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Mobilidade urbana complica uma Copa Fifa sustentável

Parte das grades da Arena Dunas de Natal, um dos oito estádios da Copa Fifa que obtiveram o certificado de construção sustentável. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
Parte das grades da Arena Dunas de Natal, um dos oito estádios da Copa Fifa que obtiveram o certificado de construção sustentável. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

 

Natal, Brasil, 15/5/2014 – O Brasil concentrou a promoção da Copa do Mundo da Fifa ambientalmente sustentável na construção dos estádios. Mas as 12 cidades onde estão localizados correm contra o relógio para concluir a tempo as obras de mobilidade urbana, um obstáculo ainda não resolvido. Essa cidade, capital do Rio Grande do Norte, é uma das sedes do Mundial de Futebol e nela acontecerão quatro jogos. Com 800 mil habitantes, Natal é conhecida como “cidade do sol” porque este brilha por aqui 300 dias ao ano, e conta com 400 quilômetros de praia.

A cidade se orgulha de ter o ar mais puro do continente americano, segundo estudo realizado em 1994 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, a pedido da agência espacial dos Estados Unidos, a Nasa. A qualidade da água também é invejável, “filtrada” pelas extensas dunas que formam seu mapa urbano. Com vocação turística e um fluxo anual de 1,5 milhão de visitantes, Natal agora luta para passar uma imagem de cidade sustentável no Mundial de Futebol, que acontecerá no país de 12 de junho a 13 de julho.

O Arena Dunas de Natal foi inaugurado no dia 22 de janeiro e tem capacidade para 42 mil torcedores. Seu custo foi 30% superior aos US$ 190 milhões em que estava orçado, mas ao menos o projeto é considerado ambientalmente idôneo. A construtora OAS, que fez as obras e administra o estádio, garante que utiliza água da chuva, com isso economizando 40% da água consumida em seu interior. Quase 100% do lixo também é aproveitado e desde 2012 foram recicladas 240 toneladas de lixo.

Por outro lado, as obras de mobilidade urbana em seus arredores e por toda cidade estão sendo terminadas a toque de caixa e correm risco de não estarem prontas em 13 de junho, quando acontecerá aqui a primeira partida, colocando a imagem de Natal como cidade sustentável da Copa. Dos sete projetos urbanos previstos, apenas um terminou há um ano. Dos outros seis, três foram descartados e os restantes demoraram a sair do papel, algo que se repetiu em outras cidades que terão jogos do Mundial.

O prefeito de Natal, Carlos Eduardo Alves, do Partido Democrático Trabalhista (PDT), aliado do governo federal, garantiu à IPS que a cidade estará pronta para receber a Copa graças aos recursos federais, de US$ 250 milhões. “Quando Natal foi escolhida sede, tinha 53 meses para realizar o projeto e a obra. Quando assumimos, em janeiro de 2013, faltavam 18 meses e nada estava começado” assegurou. Nas obras urbanas trabalham atualmente por turnos 1.450 pessoas, durante as 24 horas do dia.

A Guiana gasta, em média, US$ 3 bilhões ao ano para manter e reforçar a proteção de seu litoral. Foto: Desmond Brown/IPS
A Guiana gasta, em média, US$ 3 bilhões ao ano para manter e reforçar a proteção de seu litoral. Foto: Desmond Brown/IPS

 

Segundo Alves, o dia 31 deste mês é a data-limite para entregar seis túneis e um viaduto. Um segundo viaduto não estará completado totalmente a tempo, mas funcionará para o transporte durante a Copa. “Natal não acaba com o Mundial. Nos deixará uma grande rede de drenagem subterrânea, que custou US$ 60 milhões e que estará 70% pronta para o torneio”, acrescentou.

O grande problema das cidades brasileiras é o congestionamento no trânsito e por isso foram projetados túneis e viadutos para desafogar o tráfego, explicou o prefeito. Além disso, o plano da Copa inclui plantar quatro mil árvores, acrescentou o prefeito, sem dar maies detalhes.

Entretanto, o coordenador do núcleo de estudos em transporte do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Enilson Medeiros dos Santos, duvida que todas as intervenções próximas ao estádio estarão terminadas a tempo. “Não estarão prontas. O viaduto da rodovia BR-101 (ao lado do estádio) não estava previsto no projeto original e não tem a menor chance, é uma obra em atraso”, ressaltou. Santos é uma voz de destaque no planejamento da cidade e se queixa de que sua equipe não foi consultada para a elaboração dos projetos de infraestrutura de transporte.

“Natal foi onde os investimentos federais demoraram mais a chegar. O momento do planejamento passou, fazem falta programas de investimento”, pontuou o especialista, que também criticou a desinformação. De todas as cidades que serão sede na Copa, Natal foi uma das seis suspensas no ranking de transparência elaborado em 2013 pelo Instituto Ethos. “Ninguém tem acesso aos projetos executivos, são um mistério total”, ressaltou. Natal é fruto de um desenvolvimento acelerado e está entre as cidades do Nordeste com mais alto índice de motorização, acrescentou.

A cidade tem um veículo para cada quatro habitantes, enquanto cai a demanda de transporte público. O congestionamento é parte da realidade urbana porque a frota de veículos ultrapassa as 260 mil unidades. Desde 2000, os carros aumentam ao ritmo de 20 mil por ano. “A cidade não tinha um padrão de congestionamento, mas o tráfego piorou rapidamente nos últimos dez anos. Já havíamos advertido sobre esse problema em 1998, se a cidade não criasse um transporte público de qualidade”, concluiu Santos.

Em junho de 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, a Fifa anunciou que o Mundial 2014 seguiria os princípios da sustentabilidade e que investiria nisso US$ 20 milhões. A federação garantiu que priorizaria fornecedores ambientalmente idôneos e realizaria estudos para medir os impactos do torneio sobre o entorno.

Além disso, as construções tiveram que obter um certificado ambiental obrigatório, como condição para receber financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Outro requisito desse órgão foi que as estruturas contassem com a certificação LEED (Liderança em Energia e Design Ambiental), concedido pelo Green Building Council (Conselho para a Construção Verde), dos Estados Unidos, reconhecido em mais de 130 países.

No total, oito dos 12 estádios da Copa atenderam as normas de construção sustentável com tecnologias que economizam água e energia elétrica, além de materiais reciclados, como concreto de demolição. O que parece pouco provável é o uso que se dará ao Arena Dunas depois da Copa. Existe o risco de se converter em um elefante branco, porque o público que costuma assistir jogos nessa cidade não passa de seis mil pessoas, admitiu à IPS seu gerente de negócios, Artur Couto.

Esse comparecimento mínimo significa que seriam necessários mais de três mil jogos apenas para pagar o custo da construção. Contudo, esse representante da OAS em Natal defende o uso múltiplo da estrutura. “Foi feita com o conceito de multifunção, para ser uma célula viva na cidade. Há 40 datas para jogos de futebol por ano, mas existem outros usos, como os espetáculos”, sugeriu.

Mobilização social um, expropriações zero

Em 2012, os habitantes de Natal se surpreenderam com o anúncio de que na avenida Capitão Mor Gouveia, uma das principais da cidade, seriam expropriados os imóveis de três mil moradores e 200 comerciantes para a construção de um corredor viário entre o novo aeroporto e o estádio. “Certa manhã chegou um oficial de justiça e me entregou uma carta na qual dizia que metade dos 200 metros quadrados da minha loja seriam expropriados. O fez de maneira grosseira, e me indignei. Assim, resolvemos lutar contra a medida”, contou à IPS o comerciante Jonas Valentim, de 73 anos.

Valentim tinha sua loja no mesmo lugar há 30 anos e o susto foi enorme. “Quando soubemos que aqui haveria jogos da Copa todos ficamos felizes, porque não sabíamos que nos golpeariam tanto”, contou. O comerciante se converteu em um dos representantes da Associação dos Prejudicados pelas Obras para a Copa em Natal, criada em 2012, e também integra o Comitê Popular da Copa, dedicado a denunciar que as obras de infraestrutura estão desvinculadas das necessidades da cidade.

O caso da Capitão Mor Gouveia foi emblemático porque deu exemplo de como as comunidades podem evitar a desapropriação forçada. As autoridades não haviam consultado especialistas, mas os moradores da avenida recorreram à universidade regional para que os ajudasse a elaborar um projeto alternativo. “Fizemos sugestões para utilizar outras avenidas de pouco uso e onde não haveria desapropriações”, detalhou Valentim. Esse é o projeto que está sendo executado e que não precisou desalojar ninguém. Envolverde/IPS