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O Iraque ressurge no radar dos Estados Unidos pela queda de Faluja

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O primeiro-ministro Nouri Al Maliki pressiona Washington pelo envio de aeronaves de combate desde antes da retirada dos Estados Unidos do Iraque, em 2011. Foto: Domínio público

 

Washington, Estados Unidos, 10/1/2014 – A tomada da cidade de Faluja pelo Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EISS), uma organização armada vinculada à Al Qaeda, voltou a atrair a atenção de Washington para o país que pretendia ter deixado para trás permanentemente. A administração do presidente Barack Obama descartou toda intervenção militar direta, passados dois anos desde que os últimos soldados de combate norte-americanos abandonaram o Iraque em dezembro de 2011.

Entretanto, se apressou a enviar mísseis Hellfire e outros equipamentos militares para o exército iraquiano, que cerca a cidade sob o controle de EIIS desde o dia 4. Faluja é a segunda cidade da província de Al Anbar e o epicentro da insurgência sunita durante os oito anos da ocupação norte-americana.

Washington também procura que ao menos um legislador, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Robert Menéndez, libere a entrega de uma frota de helicópteros de ataque Apache solicitada pelo primeiro-ministro iraquiano, Nouri Al Maliki. O líder de uma coalizão xiita pressionou para que o governo norte-americano envie os helicópteros e aviões de combate F-16, mesmo antes da retirada dos Estados Unidos, e mais recentemente durante uma visita a Washington em novembro.

Mas alguns críticos de Maliki e do governo de Obama querem que o primeiro-ministro demonstre maior flexibilidade quanto às reclamações da minoria sunita no Iraque. Para isso, pedem que a ajuda adicional para Bagdá seja condicionada a Maliki adotar um firme compromisso nesse sentido.

“É importante matar e capturar os guerrilheiros da Al Qaeda, certamente, mas sem a reconciliação política com a população sunita” a organização extremista “não terá problemas para repor suas perdas”, escreveu Max Boot, analista militar do independente Council on Foreign Relations. Boot se opôs firmemente à decisão de Obama de retirar os soldados do Iraque depois que o parlamento desse país se negou a conceder imunidade jurídica aos efetivos norte-americanos por suas ações no país.

“De fato, a aplicação indiscriminada da capacidade de ataque de Maliki, embora possa cair bem para a base xiita do primeiro-ministro, provavelmente incite maior oposição sunita”, escreveu Boot no blog neoconservador Commentary. Mas outros analistas em Washington discordam e insistem que se deve derrotar o EIIS, preferivelmente com ajuda de guerrilhas locais alinhadas ao exército iraquiano. Asseguram que lançar a culpa sobre Maliki pela situação atual “confunde causa com efeito”.

Segundo Douglas Ollivang, da New America Foundation, “o problema fundamental é que um número importante de anbaris ainda não se conforma com a perda de poder – e dos privilégios – após a queda de Saddam Hussein” (em 2003).

Ollivant foi um assessor importante do general David Petraeus, o comandante das forças norte-americanas que intervieram em Al Anbar e Bagdá em 2007 e 2008 e limitaram as matanças internas que levaram o Iraque à beira da guerra civil em 2006. “Isso gerou dois resultados: as manifestações para expressar reclamações que são politicamente impossíveis fora de um sistema autoritário e o retorno à violência que a Al Qaeda tentou precipitar durante anos”, escreveu Ollivant na página digital da revista Foreign Policy.

Algumas versões indicavam, no dia 8, que o EIIS iniciou sua retirada de Faluja sob pressão dos dirigentes locais, que temem uma nova destruição, como a que a cidade sofreu durante o cruel cerco pelas forças norte-americanas em 2004. Porém, o EIIS conseguir tomar a cidade, bem como partes de Ramadi, a capital provincial, ainda que brevemente, destaca a ameaça que existe de uma guerra civil semelhante à que afeta a Síria há quase três anos.

O EIIS, força insurgente dominante na vizinha Síria, declarou sua intenção de estabelecer um emirado transnacional como parte de um objetivo mais amplo de anular a influência do Irã xiita. Maliki, o presidente sírio Bashar al Assad e o grupo libanês Hezbolá são considerados por esse grupo meros títeres de Teerã.

O próprio Obama declarou que quer evitar “tomar partido em uma guerra religiosa entre xiitas e sunitas”, seja na Síria ou no resto da região. Seu secretário de Estado, John Kerry, expressou postura semelhante com relação ao Iraque, no dia 5, em Jerusalém.

“Esta luta pertence aos iraquianos”, ressaltou, mas acrescentando que Washington faria “o possível” para ajudar Bagdá a derrotar o EIIS, cujos integrantes Kerry denominou de “os atores mais perigosos” da região. “Não contemplamos, obviamente, regressar (ao Iraque). Não estamos contemplando colocar as botas no terreno. Esta é sua luta, mas vamos ajudá-los em sua luta”, garantiu.

Além dos mísseis Hellfire, que hoje armam os aviões ligeiros das alas fixas da pequena força aérea iraquiana, Washington se comprometeu a acelerar a entrega de aviões teledirigidos de vigilância, ou drones, que podem exigir a capacitação do pessoal iraquiano.

Vários funcionários teriam exortado o governo a oferecer drones armados ao Iraque com a condição de serem operados pela Agência Central de Inteligência (CIA), como ocorreu no Paquistão e no Iêmen. Contudo, considera-se pouco provável que Maliki aceite esta condição.

A maioria dos analistas concorda que os helicópteros Apache, dos quais Bagdá encomendou várias dezenas, seriam particularmente mais eficazes contra as supostas unidades do EIIS no deserto aberto de Al Anbar. Mas a entrega destes aparelhos está trancada por alguns legisladores preocupados porque poderiam ser usados contra a oposição política legítima. As forças iraquianas reagiram várias vezes de maneira letal contra protestos inicialmente pacíficos.

As unidades antiterroristas treinadas pelos Estados Unidos também foram acusadas no ano passado de graves violações por observadores de direitos humanos, inclusive do assassinato e da detenção arbitrária de destacados dirigentes e ativistas sunitas.

O governo de Obama também deplorou o que considera a inclinação cada vez mais sectária de Maliki, e o pressionou a adotar uma postura mais conciliatória com a comunidade sunita, especialmente em Al Anbar, onde o movimento guerrilheiro Sahwa (Despertar) teve, com apoio dos Estados Unidos, um papel decisivo na derrota da Al Qaeda em 2007 e 2008. Washington se queixa de que Maliki descumpriu em grande parte os compromissos para integrar membros do Sahwa ao exército e às forças de segurança iraquianas.

Para superar essas preocupações, o vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, manteve consultas praticamente diárias com Maliki e dirigentes sunitas durante toda a primeira semana deste ano. Biden falou por telefone com Maliki no dia 8 e “incentivou o primeiro-ministro a continuar com o diálogo entre o governo iraquiano e os dirigentes locais, tribais e nacionais”, declarou a Casa Branca em um comunicado. Além disso, “recebeu com satisfação a decisão do Conselho de Ministros de estender os benefícios estatais às forças tribais que morreram ou foram feridas na luta contra o Estado Islâmico do Iraque e o Levante” (EIIS).

Maliki também enviou uma carta ao senador Menéndez, o reduto contrário à venda dos helicópteros, detalhando as medidas que adotará para envolver a comunidade sunita e garantir que as armas dos Estados Unidos sejam usadas apenas na luta contra o terrorismo, segundo a publicação digital The Daily Beast.

Por outro lado, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Cruz Vermelha e a organização Human Rights Watch (HRW) expressaram preocupação pela situação humanitária em Faluja. Fizeram eco às versões de que estariam esgotando os alimentos e a água da cidade. Mais de dez mil habitantes a teriam abandonado desde que os combates começaram, em 1º deste mês.

A HRW denunciou que as forças do governo lançaram morteiros de forma indiscriminada sobre bairros civis, enquanto os combatentes do EIIS e suas forças aliadas realizaram ataques a partir de regiõespovoadas. Envolverde/IPS

* O blog de Jim Lobe sobre política externa dos Estados Unidos pode ser lido em Lobelog.com.