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Ilusões e receios diante de investimentos chineses no Quirguistão

 

Bandeira do Quirguistão. Foto: Divulgação/ Internet
Bandeira do Quirguistão. Foto: Divulgação/ Internet

Bisqueque, Quirguistão, 1/8/2013 – Diante das vacilações do Ocidente na hora de investir no Quirguistão, o governo deste país apela cada vez mais para a China quando tenta atrair capitais para o desenvolvimento de sua infraestrutura. Pequim professa desejos de ajudar este país sem condições. Porém, como dizem alguns especialistas, há temores de que essa ajuda afete a soberania do Quirguistão.

A incerteza no setor de mineração continua dissuadindo companhias ocidentais, sobretudo depois que o governo local mudou os termos dos investimentos estrangeiros na mina de ouro de Kumtor. O Índice de Estados Falidos 2013, elaborado pelo Fundo pela Paz, inclui o Quirguistão entre as nações em nível de “alerta”, deixando-o no 48º posto entre os 178 países estudados. Só o Uzbequistão, em 44º lugar, foi considerado mais instável entre as ex-repúblicas soviéticas da Ásia central.

A desconfiança ocidental ficou evidente na conferência sobre investimentos realizada em Bisqueque, a capital do país, entre os dias 10 e 11 de julho. No encontro, o governo quirguistanês fez um chamado para conseguir apoio para projetos de desenvolvimento de infraestrutura no valor de US$ 5 bilhões.

Em um comunicado conjunto, 40 agências de ajuda estrangeiras e organizações multilaterais asseguraram estar dispostas a fornecer quase US$ 2 bilhões para ajudar a atribulada economia do país nos próximos quatro anos. Mas também recordaram ao governo do Quirguistão a importância de consolidar “instituições eficientes” e de reduzir os gastos do Estado.

A China não enviou uma delegação à conferência. Contudo, no dia 15 de julho seu chanceler, Wang Yi, visitou Bisqueque e elogiou as relações bilaterais. Os investimentos chineses no Quirguistão, agora em mais de US$ 1,7 bilhão, sempre estarão livres de “condições adicionais” e se realizarão com base em uma “associação igualitária”, declarou Wang a jornalistas locais.

A aparente disposição chinesa de não condicionar a ajuda dá esperanças a alguns quirguistaneses. Outros suspeitam que o gigante asiático é mais um usurário do que um amigo, e temem que possa estar em risco a soberania do país se ficar com dívidas com Pequim.

“A China pode oferecer ao Quirguistão mais investimento do que todos os outros doadores juntos”, disse Valentin Bogatyrev, coordenador do Perspective, centro de estudos com sede em Bisqueque. O analista destacou vários fatores que facilitam a cooperação entre os dois países: ambos gozam de fortes relações bilaterais, são membros da Organização de Cooperação de Xangai e têm proximidade geográfica.

Porém, Bogatyrev reconheceu que os investimentos chineses gerarão “uma dependência política e econômica maior” de Bisqueque em relação a Pequim, o que poderia supor riscos. Primeiramente, as autoridades do Quirguistão poderiam ter de enfrentar protestos internos contra a chegada “incontrolável” de operários chineses para trabalhar em projetos de infraestrutura. Funcionários do governo e organizações da sociedade civil acabam de constatar que mais de 970 chineses trabalham ilegalmente na construção de uma refinaria de petróleo na localidade de Kara-Balta.

O interesse da China em seu pequeno vizinho da Ásia central deve ser visto principalmente do ponto de vista do desejo de Pequim em estabilizar a conflituosa província adjacente de Xinjiang, observou Li Lifan, professor e pesquisador associado da Academia de Ciências Sociais de Xangai. Em entrevista à EurasiaNet.org, Li expressou dúvidas sobre a capacidade do governo quirguistanês, já com um orçamento anual apertado, para compensar a ajuda chinesa.

O analista sugeriu que uma possibilidade poderia ser adotar acordos de intercâmbio, outorgando concessões de mineração ou facilitando a compra de produtos agrícolas nacionais. Entretanto, esses acordos também devem cuidar para não causar mal-estar na população do Quirguistão, onde a riqueza mineral é modesta e zelosamente guardada, acrescentou Li.

Firmas chinesas neste país já sofrem ondas de violência de residentes e duras críticas da imprensa. Por exemplo, alguns meios reprovam a concessão de Ishtamberdy, depósito de ouro no sul do país, por ter sido entregue em termos muito baratos à China. Em 2011, o ex-primeiro-ministro Omurbek Babanov foi duramente criticado por ter sugerido que as concessões mineiras eram uma forma de pagar a Pequim um trecho da polêmica ferrovia que liga a China ao Uzbequistão através do Quirguistão.

No dia 15 de julho, a agência de notícias local Kloop.kg informou que o Escritório do Promotor do Estado do Quirguistão disputou um acordo alcançado entre o Ministério do Interior e a Beijing Construction Engineering Group International (BCEG). Essa empresa chinesa previa instalar câmeras e cobrar multas por excesso de velocidade nas estradas que ligam a capital à cidade de Osh. Por fim, chegou-se a um acordo pelo qual a BCEG só poderá cobrar multas até recuperar seu investimento nas câmeras. “Cobrar multas é competência exclusiva dos órgãos estatais”, disse a promotoria em uma declaração, acrescentando que recomendava ao governo anular o contrato.

Enquanto o Ocidente continuar cauteloso sobre o Quirguistão – onde, segundo o próprio ministro da Economia, Temir Sariyev, anualmente se perde US$ 700 milhões do orçamento devido à corrupção –, Bisqueque parece não ter outra opção a não ser aumentar sua dependência em relação à China. Envolverde/IPS

* Artigo publicado originalmente na EurasiaNet.org.