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Má nutrição afeta meninas e meninos sírios no Líbano

Mãe e filho sírios perto de Ma’arat Al-Numan, uma zona rebelde da Síria, no outono de 2013. Foto: Shelly Kittleson/IPS
Mãe e filho sírios perto de Ma’arat Al-Numan, uma zona rebelde da Síria, no outono de 2013. Foto: Shelly Kittleson/IPS

 

Beirute, Líbano, 23/7/2014 – Meninas e meninos sírios, abatidos e magros pedindo esmola e vendendo chiclete se converteram em um fenômeno típico das ruas de Beirute, capital do Líbano. Eles fugiram do conflito em seu país, mas continuam suportando o peso de suas consequências.

A maioria das pessoas que fugiram da Síria cruzando a fronteira com o Líbano vive em assentamentos informais em péssimas condições de higiene, o que para muitas delas se traduz em problemas de saúde, como diarreia e desnutrição, e, para as mais vulneráveis, até a morte.

Até o final de janeiro, quase 40 mil meninas e meninos haviam nascido como refugiados. Já a quantidade de menores que fugiram para o estrangeiro quadriplicou entre março de 2013 e março deste ano, superando os 1,2 milhão.

A falta de cuidados médicos, alimentos e água potável causou inúmeras perdas humanas desde o começo do conflito sírio, em março de 2011. Estas mortes não constam do registro diário de “vítimas da guerra”, ainda que seus corpos decrépitos e rostos raquíticos sejam vistos nas fotografias das zonas assediadas.

O caso do acampamento palestino de Yarmuk, nos arredores de Damasco, chamou momentaneamente a atenção da comunidade internacional no começo deste ano, quando a Anistia Internacional divulgou um informe detalhando a morte de quase 200 pessoas sob o assédio do governo sírio. Muitas outras áreas experimentaram, e continuam sofrendo, o mesmo destino sem que ninguém se dê conta.

Uma palestina-síria de Yarmuk disse à IPS que alguns de seus familiares continuam em Hajar Al-Aswad, uma área próxima a Damasco, com população de aproximadamente 600 mil pessoas antes do conflito. As que ficaram na região continuam sofrendo “tanto, ou mais, do que em Yarmuk”, e estão submetidas às mesmas táticas brutais de falta de alimentos. Porém, não atraiu a mesma atenção.

A cidade de Homs, uma das primeiras a se levantar contra o regime do presidente sírio Bashar al Assad, também foi submetida a um sítio de três anos, até maio de 2014, quando militares sírios e seu aliado libanês. o grupo Hezbolá (Partido de Deus). recuperaram o controle.

O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu pela primeira vez, no dia 14, autorizar a assistência fronteiriça sem a aprovação do governo de Assad, que se concretizará em quatro encruzilhadas com os países vizinhos. A resolução criou um mecanismo de monitoramento pelo período de 180 dias para carregar os comboios humanitários no Iraque, na Jordânia e na Turquia.

Os primeiros suprimentos incluirão pastilhas para purificar a água e produtos de higiene pessoal, especialmente para prevenir as doenças transmitidas pela água contaminada e que causaram diarreia, que, por sua vez, causa severos casos de desnutrição.

Miram Azar, do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), disse que, “antes da crise, a desnutrição não era comum no Líbano, nem na Síria, e outros atores tiveram que capacitar o pessoal de saúde na detecção, monitoramento e tratamento da doença”, mesmo antes de atender o problema propriamente dito.

Mas já começava a aumentar. “A má nutrição já era um problema na Síria mesmo antes do conflito”, segundo um informe do Unicef divulgado este ano. “A quantidade de crianças com problemas de desenvolvimento, que são muito pequenos para sua idade e cujo cérebro não se desenvolve bem, aumentou de 23% para 29%, entre 2009 e 2011”, diz o documento.

A má nutrição que atinge os bebês em seus primeiros mil dias de vida (do nascimento aos dois anos) tem consequências para toda a vida, como maior propensão a doenças, obesidade, reduzidas capacidades cognitivas e poucas possibilidades de desenvolvimento para o país em que vivem.

Azar afirmou que “preocupa a má nutrição devido à deterioração da segurança alimentar que sofriam os refugiados antes de deixarem a Síria”, assim como “o aumento dos preços dos alimentos durante o inverno”. A economia síria está paralisada devido ao conflito e a produção agrícola caiu drasticamente. A violência destruiu propriedades agrícolas, arrasou campos e deslocou agricultores.

O preço dos alimentos básicos ficou proibitivo em muitas áreas. Em uma visita às áreas rebeldes na província de Idlib, no norte, durante o outono boreal de 2013, residentes locais disseram à IPS que o custo dos alimentos básicos, como arroz e pão, aumentou dez vezes antes do conflito, e em outras áreas a inflação foi pior.

Jihad Yazigi, especialista em economia síria, afirma em um informe político do Conselho de Assuntos Exteriores da União Europeia, publicado no começo deste ano, que a economia de guerra, que “se alimentava diretamente da violência e incentivava a luta constante”, se acentuava cada vez mais.

Por outro lado, os presos políticos libertados graças a anistias contam as severas privações de água e alimentos que sofreram na prisão. Muitos foram detidos por atividades pacíficas – como exercer seu direito à livre expressão e oferecer ajuda humanitária –, com base em leis contra o terrorismo adotadas pelo governo em julho de 2012.

Não há cifras exatas sobre a população carcerária da Síria. Mas a organização Centro de Documentação de Violações diz que 40.853 pessoas detidas antes do levante de março de 2011 continuam na prisão.

Maher Esber, um preso político que esteve em uma das prisões mais conhecidas da Síria, entre 2006 e 2011, e que agora é um dos ativistas que vivem na capital libanesa, contou à IPS que era normal as torneiras terem água durante apenas dez minutos por dia para beber e se lavar.

Também foi danificada ou destruída a maioria das instalações de água nos últimos dias, o que agrava a probabilidade de doenças infecciosas e má nutrição. Uma grande estação de bombeamento em Alepo, que foi danificada em 10 de maio, deixou sem água quase metade da cidade, uma das mais povoadas da Síria, a 300 quilômetros de Damasco.

O incessante bombardeio do regime torna quase impossível consertar a rede de distribuição, e numerosos especialistas já alertaram sobre a possível catástrofe humana que assolará os residentes que restam ali.

A decisão da ONU de enviar suprimentos humanitários se deu após o regime sírio se recusar a cumprir a resolução de fevereiro que pede acesso rápido, seguro e irrestrito. Mas Damasco alertou que considerava o envio não autorizado de ajuda às zonas rebeldes como um ataque. Envolverde/IPS