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Na Cúpula das Américas, governos “estão ouvindo” as pessoas

A colombiana Socorro Ramírez coordena o Fórum Social da VI Cúpula das Américas, em Cartagena. Foto: Constanza Vieira/IPS

Cartagena de Índias, Colômbia, 13/4/2012 – Em preparação à VI Cúpula das Américas, seu Fórum Social realizou, desde setembro, 25 encontros e dezenas de consultas virtuais e sessões de trabalho, com participação de aproximadamente sete mil pessoas. Para a coordenadora do Fórum, a colombiana Socorro Ramírez, os governos do continente “estão ouvindo”.

O Fórum está acontecendo desde o dia 9 neste porto colombiano do Caribe, e termina hoje com um “diálogo político” do qual participarão os chanceleres americanos, com exceção do representante de Cuba, e será fechado pelo presidente anfitrião, Juan Manuel Santos, e seu colega boliviano, Evo Morales.

Durante a semana, os 950 representantes destes encontros afinaram propostas comuns e fórmulas de implantação. Para Ramírez, o Fórum Social da VI Cúpula das Américas, que esta cidade recebe nos dias 14 e 15, “foi sendo construído em ‘anticúpulas’ e cúpulas anteriores”. Segundo Ramírez, Cuba não participa da cúpula com o argumento de que não é membro da organização dos Estados Americanos, mas sua inclusão “é um tema que já foi irreversivelmente colocado na agenda”.

Ramírez foi candidata presidencial socialista em 1978. Feminista, dirigente sindical, historiadora e especialista política com pós-doutorado, também foi catedrática e pesquisadora na estatal Universidade Nacional. Coordenou trabalhos importantes sobre as relações internacionais entre Colômbia e países vizinhos.

A “anticúpula” a que se referiu é a V Cúpula dos Povos, que também acontece, entre os dias 12 e 14, em Cartagena, aí sim contando com a presença de Cuba. “É de gente de esquerda, ou de gente que também sente que o espaço não está todo aberto”, explicou Ramírez. “Creio que se abriu. Fizemos na Colômbia 20 fóruns, e 60 mais em todos os lados, conseguimos tomar os temas da cúpula e dar-lhes entradas diferente,s todas as possibilidades desde os setores sociais”, destacou.

“Conseguimos que este espaço fosse uma realidade. Foi extraordinário, porque se conseguiu que o governo colombiano entendesse e aceitasse que era fundamental criar as melhores condições para um espaço de interlocução com a sociedade”, enfatizou Ramírez. “Hoje será a primeira vez que se conseguirá, em qualquer evento internacional, que haja um diálogo de toda esta multiplicidade de atores sociais com governos”, acrescentou.

Ao diálogo político destinaram duas horas da agenda, durante a manhã. Desta vez os governos escutarão? “Pois estão ouvindo”, respondeu Ramírez. “Isto que chamamos caminho para Cartagena foi um debate intenso”, prosseguiu. Suas diretrizes e propostas foram entregues paulatinamente às reuniões de negociação dos governos sobre os documentos que a conferência de governantes aprovará.

Os encontros discutiram os cinco temas da IV Cúpula: integração física, acesso e uso de novas tecnologias, pobreza e iniquidade, desastres naturais e segurança. Ramírez espera que ao final do Fórum Social a sociedade tenha sido capaz de unificar iniciativas para que o diálogo de hoje “reflita a pluralidade e seja tão contundente que consiga fazer os governos falarem sobre os temas essenciais”.

Também acredita que “não será um monólogo, mas realmente um pronunciamento dos governos sobre as iniciativas que surgem aqui, da IV Cúpula de Líderes Indígenas, dos afrodescendentes, das redes de mulheres, da força boliviana que chegou na madrugada do dia 11: mineradores, mulheres, indígenas, e que estão todos no Fórum”.

Assim, os governos perceberão “a capacidade de iniciativa, de diálogo, de protesto, para verem que as sociedades estão em uma capacidade cada vez maior de olhar o conjunto de temas das Américas”, opinou Ramírez. É difícil que uma cúpula mude algo, mas ela está otimista, pois em Cartagena está se evidenciado que há “outra América Latina e outro Caribe, mais próximos, com divergências, mas capazes de consenso”.

É a região que “está aqui apresentando os temas, e aos Estados Unidos resta dizer: ‘ok, vamos falar disso que vocês estão dizendo que querem falar’”, acrescentou Ramírez. A percepção que existe, bastante generalizada aqui nos foruns, é que Cartagena produziu alguns efeitos antes da chegada dos presidentes, pelo menos em dois temas: Cuba e drogas”, explicou.

O que se dirime já não é um tema para acadêmicos e ex-governantes, “mas já estão sendo discutidos pelos presidentes. E os Estados Unidos tiveram que dizer ok. Tomara resulte em um debate organizado, sobretudo quanto a alternativas”, concluiu a coordenadora.

O que importa para as pessoas

Indígenas: A maior preocupação expressada na IV Cúpula de Líderes Indígenas é a integração física. São considerados inviáveis os megaprojetos que convertem o desenvolvimento em “extermínio” dos mais vulneráveis.

Novas tecnologias: Os jovens dizem que os países latino-americanos continuam vivendo da extração de recursos naturais e não apostam na ciência e na tecnologia, nem em melhorar a capacidade de inovação. Quando acabarem os recursos, ficarão pior do que nunca.

População negra: As redes negras são, talvez, o setor social que mais força e participação mostrou nos fóruns. Consideram que os afrodescendentes continuam concentrados na pobreza e excluídos da melhoria regional das condições de vida.

Desastres: Os perigos naturais aumentam. A quantidade de desastres acumulados potencializa os efeitos da mudança climática, mas não aumenta a capacidade dos Estados nem das sociedades para prever o risco. As respostas dos governos são pontuais. O risco deve ser pensado e enfrentado em um sentido regional.

Segurança: Foi o tema que atraiu mais participantes e com maior número de fóruns. Cada um abordou a segurança de diferentes pontos de vista.

Drogas: Os encontros prévios constataram que a política antidrogas hoje produz mais efeitos negativos do que positivos, que os chamados triunfos são parciais e transitórios e que o triunfo de um é a desgraça do outro. O horizonte é o fim da política de proibição. Por isto, é preciso não ficar preso no debate proibição-legalização e começar a gerar uma política que reduza riscos e danos em todas as dimensões do problema, começando pela produção. Houve consenso absoluto de que não se pode continuar criminalizando o produtor de pequena economia camponesa e sem saída.

Cuba: Se a América Latina e o Caribe já envolvem Cuba em tudo, por que os Estados Unidos continuam atados a uma herança da Guerra Fria, como disse o próprio presidente Barack Obama? Por que os Estados Unidos acabaram autobloqueados com o bloqueio, foram algumas das perguntas. Envolverde/IPS