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Maiores temperaturas, mais dengue

Participantes do Curso Internacional de Controle da Dengue em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Participantes do Curso Internacional de Controle da Dengue em Havana. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

 

Havana, Cuba, 22/8/2013 – A expansão do vírus da dengue no continente americano mantém em estado de emergência instituições, governos e cientistas, que buscam soluções sustentáveis para um problema de saúde associado a condições socioeconômicas e que pode se agravar com a mudança climática. Estatísticas da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) indicam que nos sete primeiros meses deste ano a região registrou quase 1,4 milhão de casos, o que coloca 2013 como um ano epidêmico.

“O ano de 2012 terminou com 1,7 milhão e não sabemos se 2013 fechará com uma quantia maior”, disse o guatemalteco Luis Castellanos, durante o XIII Curso Internacional de Controle da Dengue, que começou no dia 12 e terminará amanhã na capital cubana. Castellanos, responsável por controle e prevenção de enfermidades transmissíveis da OPAS, alertou que os casos dessa doença infecciosa tropical aumentam onde a infraestrutura sanitária é mais pobre e frágil e os níveis educacionais são menores.

O entomologista cubano Juan Bisset considera que a mudança climática tem sua cota de responsabilidade no aumento da dengue, segundo seus estudos sobre o mosquito Aedes aegypti, principal transmissor da doença. Em sua opinião, a elevação das temperaturas como consequência das transformações climáticas abrevia os ciclos de reprodução do mosquito, e o risco de propagação do vírus se multiplica. Outros especialistas alertam que este vetor está surgindo em áreas inesperadas da Europa, como ocorreu em 2009 no sul da França e mais recentemente em Portugal.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, entre outras ações, incentivar a conscientização sobre a ameaça que representa a mudança climática para a saúde, procurar que esta ocupe o lugar que merece na agenda climática e ajudar os países a criarem capacidades para reduzir a vulnerabilidade sanitária diante das transformações do clima. “A enfermidade é o fracasso das medidas de controle do mosquito”, disse à IPS o pesquisador Bisset, chefe do departamento de controle de vetores do estatal Instituto de Medicina Tropical Pedro Kouri, sede do curso assistido por cerca de 300 especialistas de Argentina, Brasil, Estados Unidos e países da Europa.

A chave não está em se concentrar na patologia, como faz a maioria dos países, mas em combater o Aedes aegypti, garantiu Bisset, que propôs uma estratégia integrada de controle estendido (em grandes áreas). Este esquema não é novo e inclui o uso de inseticida, métodos biológicos e saneamento ambiental, entre outros. “Contudo, sempre se trabalha em áreas pequenas”, ressaltou. Em uma reunião que acontecerá no Panamá, em novembro, se deverá facilitar o intercâmbio sobre como agir para controlar este vetor, destacou Bisset.

O Aedes aegypti, segundo estudos citados pelo cientista, é oriundo da África, de onde se propagou para todas as áreas tropicais. No Caribe está presente há mais de 350 anos e é quase exclusivamente uma espécie doméstica. Seu habitat preferido são os depósitos com água relativamente limpa, com pouca contaminação e pobre em material orgânico e sais. “Cuba se caracteriza por ser uma ilha dentro de um oceano de dengue”, afirmou Bisset, ressaltando não ter dados sobre a situação atual do país quanto a focos da doença.

“Quanto ao índice vetorial, em 1987 era de 0,01, agora nos mantemos em 0,3”, informou Bisset, lembrando que se trabalha para evitar índices acima de 0,5, que facilitam a transmissão da doença. Este índice de infestação mede o número de vetores detectados a cada cem moradias. Os meses de maior proliferação do Aedes em Cuba são agosto, setembro e outubro, favorecida pelas chuvas, pelo calor e por mais traslados de pessoas, por coincidir com as férias do verão boreal.

Entretanto, as fumigações casa por casa se mantêm praticamente o ano todo, o que nem sempre é bem aceito pela população. As autoridades cubanas insistem em que a comunidade tem um papel muito importante porque o mosquito convive com a família, dentro da casa ou ao seu redor. “As pessoas sabem muito sobre dengue e Aedes, mas, mesmo assim, nem sempre facilitam nosso trabalho”, queixou-se à IPS um fumigador que acabara de encontrar vários apartamentos fechados em um prédio sob sua responsabilidade.

Cuba estabeleceu seu programa de controle para a erradicação do mosquito transmissor após a epidemia de 1981, quando houve mais de 400 mil casos, dez mil de dengue hemorrágica, a variante mais grave, com saldo de 158 mortes, 101 delas de crianças. Segundo dados oficiais, essa epidemia teve o custo econômico de US$ 103 milhões. O combate atual do vetor está baseado principalmente na redução dos criadouros, mediante controle físico, fumigação, legislação que permite multar pessoas responsáveis pelos criadouros e participação da comunidade na limpeza ambiental.

Por ora, a única e melhor opção é manter sob controle o pertinaz mosquito transmissor, enquanto o setor científico trabalha na busca de uma vacina. Durante o curso ambiental, Cuba informou que seu projeto de conseguir imunização para a dengue está na fase de estudos pré-clínicos em ratos e macacos, última etapa antes de passar à clínica, em humanos. Por sua vez, as autoridades sanitárias do Brasil, país americano com mais casos de dengue, autorizaram, no dia 17, o teste em humanos de uma vacina desenvolvida durante oito anos pelo Instituto Butantan e uma entidade norte-americana de saúde. Os primeiros resultados destes testes clínicos serão conhecidos em 2015.

Dados da OMS mostram que entre 50 milhões e cem milhões de casos de dengue são registrados a cada ano em mais de cem países e esta doença substituiu a malária como a mais prevalente transmitida por vetores nas regiões do Sul em desenvolvimento.  Envolverde/IPS