toda responsabilidade, embora defeitos em seus equipamentos contribuam para o desastre. “As leis do Canadá e do Japão estão projetadas para proteger as companhias nucleares, não as pessoas que vivem perto de seus reatores”, apontou Stensil.

Os níveis de radiação nas proximidades dos reatores de Fukushima ainda são altos, muito para os seres humanos que trabalham na área. A Organização Mundial da Saúde alertou que um terço dos trabalhadores correm maiores riscos de terem câncer. Nem os robôs utilizados, nem as câmeras de longa distância podem revelar o estado do combustível nuclear danificado. Este ainda está quente e exige enormes quantidades de água para esfriar, mas a usina está ficando sem espaço de armazenamento para a água radioativa.

A gerência da Tepco reconheceu que a remoção dos 11 mil elementos de combustível radioativo não começará antes de 2021. O desmantelamento de toda a central consumirá pelo menos 40 anos. “Alertamos que as usinas nucleares do Japão podem ser submetidas a terremotos muito mais fortes e tsunamis muito maiores do que foram projetadas para suportar”, disse Philip White, do não governamental Centro Cidadão para a Informação Nuclear, com sede em Tóquio.

“Surpreendentemente, este risco de colapso causado por um tsunami era anunciado desde 2008, em documentos emitidos pela Organização de Segurança da Energia Nuclear do Japão, mas os donos das centrais efetivamente ignoraram esta contingência”, informou Alexander Likhotal, presidente da Green Cross International. “O que causou semelhante desastre foi a falha humana de não adotar medidas adequadas em matéria de segurança contra ameaças naturais conhecidas e altamente possíveis”, destacou Likhotal em um comunicado.

Os terremotos são comuns no Japão, onde nos últimos dois anos foram registrados quase 2.500 sismos. Depois de Fukushima, foram fechados os 50 reatores nucleares do país, que forneciam 30% de toda a eletricidade. Apenas dois voltaram a operar. Nos meses posteriores ao desastre, o governo japonês lançou um ambicioso plano de energia renovável e eliminou a nuclear.

Até agora foram habilitados cerca de 3,6 gigawatts de energia solar, eólica e geotérmica. O objetivo é chegar a 35% de fontes renováveis até 2030. Porém, com a recente eleição do conservador primeiro-ministro Shinzo Abe, o governo volta a estar a favor da energia nuclear. Os operadores das centrais atômicas, que prometem melhorar a segurança, teriam permitido o reinício das operações. “Não creio que seja lógico fazer isto desta maneira”, opinou Takada, do Greenpeace. Envolverde/IPS