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Manifestações em massa no Paquistão contra bombardeio teledirigido

Membros do partido Paquistão Tehreek Insaf (PTI) protestam contra as operações dos Estados Unidos em Abbottabad que levaram à morte de Osama Bin Laden. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 18/6/2013 – O contínuo zumbido de aviões não tripulados é suficiente para que os residentes da Agência do Vaziristão do Norte, no Paquistão, habitualmente não queiram sair de suas casas. Porém, ultimamente começaram a se aventurar fora de suas humildes moradias de barro e pedra apesar da persistente ameaça aérea.

Motivo: protestar contra os ataques dos drones (veículos aéreos não tripulados) nessa devastada região das paquistanesas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), que se converteram em celeiro de rebeldes na fronteira com o Afeganistão e que, rapidamente, se transformam na zona zero da “guerra contra o terrorismo”, lançada pelos Estados Unidos.

Desde 2004, contam-se 335 ataques com drones que deixaram mais 3,3 mil mortos e numerosos feridos, segundo uma estimativa conservadora da Fundação New America, com sede nos Estados Unidos. Washington afirma que os ataques com aviões não tripulados, capazes de lançar uma chuva de mísseis a partir de dez mil pés de altura, estão dirigidos aos combatentes rebeldes e membros da rede extremista Al Qaeda, mas os moradores dessa província montanhosa denunciam que a população civil sofre a pior parte.

Imad Ali, que viveu toda sua vida no Vaziristão do Norte, perdeu dois filhos em ataques de drones, que parecem incapazes de distinguir entre objetivos militares e civis, e qualificou as ofensivas de “indiscriminadas e inaceitáveis”. Junto com outros residentes dessa agência de 30 mil habitantes, ele participa de manifestações convocadas pelo opositor partido Pakistan Tehreek Insaf (PTI), liderado pelo famoso jogador de críquete Irman Jan, pedindo o fim dos ataques contra não combatentes.

“Perdi minha mulher e minha filha mais velha em ataques de drones em fevereiro”, contou à IPS o professor Mohammad Rafiq, do Vaziristão do Sul. A oposição crescerá enquanto continuarem morrendo inocentes. “Passamos noites sem dormir por causa da ameaça iminente de ataques de drones. A situação é especialmente difícil para as crianças, que temem morrer a qualquer momento”, ressaltou.

Há muita gente ocupada contando os mortos, e as pessoas feridas costumam ficar relegadas a uma nota no rodapé da página. Rasool Bacha foi ferido por tiros de metralhadora em um destes ataques, em janeiro, enquanto dormia em sua casa de Dattakhlel, pequena aldeia na fronteira com o Afeganistão. “Depois, durante a manhã, soube que quatro vizinhos morreram no ataque”, contou Bacha à IPS no hospital onde realiza fisioterapia após a cirurgia.

“Todas as vítimas eram camponeses pobres, sem relação com a insurgência”, detalhou Bacha. “Não é certo os drones matam os rebeldes, pois quando chovem destroem tudo o que está em seu caminho”, acrescentou. Todos os dias, entre oito e 12 aviões não tripulados sobrevoam o espaço, afirmou, ressaltando que “os vemos diariamente com medo, apesar de sabermos que a maioria dos ataques ocorre ao entardecer”.

A população local está mais preocupada pela ameaça imediata que os ataques com drones representam para sua vida cotidiana, mas os partidos políticos impulsionam o mal-estar generalizado para colocar no centro do debate a ideia de que essas operações constituem uma agressão à soberania nacional.

Após a última série de ofensivas, nas quais morreu o subchefe do proscrito Tehreek Taliban Pakistan, Waliur Rehman, no dia 29 de maio, no Vaziristão do Norte, o primeiro-ministro eleito, Nawas Sharif, qualificou o ataque de “violação do direito internacional” e pediu urgente aos Estados Unidos que “respeitem a soberania de outros países”. O PTI, que encabeça o governo de coalizão na província de Jyber Pajtunjwa, após vencer as eleições gerais de 11 de maio, enviou uma resolução à assembleia provincial condenando e reclamando o fim imediato dos ataques.

Como Sharif, o porta-voz do PTI, Shaukat Ali Yusafzai, se apressou a dizer que seu partido foi o primeiro a denunciar o assunto, em 21 de maio de 2011, após o ataque contra um comboio da Organização do Tratado do Atlântico Norte que passava por Jyber Pajtunjwa rumo ao Afeganistão. Também afirmou à IPS que seu partido organizou uma manifestação no Vaziristão, cuja população sofreu a pior parte dos ataques.

Na medida em que se aproximavam as eleições, outros partidos que se mostraram dispostos a “explorar os sentimentos antinorte-americanos e reunir apoio eleitoral”, também estão contra esses bombardeios aéreos e uma operação pensada para limpar as áreas fronteiriças de combatentes rebeldes, segundo Mohammad Azim, ex-prefeito de Mardan, um dos 25 distritos que formam a atribulada província de Jyber Pajtunjwa.

Azim declarou à IPS que a agrupação política Muttahida Majlis e-Amal, que reuniu vários partidos religiosos para obter uma ampla vitória nas eleições de 2003, governou em Jyber Pajtunjwa e na província do Balochistão até a chegada do Talibã em 2008. Atualmente, partidos como Jamaat Islã e Jamiat Ulemai Islã tomaram as rédeas da situação em representação dos civis aterrorizados pelos ataques dos drones, e prometeram proteger a população tribal de uma ofensiva militar do governo.

O analista político Javid Hussain observou que esse tipo de operação militar, contra a qual agora os partidos dizem ser contra, ocorre nas sete agências das Fata desde 2005, e já fez com que 300 mil pessoas, dos 5,8 milhões de habitantes da região, abandonassem suas casas. “Nenhum dos dirigentes políticos se preocupou com o tema até agora”, disse à IPS, acrescentando que só lhes interessa o assunto na medida em que lhes renda créditos eleitorais.

No começo deste mês, o Alto Tribunal de Peshawar, capital de Jyber Pajtunjwa, declarou ilegais os ataques com drones e pediu ao governo que promovesse uma resolução contra o uso desses aviões no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), disse à IPS o especialista político Mohammad Arif, da Universidade Abdul Wali Jan de Mardan.

O anúncio do Tribunal foi uma resposta ao pedido apresentado no ano passado pela Fundação para os Direitos Humanos, com sede em Islamabad, que representava as famílias de mais de 50 pessoas mortas em março de 2011, quando uma chuva de mísseis caiu sobre uma reunião tribal. “A Assembleia Nacional aprovou várias resoluções qualificando esses ataques de ilegais, e pediu seu fim, mas eles continuam”, explicou Arif.

As populações tribais receberam um duro golpe quando o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou categoricamente, no dia 23 de maio, que continuariam as operações com drones contra a “Al Qadea e seus aliados”, porque mataram cidadãos de seu país. Envolverde/IPS