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Legislação sobre mudança climática cambaleia na Costa Rica

A Assembleia Legislativa da Costa Rica deve decidir se o país contará cm uma lei que sirva de marco às suas políticas sobre mudança climática. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS
A Assembleia Legislativa da Costa Rica deve decidir se o país contará cm uma lei que sirva de marco às suas políticas sobre mudança climática. Foto: Diego Arguedas Ortiz/IPS

 

São José, Costa Rica, 22/5/2014 – Oito meses após ser chegar à Assembleia Legislativa, o projeto para criar uma Lei Marco de Mudança Climática cambaleia na Costa Rica, diante de críticas de especialistas, pela mudança de governo e por modificações ao texto inicial. A proposta, apresentada em agosto de 2013 ao parlamento unicameral, pretendia estabelecer “um contexto operacional para o desenvolvimento de políticas públicas de mitigação e adaptação à mudança climática”. Entretanto, parou quando faltava apenas uma segunda votação para se converter em lei.

A oposição dos responsáveis pela área climática do governo anterior, de grupos de especialistas no assunto e de um número representativo de deputados, aconselhou que fosse dado um passo atrás. No dia 9 de abril, último mês da legislatura anterior, foi apresentado na Comissão de Ambiente um texto reformado e com novo nome: Lei de Adequação Institucional para a Mudança Climática.

As negociações sobre o projeto recomeçaram, pois a legislatura iniciada no dia 1º deste mês apresenta uma ampla renovação das 57 cadeiras da Assembleia. “Esse projeto tal como está é nefasto, nada soluciona e, pelo contrário, piora”, disse à IPS o diretor de Mudança Climática do Ministério de Ambiente e Energia, William Alpízar, que permanece no cargo desde o governo anterior, da presidente Laura Chinchilla. “Mandamos um voto à Comissão de Ambiente, dizendo que esse projeto deve ser eliminado”, afirmou.

Alpízar continua no cargo, embora no dia 8 tenha assumido a Presidência o centro-esquerdista Luis Guillermo Solís, que pôs fim ao domínio das duas forças tradicionais: o Partido de Libertação Nacional (PLN), de Chinchilla, e a Unidade Social Cristã. Solís encabeça o Partido Ação Cidadã (PAC) e chegou ao poder com 77% dos votos. Ele critica o fato de o projeto não ter consultado os setores envolvidos, cria burocracias desnecessárias, não recopila a legislação existente e não tem fundamentos atualizados.

“Isso é algo que requer um diálogo com cidadãos em áreas vulneráveis, com os setores do transporte público. Tem que haver uma participação efetiva da sociedade na criação da lei”, afirmou à IPS a coordenadora da Estratégia de Carbono Neutralidade da Universidade da Costa Rica, Olga Corrales.

Mas o promotor do projeto, Alfonso Pérez, assegura que é uma norma necessária porque apresenta um marco constitucional para tratar o fenômeno da mudança climática. Pérez, dirigente do PLN, com maioria na Assembleia anterior mas que segue na atual como deputado, sustenta que a Direção de Mudança Climática, atual órgão reitor na matéria, é um organismo técnico sem o poder político necessário.

O projeto original da Lei Marco criava dois conselhos: um político e outro técnico, que regulariam as práticas costarriquenhas diante da mudança climática. A nova versão mantém apenas a Comissão Nacional de Mudança Climática (Conclima), apresentada como um esforço de integração de vários ministérios (Ambiente e Energia, Agricultura e Pecuária, Educação, Saúde, Obras Públicas) e de outras instituições centralizadas.

A principal mudança do segundo projeto é a criação da Conclima, à qual são atribuídas cerca de 20 funções, desde promover a educação sobre mudança climática nas escolas e universidades até velar por um ordenamento territorial e uma reestruturação do transporte que ajudem a reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa.

Pérez é o representante na Costa Rica da organização Global de Legisladores para o Equilíbrio Ambiental (Globe International), que reúne legisladores de 80 países e impulsiona a adoção de marcos legais nacionais sobre temas como reflorestamento, mudança climática e capital natural. Em seu quarto informe sobre legislação climática, a Globe destacava o projeto costarriquenho e antecipava sua aprovação para este ano.

“A palavra marco gerou uma expectativa. No segundo projeto, fala-se em uma adequação institucional, se lhe dermos a dimensão correta, que é dotar o país da institucionalidade. A administração e o ministro anterior o apoiavam”, disse Pérez à IPS. Mas o novo governo duvida do projeto, ao qual o PAC se opusera na legislatura anterior. Seu ministro de Ambiente e Energia, Édgar Gutiérrez, afirmou à IPS que a iniciativa precisa de uma revisão, embora não tenha dado mais detalhes.

Na nova Assembleia, onde os projetos costumam precisar do empurrão de um ou vários legisladores, ainda ninguém “adotou” a iniciativa. Por outro lado, entre os considerados “líderes” ambientais do novo parlamento figuram alguns de seus críticos.

“Essa lei não diz nada, é um enunciado de boas intenções e cria mais entidades burocráticas e instâncias que aumentam a parte burocrática e não são estabelecidos mecanismos e políticas claros”, argumentou à IPS o deputado Edgardo Araya, da Esquerdista Frente Ampla. Araya é um dos principais advogados ambientalistas do país e pediu para integrar a Comissão de Ambiente que deverá aprovar o projeto para que siga com vida.

Olga Corrales e Araya concordam que no projeto falta estabelecer que a mudança climática é um assunto de desenvolvimento, embora a iniciativa aponte para essa vinculação ao indicar que a Conclima deve impulsionar medidas multissetoriais para atacar a mudança climática. Organizações ambientalistas como Costa Rica Limpa ou Arca, mais o principal cientista climático do país, Lenín Corrales, também criticam o projeto.

O espírito inicial do projeto partiu de um informe de 2011 da Controladoria Geral da República, órgão fiscalizador do Estado, dizendo que a Direção de Mudança Climática é um órgão técnico sem capacidade operacional, segundo Pérez. O certo é que o país não tem uma lei integral sobre mudança climática. Durante a campanha eleitoral a equipe ambiental do novo presidente prometeu a criação de um “supraministério” para a mudança climática, formado por vários ministros.

Também é incerta a sorte de outro projeto apresentado por Pérez ao parlamento, o da Lei para Valorização do Capital Natural e Integração da Contabilidade Verde no Planejamento para o Desenvolvimento, que pretende quantificar o valor da biodiversidade, da água e do solo. Esse valor se somaria aos critérios técnicos para conceder autorizações de construção ou de funcionamento e também poderia servir para medir o peso dos bens naturais na economia nacional.

Um avanço climático

A Costa Rica é um país avançado em legislação ambiental, que em 2007 assumiu o compromisso de ser neutro em carbono até 2021. Em 1994, uma reforma constitucional garantiu aos costarriquenhos o direito a um ambiente saudável e ecologicamente equilibrado. Em 1996, foi promulgada a Lei Florestal, que reconhece quatro prestações naturais básicas das florestas: biodiversidade, proteção da água, beleza cênica e captura de carbono. Sobre essa norma se apoiou o primeiro programa de pagamento por serviços ambientais, que remunerava quem protegesse suas florestas do desmatamento.

A iniciativa de carbono neutro ainda não é lei, mas tem o apoio de vários decretos ministeriais e da Estratégia Nacional de Mudança Climática, assinada um ano depois de assumido o compromisso. O novo governo indicou que o manterá. Em 2012 foi criado o Mercado Voluntário Doméstico de Carbono, que permitiu a geração e o comércio de bônus de carbono.

René Castro, que foi ministro de Ambiente e Energia de 2010 até este mês, afirmou, no dia 3 de abril, que a cobertura florestal já permite ao país mitigar 17,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono por ano. O objetivo é compensar 21 milhões de toneladas que, se estima, emitirá até 2021. Durante o quadriênio anterior, também foram aprovadas as leis de Vida Silvestre e a de Gestão de Recursos Hídricos, ambas de iniciativa da sociedade. Envolverde/IPS