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Incipiente futebol cubano faz um gol contra a violência

O futebol ganha jovens adeptos em Cuba, país de tradição no beisebol. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
O futebol ganha jovens adeptos em Cuba, país de tradição no beisebol. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 18/9/2013 – É raro ver os famosos do esporte cubanos divulgando mensagens de interesse público. Mas agora um punhado de campeões e de jovens promessas portam cartazes ou protagonizam anúncios na televisão contra a violência do homem contra a mulher. A agressão tem um espaço privilegiado no âmbito esportivo, dominado pelos homens. Aí, “podemos levar campanhas deste tipo às pessoas que nos acompanham”, disse à IPS o jogador de futebol Daniel Luis, da seleção cubana sub-20. E estas “também ajudam na formação profissional de atletas jovens como eu”, ressaltou.

Luis é um dos esportistas que aderiram à seção cubana da Rede Ibero-Americana e Africana de Masculinidades (Riam), que assegura contar com mais de sete milhões de homens e mulheres de 40 países em três continentes, que buscam superar os estereótipos do machismo. Em 2007, a Riam começou a pesquisar sobre a violência no esporte. E este ano conseguiu comprometer dezenas de atletas em ações preventivas.

Os esportistas cubanos nunca, até agora, se envolveram em nada parecido. “Tem a ver com o imobilismo social. Nem nos ocorria chamá-los para campanhas como esta”, explicou à IPS o professor Julio César González Pagés, coordenador da Riam. Mas é crucial fazê-lo porque, “hoje em dia, as pessoas acompanham muito mais um atleta do que um político ou um líder social”, afirmou.

Os esportistas portam cartazes com frases de paz nos jogos em Havana, Pinar del Río e Matanzas. A seleção juvenil de futebol, primeira na história cubana a se classificar para um campeonato internacional, também levou mensagens contra maus-tratos aplicados a mulheres e meninas ao Mundial Sub-20 da Fifa, na Turquia, entre junho e julho deste ano. Essas são as expressões públicas, mas, para chegar a elas, há um trabalho mais lento: os atletas são capacitados em painéis e palestras em escolas de esporte e cultura física da capital e em Pinar del Río.

Para movimentar a campanha, a Riam lançou, no dia 30 de agosto, em Havana, a Rede de Esportistas Una-se, das Nações Unidas, pela não violência contra mulheres e meninas. Eugenio George, nomeado melhor treinador de voleibol feminino do mundo no século 20, e os jogadores de futebol Osmany Torres, Abel Martínez e Andy Baquero foram os fundadores. Ao aderir o esportista se compromete a ser embaixador de uma cultura de paz e não violência. A convocação está aberta a todos os países da América Latina e do Caribe, como parte da campanha encabeçada pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon.

Em fevereiro foi criado um grupo de aproximadamente 70 atletas cubanos, 30 deles campeões olímpicos ou mundiais, com o saltador Javier Sotomayor e o boxeador Félix Savón. O grupo produziu peças que oferecem à televisão. “É certo levar essas mensagens, mas deter este problema exige muito tempo de trabalho educativo e leis mais duras”, ponderou Alejandro Roque, adepto do futebol. “Os estádios são muito violentos, e ainda mais quando ocorrem partidas decisivas de beisebol”, acrescentou.

Na Série Nacional de Beisebol 2010-2011, foram expulsos cerca de 50 atletas e 26 diretores. “Os torcedores agridem os jogadores da equipe contrária com frases racistas, homofóbicas, regionalistas e machistas”, contou à IPS o jornalista esportivo Alejandro Céspedes. Um vídeo amador que circula em diferentes formatos mostra uma grande confusão entre jogadores da equipe Industriales, de Havana, e os da seleção da cidade de Sancti Spíritus, em 2010, no estádio José Antonio Huelga, nessa cidade.

“Nossa meta principal são os homens, sobretudo os jovens”, explicou González Pagés. Por essa razão a estratégia se centra nos jogadores de futebol, heróis de um esporte que está ganhando torcedores entre a juventude deste país de forte tradição no beisebol. Em uma pesquisa que a Riam fez, em 2012, com cinco mil adolescentes e jovens de 18 cidades cubanas, o futebol ficou em primeiro lugar na preferência de 87% dos entrevistados.

“Enquanto crescer esse interesse, mais cheios estarão os estádios. Temos que fazer um trabalho profilático, falar com os atletas, mostrar-lhes audiovisuais e ensiná-los como lidar com situações de violência”, afirmou o diretor técnico Darién Díaz à IPS. E o primeiro desafio é erradicar atos violentos do cenário esportivo. Talvez pela novidade do futebol, Cuba se mantém relativamente a salvo da violência extrema vivida nesse esporte na América Latina e em outras regiões.

O Brasil lidera a lista mundial, com 23 mortes ligadas ao futebol no ano passado, segundo estudo da Universidade Salgado de Oliveira. Os “barra pesada”, grupos de fanáticos do futebol que existem em vários países, costumam estar associados à direção dos clubes e relacionados com diferentes atividades ilegais, como o tráfico. Envolverde/IPS