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O caminho da pobreza leva às madrasas

Alunos de uma madrasa. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS
Alunos de uma madrasa. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 21/11/2013 – Mustafa Jan, vendedor de cigarros em beira de estrada em uma aldeia paquistanesa, tem uma simples razão para enviar seus dois filhos a uma madrasa (seminário islâmico) e não à escola do governo. “Não podemos pagar. Não temos dinheiro para comprar os livros nem os uniformes. Na madrasa, onde estudam meus dois filhos mais velhos, dão comida grátis e uma educação muçulmana”, disse Jan à IPS.

Esse homem vive na aldeia de Badshah Jel, na província de Jyber Pajtunjwa, vizinha às Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), no norte do Paquistão, das quais Peshawar é seu centro administrativo. Toda essa região precisa desesperadamente reforçar seu sistema educacional e melhorar as matrículas nas escolas para, assim, reduzir a influência das madrasas.

Esses seminários religiosos são considerados um celeiro de terroristas no norte paquistanês, onde o movimento islâmico Talibã está muito ativo e onde a pobreza aguda e a militância radical seguem juntas. “A pobreza está forçando as pessoas a enviarem seus filhos para as madrasas”, reconheceu à IPS o ministro da Educação de Jyber Pajtunjwa, Muhammad Atif.

Em setembro, a província lançou uma campanha de matrícula escolar gratuita, para incluir mais 2,6 milhões de meninos e meninas no sistema educacional, e até agora matriculou apenas 80 mil, disse Atif. Curiosamente, foi constatado que muitas crianças matriculadas em escolas do governo também frequentavam seminários religiosos. “Cerca de 12 mil crianças matriculadas em escolas formais, na verdade estudavam em madrasas porque seus pais não podiam arcar com os custos”, afirmou.

A renda por habitante na província é de US$ 900 ao ano, bem menos do que a média nacional de US$ 1.380, segundo o Escritório Federal de Estatísticas. A população provincial supera os 21 milhões, em um país com 182 milhões de habitantes. O terrorismo, o fechamento de fábricas e a queda da renda com agricultura são as principais razões por trás da deterioração econômica da província. Trata-se de um círculo vicioso que obriga as crianças a irem para seminários religiosos em busca de alimento, roupa, alojamento, e, naturalmente, educação gratuita.

Segundo um informe de 2009 do Departamento de Educação de Jyber Pajtunjwa, há 8.971 seminários religiosos na província, nos quais 150 mil alunos recebem aula sobre o Alcorão, jurisprudência islâmica e hadices (ditos e ações do profeta Maomé). As escolas estatais também dão educação gratuita até o quinto grau. “Temos cinco milhões de crianças que recebem educação gratuita em 29 mil escolas. Também fornecemos livros e uniformes aos estudantes de graça” garantiu Atif.

Contudo, claramente, isso não basta. Cerca de 500 mil crianças entre cinco e 15 anos não vão à escola em Jyber Pajtunjwa, e outras 200 mil estão na mesma situação nas Fata, segundo os respectivos departamentos de ensino. “O governo deve matricular mais estudantes nas escolas formais para impedir que caiam nas mãos do Talibã”, opinou Mohammad Salar, professor de ciências políticas na Universidade Abdul Wali Jan. “Milhares de estudantes dos seminários lutam nas fileiras do Talibã”, lamentou em conversa com a IPS.

O Escritório Federal de Estatísticas diz que o custo mensal da educação por criança nas escolas do governo é inferior a US$ 5, mas muitos pais não podem pagar nem mesmo isso. Os pais também dizem que não há garantia de que as crianças conseguirão emprego ao completarem os estudos. A situação parece especialmente difícil nas Fata, onde 50% das meninas e meninos não vão à escola

“A alfabetização nas Fata é inferior à de qualquer outra parte do país, devido à militância” islâmica, explicou à IPS o diretor-adjunto do Departamento de Educação dessa jurisdição, Manzar Ali Sajid. A taxa de alfabetização nas Fata é de apenas 36,6% entre os homens e 10,5% entre as mulheres, contra a média nacional de 79% e 61%, respectivamente, afirmou. O diretor destacou que o governo aprovou um plano para criar um segundo turno escolar, entre duas e seis horas da tarde, para facilitar as matrículas.

No entanto, há uma grande batalha pela frente. As Fata têm 585 madrasas, com cerca de 14.560 estudantes. Aproximadamente 750 escolas na região foram destruídas pelo Talibã desde 2005, segundo o Departamento de Educação. Abdul Qudos, economista da Universidade de Peshawar, insiste que o Paquistão precisa investir mais em educação. “Gastamos 2,1% do produto interno bruto em educação, que nem mesmo é metade dos desejados 5%”, ressaltou. Quando o sistema educacional paquistanês fracassa, as madrasas ganham.

Maulana Samiul Haq, diretor da madrasa Darul Uloom Haqqania, em Jyber Pajtunjwa, assegurou que em sua instituição há 4.500 estudantes. “Todos pertencem a famílias pobres e recebem alimentação grátis, alojamento, roupa e outros artigos de uso diário”, explicou à IPS. Alunos de sua madrasa ocuparam altos postos no regime que o Talibã impôs no Afeganistão entre 1996 e 2001, quando foi desalojado do poder pelas forças lideradas pelos Estados Unidos.

Junaid Shah, comerciante, envia seus dois filhos a Darul Uloom Haqqania. “Ficam lá e estudam, e conseguem tudo de graça. Só podemos vê-los uma vez por mês”, contou. Ele gostaria de lhes dar uma educação formal, mas, como muitas pessoas de baixos recursos no Paquistão, suas opções são muito limitadas. Envolverde/IPS