Sociedade

Indígenas do Pacífico precisam de fundos para lutar contra o HIV/aids

Doris Peltier, indígena e coordenadora da CAAN, soube que era portadora do HIV aos 44 anos. Foto: Neena Bhandari/IPS
Doris Peltier, indígena e coordenadora da CAAN, soube que era portadora do HIV aos 44 anos. Foto: Neena Bhandari/IPS

Sidney, Austrália, 30/7/2014 – Marama Pala, originária de Waikanae, na costa ocidental da ilha Norte da Nova Zelândia, teve diagnosticado HIV, vírus causador da aids, aos 22 anos. A informação se espalhou como rastilho de pólvora em sua muito fechada comunidade maori. Era 1993, mas ainda agora, observou, há uma atitude de “vergonha e culpa” em relação ao HIV, que impacta enormemente as populações indígenas.

“Se você é portador do HIV, te veem sujo, com se fosse um drogado ou uma prostituta. Nossa população não busca ajuda pelo estigma, discriminação e criminalização, mas por medo de ser acusado, perseguido ou preso”, explicou Pala, que junto com seu marido (também soropositivo) cuidam da Fundação para HIV/aids INA (indígenas maori do Pacífico sul). A fundação tem um enfoque cultural para criar consciência sobre o HIV/aids, educar, prevenir e intervir.

“Nos últimos cinco anos, aumentaram as novas infecções na Nova Zelândia, especialmente entre ao maoris, porque fazemos o exame tardiamente. As pessoas que não têm comportamento de risco não costumam fazer o exame, só após já estarem muito doentes”, contou Pala, que tem dois filhos.

“Nossas mulheres morrem por terem medo de tomar a medicação, o que em parte se deve ao estigma e à discriminação. Os antirretrovirais estão disponíveis em nosso país e não se deveria morrer nessa época nem nessa idade”, lamentou Pala, que integra a junta de diretores do Conselho Internacional de Organizações com Serviço Contra a Aids (Icaso).

“Na Austrália, há 130 indígenas com HIV, mas, além de mim, há só uma mulher que fala abertamente sobre a aids”, contou Michelle Tobin, que contraiu o vírus aos 21 anos. Ela ficou noiva de um homem com HIV, mas “fui ingênua e acreditei que não me infectaria”, reconheceu. “Após seis meses me diagnosticaram o vírus. Tive uma filha e toda minha atenção se concentrou nela”, contou à IPS. “No começo da década de 1990, em Melbourne, não nos ofereciam tratamento após o diagnóstico. Perdemos muita gente, inclusive meu marido”, recordou essa mulher que pertence à nação yorta yorta.

Algumas pessoas de sua comunidade pensam que ainda contagia e não querem estar perto dela, mas a luta fez com que Tobin se tornasse uma férrea defensora das indígenas com HIV/aids. “As aborígines são uma minoria dentro da minoria com HIV. Precisamos de mais recursos e fundos para que as mulheres possam falar de prevenção, tratamento, isolamento, confidencialidade, moradia e uma grande variedade de assuntos que as afetam”, destacou Tobin, que preside a Aliança Nacional Anwenekenhe de HIV e integra o comitê da Rede de Indígenas e Ilhéus Positivos do Estreito de Torres (Pastin, em inglês).

Além de apoiar os objetivos da Declaração Política das Nações Unidas sobre HIV e Aids, a Austrália também adotou o Plano de Ação Eora sobre HIV 2014, que fixa objetivos estratégicos para concentrar a atenção na prevenção, incluída uma melhor atenção clínica para indígenas e comunidades insulares do estreito de Torres.

A última Pré-Conferência Internacional de Indígenas sobre HIV e Aids, organizada pelo Grupo Internacional de Trabalho de Indígenas sobre HIV e Aids (IIWGHA) em associação com a Comissão Organizadora de Ilhéus do Estreito de Torres e Indígenas Australianos (AATSIOC), realizado em Sidney entre 17 e 19 deste mês, se chamou “Nossa história, nosso tempo, nosso futuro”.

No encontro foi destacada a necessidade de aumentar os dados epidemiológicos com ênfase em grupos indígenas, pois a falta de informação complica o desenho de estratégias de tratamento e prevenção. “No Canadá, temos provas de que a população indígena contrai HIV 3,5 vezes mais rápido do que a população em geral”, apontou à IPS Trevor Stratton, coordenador do IIWGHA para a Rede Canadense Aborígine sobre Aids (CAAN).

“Acreditamos que é uma tendência mundial, mas não temos dados epidemiológicos. Buscamos essa informação porque é o que precisamos para que as culturas dominantes nos reconheçam como uma população com maior risco de contrair HIV/aids, junto com homens homossexuais e trabalhadores sexuais, para que o governo libere fundos e possamos buscar soluções”, acrescentou Stratton.

Stratton, de 49 anos, originário de Mississaugas da Primeira Nação de New Credit, em Ontário, é descendente de inglês e ojibwe, teve diagnosticado HIV em 1990. Ele acredita que as populações indígenas são particularmente vulneráveis pela “colonização, pelo neocolonialismo, pela extração de recursos e assimilação, entre outras questões similares” que os colocam na mais baixa classificação segundo indicadores sociais como a saúde.

De acordo com o Escritório de Estatísticas da Austrália, a taxa de diagnóstico de HIV entre moradores originários e ilhéus do estreito de Torres foi substancialmente maior do que entre as australianas não indígenas (1,5 comparado com 0,4 para cada cem mil habitantes”. Entre 2004 e 2014, 231 aborígines e ilhéus do estreito de Torres foram diagnosticados com HIV. Em 2013, a taxa de novas infecções foi maior na população indígena (5,4 para cada cem mil habitantes) do que na australiana não originária (3,9 para cem mil).

“Não podemos pretender que o HIV/aids exista isolado”, ressaltou Stratton. “O problema da justiça social é sistêmico. Temos de ser capazes de pressionar mecanismos internacionais de direitos humanos para que os países assumam sua responsabilidade”, acrescentou. “Temos que incentivar os Estados nação a seguirem as recomendações da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas e o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, que se refere à participação dos indígenas”, concluiu.

O mandato do IIWGHA e seu plano estratégico se baseia na Carta de Toronto: Plano de Ação dos Povos Indígenas, que reconhece o direito dos aborígines a autonomia, justiça social e direitos humanos.

Dóris Peltier, indígena e coordenadora da CAAN, trabalha com mulheres pobres, algumas das quais perderam seus filhos após receberem diagnóstico positivo. Ela teve diagnosticado o vírus aos 44 anos, quando era uma ativa consumidora de drogas em Toronto. Ela assegura que problemas, como o medo de perder seu filho, se transformaram em barreiras que impedem que as pessoas falem sobre sua situação.

“Um sistema social que se supõe exista para ajudar as mulheres é o que lhes cria barreiras”, pontuou Peltier à IPS. Quando ela decidiu voltar ao seu lar e recuperar os vínculos com sua família e sua comunidade em Wikwemikong, em Ontário, alguns a apoiaram, mas outros se mostraram reticentes em recebê-la. Envolverde/IPS