Arquivo

As mães afegãs dão à luz contra todo prognóstico

O Afeganistão é um dos países mais perigosos para as mulheres grávidas e para as crianças pequenas, segundo a organização Médicos Sem Fronteiras. Foto: DVIDSHUB/CC-BY-2.0
O Afeganistão é um dos países mais perigosos para as mulheres grávidas e para as crianças pequenas, segundo a organização Médicos Sem Fronteiras. Foto: DVIDSHUB/CC-BY-2.0

 

Cabul, Afeganistão, 19/9/2014 – Após sua primeira experiência em uma sala de maternidade, Nasrin Mohamadi prometeu a si mesma não pisar novamente em um hospital público no Afeganistão. “Os médicos disseram que ainda não havia dilatação completa, e que era para eu esperar no corredor”, recordou essa mulher que agora é mãe de quatro filhos.

“Tive de ficar sentada no chão com algumas outras, já que não havia uma só cadeira”, contou Mohamadi à IPS sobre sua experiência no centro de saúde Mazar-e Sharif, 425 quilômetros a noroeste de Cabul. “Finalmente me levaram para o quarto, onde outras três mulheres esperavam com as pernas abertas enquanto as pessoas entravam e saíam. Me mantiveram assim durante uma hora, até que dei à luz, sem anestesia e sem uma só toalha para limpar o bebê”, acrescentou.

Com um desgosto que não desaparece, essa afegã de 32 anos lembrou que, “imediatamente depois, os médicos me disseram para ir embora, já que havia mais mulheres fazendo fila no corredor”. Mas o pesadelo de Mohamadi não acabou ao deixar o hospital. Os médicos disseram para não se lavar nos dez dias seguintes ao parto, o que causou uma infecção nos pontos de sutura.

“Paguei entre US$ 600 e US$ 800 para dar à luz aos meus outros três filhos depois disso, mas foi dinheiro bem gasto, não tenho a menor dúvida”, afirmou. É uma quantia elevada em um país onde a renda diária média não chega a US$ 3 e onde 75% da população vive em zonas rurais, sem acesso aos serviços de saúde. No momento, os serviços públicos continuam sendo a única opção para muitas mulheres.

E os dados são reveladores sobre o compromisso do Afeganistão com a saúde materna: 460 mortes em cada cem mil nascidos vivos, em um dos quatro países com as maiores taxas de mortalidade materna, com exceção da África subsaariana. O número, em todo caso, representa importante queda diante das 1.600 mortes em cem mil nascimentos registradas em 2002. Mas, continuam sendo muitas as afegãs que morrem durante a gravidez, o parto e o pós-parto. Foram 4.200 mulheres em 2013, segundo a Organização Mundial da Saúde.

A falta de atenção médica especializada durante a gravidez ou o parto é, em parte, responsável por essas mortes. Poucas afegãs buscam centros de saúde porque são acessíveis somente em zonas urbanas. A falta de segurança e de estradas adequadas obriga muitas mulheres a darem à luz em casa.

São más notícias para os 6,5 milhões de mulheres em idade reprodutiva nesse país de 31,2 milhões de habitantes, sobretudo porque o Afeganistão conta unicamente com 3.500 parteiras, segundo o relatório Estado das Parteiras no Mundo, apresentado em junho pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Isso representa uma cobertura de 23% das necessidades das afegãs, e a situação tende a piorar.

O UNFPA estima que os serviços de parto no país “terão que responder a 1,6 milhão de gravidezes anuais até 2030, dos quais 73% em zonas rurais”. Nem mesmo as mulheres que contam com pleno acesso às instalações urbanas de alto nível, como o Hospital e Maternidade Malalai, em Cabul, têm garantias.

Nilofar Sultani, ginecologista no Malalai e mãe de quatro filhos, contou à IPS que não está de modo algum satisfeita com sua experiência. “Dei à luz por cesariana aos meus quatro filhos nesse hospital, mas os médicos que me atenderam não estavam qualificados”, disse, sem rodeios. “A maioria deles só havia completado três anos de medicina. Em uma escala de um a dez, só posso dar quatro a esse hospital”, acrescentou.

A opinião de Sultani nasce de sua experiência pessoal, tanto de mãe como de profissional, mas é corroborada por diversos informes e estudos sobre o sistema de saúde do país. O informe de atividade de 2013, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), considera o Afeganistão como “um dos lugares mais perigosos para uma mulher grávida ou uma criança pequena”, devido à falta de pessoal médico feminino especializado.

“As clínicas privadas são inacessíveis para a maioria dos afegãos e muitos hospitais públicos estão saturados e carecem de pessoal suficiente”, informa o MSF, que tem quatro hospitais no país. “Muitas clínicas rurais são disfuncionais. O pessoal de saúde qualificado fugiu das áreas inseguras, e o fornecimento de remédios e equipamento médico é irregular ou inexistente”, acrescenta o informe.

Trata-se de uma análise sombria para um país que terá de adequar seu sistema de saúde para atender “pelo menos 117,8 milhões de visitas pré-natal, 20,3 milhões de nascimentos e 81,3 milhões de visitas pós-natal entre 2012 e 2030”, segundo o UNFPA. Em um país onde apenas 22% das mulheres em idade reprodutiva usam anticoncepcionais, as famílias numerosas continuam sendo a norma. As afegãs têm, em média, seis filhos, uma dinâmica impulsionada por uma obsessão cultural de ter pelo menos um filho homem, que será responsável por cuidar dos pais na velhice. As filhas viverão com a família de seus maridos.

As mães afegãs mal têm tempo de se recuperar entre uma gravidez e outra, o que causa problemas de saúde para a mãe e também para seu bebê pela falta de leite. Quase 60% das crianças menores de seis anos são alimentadas exclusivamente com leite materno, segundo pesquisa realizada em 2013 pelo Ministério de Saúde Pública do Afeganistão.

Mesmo nesse contexto, houve avanços animadores na última década. A mesma pesquisa detectou que o atraso do crescimento entre as crianças havia diminuído em quase 20%, de 60,5% em 2004 para 40,9% em 2013. A ginecologista Sultani afirmou à IPS que, apesar da persistência de circunstâncias adversas, a assistência médica no Afeganistão melhorou “significativamente” na última década. “Há mais centros de saúde e muito melhor equipados. Além disso, o número de médicos qualificados também aumentou”, destacou.

Mas a mudança mais importante, ressaltou Sultani, foi o da atitude das mulheres em relação à atenção médica. “Antes, pouquíssimas mulheres se aproximavam dos hospitais, mas hoje em dia a maioria delas vem por iniciativa própria. Estão perdendo lentamente o medo dos médicos”, observou. E Sultani não esquece outro fator determinante: agora, os centros de saúde são um dos poucos lugares onde essas