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Indigência pesa sobre refugiados palestinos no Líbano

 

Uma família palestina do acampamento de Yarmouk, na Síria, agora vive às margens do acampamento de Ein el Helwe, no sul do Líbano. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS
Uma família palestina do acampamento de Yarmouk, na Síria, agora vive às margens do acampamento de Ein el Helwe, no sul do Líbano. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS

 

Beirute, Líbano, 8/1/2014 – No ano passado mais de 50 mil palestinos fugiram da violência, do caos e da indigência na Síria para se refugiar no Líbano. A vasta maioria deles acabou vivendo na pobreza extrema, presos da insegurança crônica. Muitos nem mesmo sabem se poderão continuar vivendo no país neste ano que se inicia, já que lhes foram negadas as garantias de residência legal.

“Que família palestina pode pagar US$ 200 pelos documentos para cada um de seus integrantes? Se a família média tem cinco membros, isso significa US$ 1 mil”, protestou Mahmoud Assir Saawi. “Isto é impossível, pois sabemos que a maioria dos refugiados palestinos nem mesmo estão seguros de como alimentarão seus filhos no dia seguinte”, disse à IPS o presidente do Conselho para os Refugiados Palestinos que Fogem da Síria.

Esses sentimentos se reiteram uma e outra vez dentro dos miseráveis acampamentos e guetos lotados em todo o Líbano. Os palestinos que chegam da Síria se encontram em um labirinto burocrático afetado por décadas de atribulações e guerra, o que lhes oferece uma escassa segurança.

Muitos dos refugiados palestinos que chegam da Síria originalmente foram expulsos de sua terra em 1948, com a criação do Estado de Israel, ou durante a Guerra dos Seis Dias de 1967, quando os israelenses venceram os exércitos dos países árabes vizinhos. A nova guerra, que cobra mais vítimas, fez com que cerca da metade de suas comunidades na Síria voltasse a fugir.

O Líbano foi o destino da maior parte deste êxodo, e dos vizinhos da Síria talvez seja o menos capaz de abrigar todas essas pessoas. A presença de centenas de milhares de palestinos no Líbano sempre foi motivo de grandes divisões. Muitos libaneses rechaçam os palestinos pelo papel que tiveram na guerra civil de sua nação, entre 1975 e 1990.

No ano passado, a chegada de grandes comunidades de seus compatriotas exacerbou ainda mais o preconceito e o temor existentes. Talvez seja por este motivo que os palestinos que chegam são classificados como “hóspedes” ou “migrantes”. Conceder-lhes o status mais adequado de “refugiados” implicaria obrigações legais, especialmente sob as convenções de Genebra.

Os temores de que refugiados palestinos e inclusive sírios se estabeleçam de modo permanente no Líbano, mudando o precário equilíbrio das facções internas, são comuns e geralmente divulgados nos meios de comunicação por políticos. Assim, a situação destes refugiados é vulnerável, e seu santuário inseguro. Garantir os documentos de residência é um dos maiores problemas para os refugiados palestinos da Síria. À sua chegada, os palestinos que fogem da guerra e da fome só recebem visto de uma semana no Líbano, que depois deve ser prorrogado.

No lotado e mísero acampamento palestino de Shatila, em Beirute, refugiados sírios organizam protestos diante de escritórios da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA). Esta organização já se esforçava para dar serviços básicos aos cerca de 420 mil refugiados palestinos que vivam no país antes de começar a crise na Síria. O governo libanês encomendou à UNRWA que estenda estes serviços aos recém-chegados.

O jornalista palestino Maher Ayoub, procedente do acampamento de Yarmouk, em Damasco, conheceu na própria carne a vulnerabilidade da vida no Líbano. Em recente viagem para renovar seus documentos lhe foi ordenado que abandonasse o país na mesma semana, apesar de o governo libanês ter garantido que não expulsaria nenhum refugiado.

Enfrentando a possibilidade de ir para a prisão no Líbano ou tentar um perigoso regresso à Síria, se refugiou em um dos acampamentos palestinos nos quais os serviços libaneses de segurança não têm permissão de entrar, segundo o acordo alcançado ao final da guerra civil. “Para onde posso ir? O que posso fazer? Agora não tenho opção alguma”, disse Ayoub à IPS.

Outros muitos refugiados palestinos, desconfiados dos serviços de segurança ou temendo não poder pagar a renovação anual de seus vistos, buscam refúgio nos acampamentos. E, na realidade, encontram uma vida de confinamento em assentamentos onde reinam a superlotação, a indigência e o desemprego.

“Sabemos que eles são nossos irmãos e devemos ajudá-los, mas isto está ficando insustentável”, ponderou Abu Ahmad, um palestino que vive no acampamento de Shatila. “Antes, cada mês tinha pelo menos uma semana de trabalho, mas agora não há nada. Todos os dias vemos problemas no acampamento por culpa do desespero e da falta de trabalho. Inclusive, as pessoas estão começando a usar armas entre si. Precisamos de mais apoio”, acrescentou.

Um relatório da UNRWA mostra que a organização sofre déficit orçamentário de US$ 68 milhões. As diferentes facções palestinas demonstram que não podem absorvê-lo. Para os palestinos que fogem da guerra da Síria, tudo parece indicar que a luta continuará em 2014, enquanto tentam construir algo parecido com estabilidade. Envolverde/IPS