Internacional

Fundos para frear a mudança climática não chegam às mulheres

Uma investigação da Oxfam no Sri Lanka concluiu que dois terços das 33 mil pessoas que morreram ou desapareceram devido ao tsunami de 2004 eram mulheres. Foto: Amantha Perera/IPS
Uma investigação da Oxfam no Sri Lanka concluiu que dois terços das 33 mil pessoas que morreram ou desapareceram devido ao tsunami de 2004 eram mulheres. Foto: Amantha Perera/IPS

 

Bali, Indonésia, 8/4/2015 – As estatísticas contam a história: em algumas partes do mundo, morrem quatro vezes mais mulheres do que homens quando há inundações. E, algumas vezes, elas têm 14 vezes mais probabilidades de perderem a vida em desastres naturais. Um estudo realizado pela organização humanitária Oxfam, em 2006, concluiu que morreram quatro vezes mais mulheres em razão do tsunami que atingiu a Ásia em 2004. No Sri Lanka, elas representaram dois terços das 33 mil pessoas que morreram ou desapareceram.

Segundo uma avaliação do Banco Mundial, dois terços das quase 150 mil pessoas que morreram na Myanmar, ou Birmânia, em 2008, durante o ciclone Nargis, eram mulheres. Além disso, para a população feminina, também é particularmente duro o período posterior a um desastre ambiental, quando deve enfrentar as más condições sanitárias, as várias privações e se dedicar ao cuidado das crianças.

As mulheres deslocadas por causa de eventos climáticos também são as mais vulneráveis à violência e aos abusos, como ficou documentado no Plano Internacional para a seca que afligiu a Etiópia em 2010, quando mulheres e meninas tinham que caminhar longas distâncias em busca de água e sofriam agressões sexuais.

Nos contextos posteriores a um desastre, a responsabilidade pela alimentação da família costuma recair sobre as mulheres, e muitas são obrigadas a cuidar do sustento da casa quando os homens emigram em busca de trabalho. O esquema se repete em cada crise ambiental que ocorre no mundo.

Um informe – publicado em março pelo Fundo Global Greengrants (GGF), pela Rede Internacional de Fundos de Mulheres e pela Aliança de Fundos – concluiu que “as mulheres em todo o mundo são particularmente vulneráveis às ameaças da mudança climática”, mas têm menos probabilidades de receberem recursos para se recuperar, se adaptar ou se proteger dos perigos de desastres ambientais.

Elaborado após a Cúpula sobre Mulheres e Mudança Climática, realizada em agosto de 2014 na ilha indonésia de Bali, onde se reuniram cerca de cem ativistas e especialistas, o documento revela “que apenas 0,01% dos fundos destinados a projetos de apoio chegam a iniciativas que cobrem os direitos das mulheres e a mudança climática”. Especialistas afirmam que há um grande déficit de fundos, justamente quando a comunidade internacional redobra seus esforços para lidar com a mudança climática, que a cada ano cobra maior urgência.

A investigação da organização Germanwatch concluiu que, entre 1994 e 2013, “mais de 530 mil pessoas morreram como resultado direto de aproximadamente 15 mil eventos climáticos extremos, e as perdas chegaram a quase US$ 2,2 trilhões no mesmo período.

“A maioria dos financiadores carece de programas ou sistemas adequados para ajudar as mulheres com soluções climáticas. Os homens recebem muito mais fundos para iniciativas climáticas porque os doadores tendem a apontar para esforços públicos e de maior escala, enquanto os projetos para mulheres costumam ser mais locais e menos visíveis”, conclui o informe do GGF.

O problema não é a falta de fundos, mas a ignorância ou a falta de vontade por parte dos doadores ou organizações contribuintes de canalizar recursos para iniciativas e projetos mais efetivos. “O novo informe é um guia para os contribuintes sobre como identificar projetos para que as mulheres possam sair de situações perigosas”, explicou à IPS o diretor-executivo do GGF, Terry Odendahl.

Em uma tentativa de conectar os doadores com as mulheres que trabalham em suas próprias comunidades, a reunião de cúpula de Bali reuniu ativistas e organizações que entregaram cerca de três mil subsídios ao ano em 125 países, no valor de US$ 45 milhões. A ideia da cúpula foi que as experiências e as ideias das mulheres de base marcassem a agenda dos doadores.

Entre as muitas prioridades destacam-se as necessidades de aumentar a participação feminina na tomada de decisões em escalas local, nacional e internacional, de atender as ameaças climáticas mais urgentes que afetam as mulheres rurais, e de reconhecer sua capacidade inerente, em especial das indígenas e camponesas, para frear as emissões de gases-estufa e proteger ambientes sensíveis.

“As mulheres agora têm que praticamente gritar para serem ouvidas”, afirmou à IPS a ativista Aleta Baun, da ilha de Timor Ocidental, que recebeu em 2013 o Prêmio Ambiental Goldman por organizar o protesto de uma comunidade em uma área de extração de mármore em florestas protegidas no monte Mutis. Seu incansável trabalho lhe valeu um grande reconhecimento, mas também a expôs a vários perigos. Baun recorda que há dez anos, quando recebeu ameaças de morte, não tinha uma rede de apoio, nem local nem internacional, à qual recorrer em busca de ajuda.

Instrumentos como o informe do GGF podem servir para reduzir a brecha e conectar atores e organizações que funcionem em separado. A diretora-executiva da Rede Internacional de Fundos de Mulheres, Emilienne de Leon Aulina, pontuou à IPS que “é um processo lento. Começamos a trabalhar. O que temos de fazer é criar consciência entre os tomadores de decisões e os resultados virão sozinhos”.

Um exemplo é o possível projeto entre o Fundo de Ação Urgente e o Instituto Samadhana, da Indonésia, para mapear o impacto das ameaças contra defensoras do ambiente, que teve um perturbador aumento na última década.

O estudo Ambiente Mortal, da organização Global Witness, que analisa os ataques contra defensores dos direitos à terra e ativistas ambientais, concluiu que, entre 2002 e 2013, pelo menos 903 pessoas dedicadas a essas atividades foram assassinadas, um número comparável ao de jornalistas falecidos no mesmo período. Como as defensoras do ambiente costumam se concentrar em assuntos locais e trabalhar em escala comunitária, os perigos aos quais estão expostas não estão bem documentados.

Para alguém como Baun, que sofreu múltiplas ameaças de morte e pelo menos uma de violação em grupo, tanto a geração de consciência quanto a distribuição de fundos chegam lentamente. “Sofro há 15 anos e só agora as pessoas começaram a se dar conta. Mas pelo menos se dão conta. É muito melhor do que o silencio”, reconheceu. Envolverde/IPS