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O Caribe debate reclamação à Europa por escravidão

Choças para escravos criadas por colonialistas holandeses em Bonaire, perto das minas de sal. Foto: V.C.Vulto/GNU license
Choças para escravos criadas por colonialistas holandeses em Bonaire, perto das minas de sal. Foto: V.C.Vulto/GNU license

 

Puerto Espanha, Trinidad e Tobago, 1/8/2013 – À véspera das celebrações pelo Dia da Emancipação, os Estados do Caribe discutem novamente a possibilidade de reclamar da Europa reparações pela escravidão. O primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves, que publicamente prometeu “não dar trégua” a esse assunto, disse à IPS: “Do meu ponto de vista, temos um caso muito sólido para levar perante um tribunal adequado”.

Na semana passada, ao falar em Cuba por ocasião do 60º aniversário do assalto ao Quartel Moncada, Gonsalves insistiu em exigir dos antigos impérios coloniais europeus reparações pelo genocídio dos indígenas e pela escravidão de africanos. “A principal razão do subdesenvolvimento no Caribe e na América Latina é o legado do genocídio nativo e da escravidão africana”, afirmou.

Na cúpula da Comunidade do Caribe (Caricom) em Puerto Espanha, no começo de julho, Gonsalves apresentou aos líderes da região três documentos com informação histórica e legal avalizando a reclamação de reparação, incluindo um elaborado pela professora Hillary Beckles, vice-reitora da Universidade das Índias Ocidentais. Beckles é autora do livro Britain’s Black Debt: Reparations Owed the Caribbean for Slavery and Indigenous Genocided (A Dívida Negra da Grã-Bretanha: as Reparações Devidas ao Caribe pela Escravidão e pelo Genocídio Indígena).

Gonsalves comemorou a decisão da Caricom de criar um novo comitê dedicado ao tema, que será presidido pelo primeiro-ministro de Barbados, Freundel Stuart. Este órgão, que supervisionará o trabalho da Comissão de Reparações da Caricom, estará formado por representantes de Guiana, Haiti, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago, pelos presidentes dos respectivos comitês nacionais de reparação e um delegado da Universidade das Índias Ocidentais.

Kafra Kambon, presidente do Comitê de Apoio à Emancipação em Trinidad e Tobago, disse à IPS que é importante que as organizações não governamentais e a população do Caribe em geral apoiem as iniciativas dos governos da região. Kambon, cujo grupo organiza as atividades anuais do Dia da Emancipação, observou que esse apoio é necessário já que “os governos europeus tentarão pressionar os líderes caribenhos para que abandonem a ideia” de pedir uma compensação.

“Temos que dar força a essa reclamação de reparações”, ressaltou Kambon à IPS, e qualificou o tráfico de escravos como “crime em massa que vai além da imaginação humana. As pessoas sofreram danos psicológicos. Saímos da escravidão sofrendo extremo trauma”, afirmou. No Suriname, o Comitê Nacional de Reparações procura conseguir um consenso nacional a respeito, divulgando informação detalhada dos acontecimentos históricos.

“Vamos trazer à luz a informação sobre a escravidão e o genocídio de nossos primeiros habitantes”, disse o presidente do órgão, Armand Zunder. “Pensávamos que lutaríamos sozinhos, mas agora sabemos que temos pleno apoio. Fizemos grandes avanços”, destacou Zunder, que no começo deste mês apresentou na Holanda o primeiro pedido de reparações aos descendentes de escravos no Suriname, citou investigações apontando que a riqueza obtida pela Holanda do Suriname durante a escravidão chegou a US$ 165,7 bilhões.

Por outro lado, a Coalizão para Reparações Pan-Africanas na Europa (Parcoe) enviou uma longa carta aos líderes do Caribe apontando que seu “enfoque verticalista”, sem contemplar a sociedade civil, poderia “acabar frustrando as aspirações de compensação das massas de descendentes africanos e cidadãos indígenas” da região.

Os vice-presidentes da Parcoe, Esther Stanford-Xosei e Kofi Mawuli Klu, escreveram que o Caribe deve evitar “os mesmos erros cometidos pelo Grupo de Pessoas Eminentes da antiga Organização Pan-Africana, de não realizar uma efetiva consulta sobre estratégias de reparação, informar-se e atuar pelos melhores interesses dos diversos países africanos”.

Na carta citaram o trabalho da ativista e professora de leis norte-americana Mari Matsuda, para quem as reclamações de reparações devem incluir a sociedade civil, em um enfoque “de baixo para cima”. Com “de baixo para cima” Matsuda se refere à experiência viva daqueles indivíduos e grupos que denunciam a violação de direitos, em lugar daqueles que tradicionalmente definem o alcance das reparações legais, como juízes, associações de advogados e outros grupos que são parte do status quo social, legal e econômico”, ressaltaram. Envolverde/IPS