Arquivo

OIT investigará trabalho infantil no setor do algodão do Uzbequistão

Uma criança uzbeque trabalha na colheita de algodão. Foto: International Labour Rights Forum
Uma criança uzbeque trabalha na colheita de algodão. Foto: International Labour Rights Forum

 

Tashkent, Uzbequistão, 19/9/2013 – O governo autoritário do Uzbequistão cedeu a reiteradas pressões e decidiu permitir que uma missão internacional comprove se existe trabalho infantil na colheita do algodão. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) confirmou à EurasiaNet.org que enviará uma missão para inspecionar as colheitas de algodão nesse país, que começaram este mês.

“A OIT participará do monitoramento da colheita de algodão no Uzbequistão com o objetivo de impedir o uso de mão de obra infantil”, confirmou, no dia 12, o porta-voz da organização, Hans von Rohland, em um e-mail. O Uzbequistão é alvo de críticas internacionais e de amplo boicote comercial por empregar trabalho infantil e forçado na colheita do algodão. No começo desse ano, o Departamento de Estado norte-americano criticou o país por esse motivo.

O surpreendente anúncio de uma missão de observadores ao Uzbequistão – que sempre negou que o Estado permitia o uso sistemático de trabalho infantil e forçado, mas há anos rejeita as inspeções – despertou um cauteloso boas-vindas de organizações de vigilância. Os defensores dos direitos trabalhistas se preocupam com o mandato da OIT não ter o alcance necessário para erradicar os abusos nos algodoais.

“Nos agrada a OIT enviar equipes ao Uzbequistão para controles durante a colheita”, declarou este mês a não governamental Cotton Campaign. “Nos preocupa o fato de os inspetores da OIT estarem acompanhados de representantes do governo, do sindicato estatal oficial e dos empregadores, cuja presença intimidará os cidadãos dispostos a falar”, acrescentou em sua declaração.

Von Rohland, porta-voz da OIT, confirmou que a missão “implica a cooperação com as autoridades locais encarregadas dos assuntos relativos ao trabalho infantil, bem como com especialistas das organizações de empregadores e dos sindicatos”. Os participantes locais da missão serão capacitados pela OIT para “garantir que a inspeção seja confiável”, acrescentou. Um dos objetivos “é aprofundar a consciência e a capacidade dos atores nacionais para garantir o pleno respeito às disposições das convenções ratificadas”, ressaltou.

O Uzbequistão ratificou duas convenções da OIT sobre trabalho infantil, mas ativistas pelos direitos humanos dizem que as viola impunemente. Preocupa os ativistas os observadores não conseguirem ter acesso aos algodoais sem restrições. “É essencial que as equipes estejam integradas apenas por observadores independentes, sem nenhum funcionário local”, argumentou à EurasiaNet.org Steve Swerdlow, pesquisador sobre Ásia central na organização Human Rights Watch.

É fundamental que não haja vigilantes quando se conversar com os trabalhadores, para que possam se expressar livremente, afirmou Swerdlow. “Está bem documentada a capacidade do governo do Uzbequistão para suprimir toda dissensão”. Também preocupa que a delegação da OIT examine apenas a questão do trabalho infantil, e não o forçado, embora o país tenha assinado convenções relativas ao segundo problema, o que daria uma base legal para realizar as inspeções.

“O mandato da missão deveria incluir explicitamente o trabalho forçado em todo o sistema da colheita de algodão, já que afeta milhões de cidadãos e repousa em um regime de coerção patrocinado pelo Estado”, ressaltou Swerdlow. O representante da OIT disse que “a inspeção se centrará no trabalho infantil, incluído o trabalho infantil forçado, e é provável que surjam aspectos importantes” nesse caso.

A Cotton Campaign documentou casos de trabalho forçado nos preparativos da colheita. “Na primavera de 2013 as autoridades mobilizaram meninos e adultos para arar e desmatar, e bateram em agricultores que plantaram cebolas em lugar de algodão”, informou a organização, que no verão documentou “preparativos para levar à força enfermeiras, professoras e outros trabalhadores do setor público para a colheita do algodão”.

A produção algodoeira do Uzbequistão se vale do trabalho forçado para conseguir que os agricultores cumpram as cotas de colheita fixadas pelo governo. Os trabalhadores forçados podem pagar para se livrar dessas tarefas. Este ano devem entregar o equivalente a US$ 200, ou cinco salários mínimos, segundo o Uzmetronom.com. Os catadores recebem um salário miserável, que no ano passado ficou entre US$ 0,07 e US$ 0,10 por quilo, segundo esse site.

O “ouro branco” é a galinha dos ovos de ouro para o governo. O país é o quinto maior produtor mundial e o segundo maior exportador de algodão, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). O algodão representou 11% da renda com exportações em 2011, segundo informe do grupo de pressão Responsible Sourcing Network.

O Uzbequistão é alvo de uma longa campanha contra o trabalho infantil, que há dois anos levou a Semana da Moda de Nova York a proibir a apresentação da estilista Gulnara Karimova, filha do presidente Islam Karimov. A Responsible Sourcing Network instituiu um compromisso escrito “para garantir que o trabalho forçado de crianças e adultos no Uzbequistão não tenha lugar em nossos produtos”, que já foi assinado por 131 empresas varejistas, incluídas marcas renomadas como Nike e Adidas.

Diante dessa avalanche de publicidade negativa, as autoridades tomaram medidas no ano passado para excluir as crianças menores dos algodoeiros, o que foi “uma recordação de que às vezes a pressão funciona, mesmo sobre governos com antecedentes tão autoritários como o de Tashkent”, enfatizou Swerdlow. Contudo, um informe da Human Rights Watch conclui que a medida apenas mudou a carga de lugar, para os ombros de adultos e crianças mais velhas.

Os ativistas acusam há tempos governos do Ocidente de fazerem vista grossa diante dos abusos no Uzbequistão por razões geopolíticas e estratégicas. O Uzbequistão está na Rede de Distribuição do Norte, uma rota estratégica para o transporte para e do Afeganistão, que ganhará mais importância quando as tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) se retirarem desse país vizinho, no final de 2014.

O Ocidente deveria fazer geopolítica, por um lado, e aproveitar a oportunidade para exercer maior pressão sobre o governo desse país, afirmam grupos humanitários. “Definitivamente, um Uzbequistão cheio de um espectro tão amplo de abusos corre o risco de cair em uma instabilidade mais grave e explosiva para si mesmo, para seus 30 milhões de habitantes e para a região”, concluiu Swerdlow. Envolverde/IPS

* Joana Lillis é jornalista independente especializada em temas da Ásia central. Publicado sob acordo com Eurasia.Net.org.