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Interesses comuns podem ajudar em uma distensão entre Estados Unidos e Irã

O ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, se reunirá com seu colega britânico William Hague na Assembleia Geral da ONU, no final deste mês. Foto: UN Photo/Kate Schafer.
O ministro iraniano das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, se reunirá com seu colega britânico William Hague na Assembleia Geral da ONU, no final deste mês. Foto: UN Photo/Kate Schafer.

 

Washington, Estados Unidos, 19/9/2013 – Os interesses comuns dos Estados Unidos e do Irã na Ásia podem servir de base para que os dois países trabalhem juntos para superar décadas de hostilidade. “Se Irã e Estados Unidos forem capazes de superar suas diferenças em relação ao programa nuclear iraniano, se começar a haver certo avanço nesse sentido, então vejo oportunidades de diálogo e cooperação sobre uma gama mais ampla de temas, incluídos os que me dizem respeito, ou seja, o Afeganistão”, disse à IPS o embaixador James F. Dobbins, representante especial dos Estados Unidos para o Afeganistão e Paquistão, em uma entrevista coletiva, no dia 16, em Washington.

À eleição do novo presidente do Irã, Hassan Rouhani, um clérigo moderado com um apoio centrista e reformista, bem como com estreitos vínculos com o líder supremo Ali Khamenei, seguiram-se mais sinais de que este país pode estar se posicionando para chegar a um acordo sobre seu controvertido programa nuclear. O fato de Rouhani nomear como seu ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif, encarregado da questão nuclear, foi bem recebido pelas principais elites da política externa de Washington, que o consideram um sócio valioso para as negociações.

Este ex-embaixador iraniano junto à Organização das Nações Unidas (ONU), educado no Ocidente, prevê se encontrar com seu colega britânico, William Hague, na Assembleia Geral da ONU no final deste mês, o que poderia levar ao reinício dos vínculos diplomáticos interrompidos depois que manifestantes atacaram, em 2011, a embaixada britânica em Teerã.

Dobbins, que trabalhou próximo a Zarif em 2001, após ser designado pelo governo de George W. Bush (2001-2009) para ajudar a estabelecer um governo no Afeganistão depois de desalojado do poder o Talibã, disse à IPS que “o Irã foi bastante útil” nessa tarefa. “É de lamentar que nossa cooperação, que penso que em 2001 era genuína e importante, não tenha se mantido”, pontuou.

Os Estados Unidos interromperam os esforços oficiais para uma cooperação maior com o Irã após um discurso feito em 2002 por Bush, no qual categorizou Teerã como parte de um “eixo do mal”, juntamente com Iraque e Coreia do Norte. Embora o discurso Um Novo Início, que o presidente Barack Obama fez em 2009 no Cairo, tenha apontado para um afastamento da retórica da era Bush sobre o Oriente Médio, a política dos Estados Unidos sobre o Irã está centrada nas sanções, o que foi um dos principais pontos de controvérsia nas conversações nucleares do ano passado.

Vários fatos recentes, que continuaram inclusive quando os Estados Unidos pareciam estar se posicionando para atacar a Síria – aliada do Irã – levaram a especulações de que estes adversários históricos podem estar se aproximando de conversações diretas, embora a Casa Branca tenha negado que ocorreram durante a Assembleia Geral da ONU.

No dia 15 deste mês, Obama confirmou as notícias sobre uma troca de cartas com Rouhani. A porta-voz da chancelaria iraniana, Marziyeh Afjam, também verificou o intercâmbio, mas negou as especulações de que a Síria foi um dos temas. “A carta de Obama foi recebida, mas não era sobre a Síria e sim de cumprimentos (a Ruhani), cuja resposta foi enviada”, disse Afjam a jornalistas em Teerã, em declarações publicadas na semioficial Agência de Notícias Fars.

Os dois líderes reconhecerem publicamente um contato tão incomum é um fato importante em si mesmo, segundo Robert E. Hunter, que integrou o Conselho de Segurança Nacional no governo de Jimmy Carter (1977-1981). “Este é um esforço, antes de tudo, para testar as águas da política interna norte-americana em relação às conversações diretas quanto à possibilidade de ver se é possível fazer algo mais produtivo do que no passado. E, com exceção dos procedentes de Israel, não vi muitos protestos fortes”, observou.

“Os iranianos já se afastaram do assunto sobre a negação do Holocausto (judeus em mãos dos nazistas) dizendo que foi ‘o outro’”, afirmou Hunter à IPS, em alusão ao ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad. No entanto, “como diz o ditado, o caminho entre Teerã e Washington passa por Jerusalém”, destacou. Para que Washington e Teerã melhorem suas relações também é preciso que o Irã acalme a preocupação de Israel sobre seu programa nuclear e sobre o movimento xiita libanês Hezbolá, acrescentou.

Hunter, que foi embaixador dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) entre 1993 e 1998, também destacou que os “interesses compatíveis” entre ambos, como a segurança e a estabilidade do Iraque e do Afeganistão, e a liberdade de navegação no estreito de Hormuz, vital rota de transporte de petróleo, também poderiam cimentar o caminho para melhores relações.

Inclusive, Khamenei, que sempre teve profundas suspeitas sobre a política norte-americana para o Irã, autorizou Rouhani a entrar em conversação direta com Washington, segundo um artigo de opinião publicado pelo Project Syndicate e escrito pelo ex-negociador nuclear iraniano Hossein Mousavian. Durante uma reunião realizada no dia 16 com o Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, Khamenei também disse que não se opõe “à diplomacia correta” e que acredita em uma “flexibilidade heroica”, segundo uma tradução do Al-Monitor.

Em outro comentário surpreendente, Khamenei repercutiu as declarações anteriores de Rouhani sobre a Guarda Revolucionária não precisar ter uma ingerência direta na política. “Não é necessário que atue como guarda da cena política, mas deveria conhecê-la”, declarou Khamenei, que por anos cultivou relações próximas com o poderoso ramo das forças armadas do Irã.

No dia 12 deste mês o titular da Organização de Energia Atômica do Irã, Ali Akbar Salehi, anunciou que o país reduziu seu arsenal de urânio de baixo enriquecimento (20%), convertendo-o em combustível para o Reator de Pesquisas de Teerã. O Instituto para a Ciência e a Segurança Internacional (Isis) descreveu isso como “enganoso”, com base na pouca quantidade de urânio de baixo enriquecimento que o Irã converteu em combustível. “Assim, esta ação não pode ser vista como medida significativa de geração de confiança”, afirmou o Isis em um comunicado de imprensa.

Porém, Paul Pillar, um ex-alto analista da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos, que entre 2000 e 2005 foi encarregado de inteligência nacional para o Oriente Médio e a Ásia austral, afirmou que isto é “um exemplo de uma redução muito estendida, que busca transformar questões políticas e psicológicas em questões técnicas”. E acrescentou que “as medidas de criação de confiança são gestos de boa vontade e intenção. Não são muros contra uma possível ruptura futura. Se fossem, não seriam medidas de geração de confiança, mas uma solução para todo o problema”. Envolverde/IPS