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Liberdade de expressão atacada na Palestina

Ramalá, Palestina, 18/3/2013 – Em uma medida extraordinária, um palestino foi condenado por um tribunal da Cisjordânia a um ano de prisão por publicar no Facebook uma imagem do presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, vestindo o uniforme da equipe de futebol do Real Madrid e chutando uma bola. A condenação é um dos vários exemplos da perseguição que sofrem os meios de comunicação nos territórios palestinos.Anas Saad Awad, de 26 anos e morador na aldeia de Awarta, na Cisjordânia, foi condenado pelo tribunal da localidade próxima de Naplusa por “criticar o governo”. Ele não pôde se dirigir aos juízes porque a sentença foi dada quando estava em outra parte do tribunal. A advogada de Awad, Rima Al Sayed, disse que seu cliente foi acusado de modificar digitalmente uma imagem de Abbas que o mostrava vestido com a camisa do Real Madrid e com a legenda “um novo atacante”. Segundo Sayed, o tribunal palestino aplicou o artigo 195 do Código Penal da Jordânia, que pune as críticas ao rei jordaniano.

O uso do direito jordaniano pelos juízes palestinos não é incomum. Além da Lei Básica estabelecida em 2002, a legislação palestina é um amálgama de normas egípcias e jordanianas e dos códigos remanescentes da era do Mandato Britânico. Contudo, com frequência, a aplicação da lei jordaniana pode ser usada contra os palestinos em disputas trabalhistas e crimes de “honra”, entre outros.

“Meu filho só fez um comentário no Facebook”, disse o pai de Awad. “Não quis insultar o presidente. Peço a ele que intervenha pessoalmente para cancelar a decisão do tribunal”, acrescentou. A IPS não conseguiu falar diretamente com a família, considerando a probabilidade de as agências palestinas de inteligência estarem monitorando seus telefones, o que lhes criaria mais problemas.

Awad já teve problemas com a inteligência palestina por criticar a ANP, sendo preso e depois solto sob fiança. “Isto não tem precedentes. É a primeira vez que se impõe esse castigo a um cidadão comum apenas por fazer um comentário sobre Abbas. O que colocou no Facebook não era nem grosseiro e nem crítico”, disse Riham Abu Aita, do Centro Palestino para o Desenvolvimento e a Liberdade de Imprensa.

“No ano passado, dez jornalistas palestinos de Gaza e da Cisjordânia foram presos e interrogados por criticarem tanto o Movimento de Resistência Islâmica (Hamás) quanto a ANP. A liberdade de imprensa nos territórios palestinos começou mal 2013”, disse Aita à IPS. “O Hamás prendeu dezenas de jornalistas de Gaza e as forças israelenses de segurança cada vez apontam mais para os meios de comunicação palestinos e estrangeiros, porque tentam cobrir os crescentes protestos na Cisjordânia”, indicou.

“No entanto, a ANP se tornou muito sensível nos últimos meses. Isto tem relação com a hipersensibilidade às críticas internacionais após ter obtido na Organização das Nações Unidas (ONU) o status de observador não membro, e também após a pressão que organizações palestinas e internacionais de direitos humanos exercem sobre ela”, afirmou Aita.

Uma das estratégias da ANP para alcançar seu objetivo de um Estado palestino independente é se integrar ao Tribunal Penal Internacional, com maneira de pressionar Israel, que no trato que dispensa aos palestinos viola tratados de direitos humanos e infringe o direito internacional. O status da ANP na ONU é apenas de Estado observador não membro, mas mesmo assim pode ratificar cruciais tratados de direitos humanos, incluindo o Artigo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que garante a liberdade de expressão.

A ANP se comprometeu a defender os direitos humanos e ratificar várias convenções, mas não o fez em várias áreas. A organização Human Rights Watch afirmou que “é elogiável a direção palestina estudar os tratados; sua demora em ratificá-los inspira pouca confiança em seu compromisso de defender os direitos e as liberdades fundamentais”. “Outro assunto é o temor da ANP de ocorrer um levante popular na Cisjordânia após a Primavera Árabe que arrasou a região, ameaçando as ditaduras”, explicou Aita à IPS. “O governo de Abbas também gostaria de aparecer adotando uma postura mais moralista em relação ao Hamás, que nos últimos tempos foi criticado na imprensa por sua ofensiva contra a imprensa em Gaza”, acrescentou.

Enquanto o aparato de segurança de Abbas consegue controlar, até certo ponto, os jornalistas e as diversas publicações na Cisjordânia, as redes sociais demonstram ser muito mais difíceis de controlar apesar da intensiva vigilância que sofrem.

No ano passado as forças de segurança palestinas prenderam pelo menos três pessoas, em incidentes separados, acusadas de criticarem o governo nas redes sociais da internet. Um conferencista universitário palestino foi um dos detidos por insultar Abbas no Facebook. Ironicamente, embora a ANP incentive os palestinos a informarem sobre a corrupção, em abril de 2012 o blogueiro Jamal Abu Rihan foi preso por lançar uma campanha no Facebook pedindo o fim da corrupção.

A agência de notícias Ma’na revelou evidências do bloqueio de oito sites críticos de Abbas, enquanto o colunista Jiahad Harb esteve dois meses preso acusado de difamação e calúnia, por apresentar dúvidas sobre favorecimentos dentro do escritório de Abbas. “Porém, os esforços da ANP para sufocar a crítica jornalística estão saindo mal”, pontuou Aita. “Quanto mais se ataca os jornalistas palestinos, mais partidários se voltam à liberdade de imprensa e mais determinados estão em apoiá-la”, enfatizou. Envolverde/IPS