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Leis e alianças para potencializar comunicação pública

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Brasília, Brasil, 2/9/2013 – Para que os meios de comunicação pública cumpram sua função social, precisam promover acordos regionais e internacionais, dialogar com as diferentes forças políticas e utilizar as novas tecnologias para prestar serviços que efetivamente mudem a vida da população. Estas foram algumas das conclusões apresentadas no IV Fórum Internacional de Mídia Pública na América Latina, realizado nos dias 29 e 30 de agosto em Brasília, organizado pelo Banco Mundial e pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com apoio da agência de notícias IPS e da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Nos dois dias de debates foram apresentados vários exemplos da necessidade de alianças de meios de comunicação públicos para potencializar sua função de informar e garantir a livre e democrática circulação da informação. Desse contexto consta o acordo assinado pela EBC e pela IPS no dia 29, para o intercâmbio de conteúdos e experiências entre as duas instituições. O diretor-geral da IPS, Mario Lubetkin, considera que assim como os países do Sul do mundo têm cada vez maior protagonismo no cenário internacional, também suas informações merecem a mesma relevância.

Este tipo de cooperação possibilita gerar mais informação, além de resolver problemas operacionais. “É possível encontrar soluções de outras realidades, de outras empresas, que reforcem nossas empresas. Nossos temas passam hoje pela participação da sociedade, liberdade de imprensa, regulamentação dos meios de comunicação. Essas uniões servem para encontrar respostas para os nossos desafios”, afirmou Lubetkin.

Em uma reunião realizada na manhã do dia 30, no Palácio do Planalto, o chefe de gabinete do Ministério das Comunicações, Augusto Pestana, defendeu, em nome da ministra Helena Chagas, “a intensificação do diálogo e da cooperação entre os países em desenvolvimento”. “O objetivo de tais iniciativas não é, e nem pode ser, agravar as divisões entre países desenvolvidos e emergentes, nem de criar polarizações artificiais e indesejáveis”, afirmou o chefe de gabinete no encontro Iniciativa Sul-Sul de Comunicação.

“Trata-se de aproveitar a oportunidade histórica que se abriu para fortalecer a capacidade de comunicação dos países em desenvolvimento, com vistas a construir um cenário de comunicação global menos centralizado e mais equilibrado”, acrescentou Pestana. Este tipo de aproximação também é promovido pela Televisão América Latina (TAL), cujo modelo foi apresentado no Fórum. É uma cooperativa de produtoras independentes que realizam conteúdos para mais de 200 associados, com a ideia de levar as diferentes vozes latinas ao resto da região.

Desta organização, com sede em São Paulo, participam mais de 28 emissoras de televisão latino-americanas, além da RAI da Itália. “Nossa missão é ampliar o diálogo cultural, a diversidade e a capacidade produtiva”, disse a diretora-executiva da TAL, Malu Viana. Para isso, também é necessário um diálogo constante, não apenas entre meios de comunicação públicos, mas também com a sociedade civil, os jornalistas e os empresários da comunicação. Isso vale principalmente em países que precisam reformular suas respectivas legislações para democratizar o acesso, mediante o fim dos monopólios e oligopólios dos grandes grupos de comunicação.

É o caso do Uruguai, cujo cenário televisivo é dominado por três grupos, e que promoveu um amplo diálogo social para a elaboração de uma nova lei de comunicação que está agora em debate no parlamento. “A intenção da lei uruguaia não é amordaçar ninguém. Pelo contrário, é garantir a liberdade de expressão, com uma divisão mais equitativa, por concurso e não pela indicação, que favorece o clientelismo político”, disse Gustavo Gómez, assessor da Secretaria da Presidência do Uruguai.

“Foi um processo participativo e transparente, que também contou com a presença de empresários. A nova lei proíbe, por exemplo, a censura prévia e a censura indireta, não permitindo a revogação de licenças de frequências com base em linhas editoriais. O texto tem 183 artigos e apenas cinco regulam o conteúdo, quatro deles protegem os direitos da infância e um proíbe a discriminação e o racismo”, destacou Gómez.

Segundo o professor argentino Martín Becerra, a regulamentação deve ocorrer por meio de uma lei. “Se há regulamentação sem lei, o que prevalece é a lei do mais forte”, afirmou, ao argumentar a favor de processos regulatórios por meio do diálogo. “Falta diálogo entre os meios públicos e privados. E, muitas vezes, vemos que os privados não estão dispostos a conversar”, pontuou Becerra à IPS.

Na Argentina há precisamente essa falta de diálogo. O processo para regular a mídia ficou marcado pelo confronto entre a presidente Cristina Fernández e o grupo privado Clarín. “O meio de comunicação mais concentrado na Argentina se chama Cristina Elisabet Fernández de Kirchner. É a voz mais ouvida e com maior frequência”, disse o secretário de redação do jornal Clarín, Miguel Wiñazki. “A filosofia de seu discurso é a beligerância de fundo, a geração de antagonismo, o confrontar para governar”.

Além de seus marcos legais, também estão em debate as novas tecnologias para democratizar a prestação de serviços, especialmente com a chegada da televisão digital. Por meio de um projeto-piloto pioneiro, chamado Brasil 4D, a EBC reuniu, com apoio de universidades públicas e do Banco Mundial, cem famílias beneficiadas pelo programa social Bolsa Família para testar o funcionamento da televisão digital pública em João Pessoa, capital da Paraíba, uma das cidades mais pobres do país.

Foram instalados antenas e conversores digitais nas casas e oferecido um canal interativo no qual os beneficiários podiam ter acesso a informações como endereços de farmácias, empregos, conselhos para prevenção de saúde e questões relacionadas com a economia doméstica. Ao final do projeto, que durou alguns meses, o grupo encarregado concluiu que 64 famílias, graças ao acesso à informação, reduziram seus gastos em 13% do que recebem do Bolsa Família. Houve inclusive um aumento na renda, já que duas famílias conseguiram empregos graças às informações passadas por meio da televisão digital.

“Parece um projeto muito atraente, porque pode cumprir objetivos simultâneos e com um custo muito baixo”, opinou Sergio Jellinek, gerente de Relações Externas do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe. “Foi um estudo-piloto com resultados positivos, que poderia ser replicado em outras realidades, tanto do Brasil quanto de outros países da região”, acrescentou.

Simulações realizadas pelo professor Márcio Wohlers, da Universidade de Campinas, mostram que se 90% dos beneficiários do Bolsa Família utilizassem essa programação durante dez anos seria possível gerar um aumento da renda equivalente a quase US$ 2 bilhões. Isto mostra que a comunicação pública tem potencial para desempenhar um papel social relevante, ressaltou. “Para obter esse resultado realizamos uma série de simulações complexas, nas quais consideramos tanto o comportamento dos beneficiários quanto os meios de comunicação públicos”, explicou Wohlers à IPS. Envolverde/IPS