Arquivo

Gaza volta às carroças puxadas por burros

As carroças e os burros são a única opção para coleta do lixo em Gaza. Foto: Mohammed Omer/IPS
As carroças e os burros são a única opção para coleta do lixo em Gaza. Foto: Mohammed Omer/IPS

 

Gaza, Palestina, 10/12/2013 – Os caminhões de lixo estão parados na cidade de Gaza, por uma falta de combustível que afeta todos os aspectos da vida diária, incluindo os serviços essenciais. Por isso, os burros voltaram às ruas. Abu Hesham, de 33 anos, tem uma carroça e um burro que usa para recolher o lixo, mas no bairro de Barcelona os contêineres estão transbordando há dias, e não há outra opção a não ser jogar o lixo na rua. “O que mais podemos fazer”, pergunta à IPS, enquanto carrega lixo no nevoeiro matinal de Gaza.

O cheiro é insuportável. As pessoas queimam o lixo para reduzi-lo e minimizar riscos de infecção, e é o ar que recebe a fumaça negra. A municipalidade, administrada pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamás), está limitada pelo bloqueio israelense, pelas rivalidades com o partido secular Fatah, que governa a Cisjordânia, e pela pressão do novo regime militar no Egito.

Mahmoud Abu Jabal, de 55 anos, segue em sua carroça pelas ruas da cidade. Seu filho de dez anos, Ala’a, o segue descalço entre pilhas de lixo acumulado. O município anunciou que o combustível para seus caminhões acabou e não tem dinheiro para comprar mais.

Nos últimos anos, a Faixa de Gaza dependeu de combustível importado do Egito a US$ 1 o litro. Em julho, o novo governo militar egípcio fechou os túneis por onde passavam as provisões contrabandeadas para o território de Gaza, como forma de punir o Hamás, aliado do deposto presidente Mohammad Morsi (2012-2013). As autoridades dizem que a gasolina que chega de Israel é inalcançável porque os altos impostos elevam o preço para o equivalente a US$ 2.

Nas últimas duas semanas cresceu a demanda pelo trabalho de Abu Jabal. Antes, limitava-se aos arredores dos principais hospitais, mas agora recolhe lixo de quase toda a cidade. “É minha única fonte de renda para alimentar os 12 filhos e meu burro”, afirmou. Ele está doente e não consegue outro emprego. Ganha cerca de US$ 200 por mês, que não bastam para atender as necessidades de sua família.

“Estão parados todos os caminhões, que recolhiam cerca de 1.700 toneladas de lixo por dia”, informou o ministro de Governo Local em Gaza, Mohammad al Farra, em uma entrevista coletiva ao lado do maior lixão da cidade, perto do campo de futebol Yarmouk. Para manter as ruas limpas são necessários cerca de 150 mil litros de gasolina por mês, sem contar os sete mil litros de diesel para fazer funcionar o fornecimento de água potável e o saneamento.

Entre as aldeias e os acampamentos, os palestinos não encontram outro lugar para jogar o lixo que não seja à margem de caminhos ou em lixões improvisados em áreas residenciais. Farra alertou que essa situação poderia desencadear epidemias e enfermidades. Contudo, a escassez de combustível não provoca apenas acúmulo de lixo. A principal central elétrica de Gaza não pode funcionar, e há apagões de mais de 18 horas por dia. As famílias não têm calefação nem energia para cozinhar, tampouco têm luz, e estão cercadas pelo lixo.

Em Beit Lahia, norte da Faixa de Gaza, um desastre ambiental é iminente porque os cortes de energia impedem o funcionamento das estações de bombeamento de esgoto, que a qualquer momento podem inundar as ruas, disse o prefeito Jalil Matar. O Ministério tampouco pode pagar os trabalhadores da área de saneamento devido às dificuldades financeiras, acrescentou. Em 2007, já havia entrado em colapso a rede de esgoto e áreas residenciais foram inundadas. Quatro pessoas morreram e plantações ficaram arruinadas.

Matar apelou a grupos árabes e de outros países para que ajudem a cidade a superar a crise. Organizações de direitos humanos também alertam para um desastre ambiental e sanitário pairando no ar. O coordenador especial da Organização das Nações Unidas para o Processo de Paz no Oriente Médio, Robert Serry, informou, em uma entrevista coletiva no norte de Gaza, que a Turquia doará combustível como solução temporária. As autoridades municipais receberam 16.700 litros de combustível, quantidade suficiente apenas para alguns dias.

Dezenas de casas de refugiados palestinos ficaram inundadas com as fortes chuvas dos últimos dias. Equipes de resgate evacuaram muitas famílias quando o esgoto voltou a transbordar, no dia 4. A Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (Unrwa) alertou que 19 de seus 20 projetos de construção em Gaza tiveram que ser suspensos porque Israel bloqueia a entrada de materiais.

Diante dessa situação, o governo de Gaza anunciou redução do salário de seu pessoal, para empregar 430 novos trabalhadores na coleta de lixo com 250 carroças puxadas por burros. Uma delas é conduzida por Abu Jabal. Os trabalhadores de limpeza começam suas tarefas às quatro horas da manhã. “Estamos vivendo uma crise”, disse o diretor-geral de saúde e meio ambiente da municipalidade de Gaza, Abdel Rahim Abu al Komboz.

O problema se agravou porque a população começou a jogar lixo em diferentes pontos da Faixa de Gaza, de 1,8 milhão de habitantes. “Quando a economia para, o desemprego aumenta, o que significa que as pessoas não podem pagar as contas dos serviços públicos. Apenas entre 10% e 15% da população consegue pagá-las”, pontuou Komboz.

Quando os túneis com o Egito estavam abertos, muitos palestinos brincavam dizendo que as carroças seriam substituídas por tuck-tucks (motocicletas de três rodas), que entravam contrabandeados e exigem pouquíssima manutenção. Agora que não há combustível, os tuck-tucks estão parados e as carroças voltaram a circular.

Os coletores poderão ganhar muito pouco para alimentar suas famílias, mas podem abrir um saco de lixo e com ele alimentar seus animais. É apenas uma solução temporária. A ameaça sanitária está latente, e também a proliferação de animais carniceiros, roedores e cães de rua. É como voltar à Idade Média. Envolverde/IPS