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ONU aponta para a impunidade no Oriente Médio

Sessão especial do Conselho de Direitos Humanos sobre os ataques a Gaza, no dia 23 deste mês. Foto: Violaine Martin/Nações Unidas
Sessão especial do Conselho de Direitos Humanos sobre os ataques a Gaza, no dia 23 deste mês. Foto: Violaine Martin/Nações Unidas

Genebra, Suíça, 25/7/2014 – O sistema de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) estremeceu novamente diante das evidências da impunidade com que atuam os protagonistas do prolongado conflito do Oriente Médio, agravado desde o dia 8 pelos sangrentos ataques de Israel à Faixa de Gaza.

O Conselho de Direitos Humanos da ONU se declarou convencido de que a ausência de responsabilidade pelas violações do direito internacional “reforça uma cultura de impunidade” nessa região, durante uma sessão especial para discutir a situação em Gaza, realizada esta semana.

Para enfrentar o problema, o Conselho, com sede nesta cidade suíça, apelou ao mesmo expediente utilizado durante a primeira guerra de Gaza: o envio de uma comissão independente e internacional para que investigue “todas as violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos”.

Antes desse primeiro conflito na região, iniciado em 27 de dezembro de 2008 e que se prolongou por três semanas, o Conselho outorgou um mandato semelhante a uma missão integrada por três juristas de renome, o sul-africano Richard Goldstone, como presidente, o paquistanês Hina Jilani e a britânica Christine Chinkin, além do coronel Desmond Travers, especialista aposentado das forças armadas irlandesas.

O informe da Comissão Goldstone, conhecido em setembro de 2009, acusou de crimes de guerra e de ataques deliberados a civis tanto Israel quanto o Hamas, os mesmos lados desta terceira guerra de Gaza. A segunda Guerra de Gaza durou apenas uma semana, de 14 a 21 de novembro de 2012, com igual coreografia, foguetes do Hamas contra Israel, que neste caso chegaram até Tel Aviv, e represálias israelenses para destruir as bases de lançamento palestinas.

Na primeira guerra morreram 1.400 palestinos, metade deles civis, e 13 israelenses, sendo três civis. No segundo conflito caíram 170 palestinos e não houve informações de baixas israelenses. Nas duas semanas do conflito atual, os mortos palestinos somam cerca de 650, dos quais aproximadamente 150 crianças e 75 mulheres. O número de refugiados pelos combates na Faixa de Gaza chega a 140 mil, segundo informou durante a sessão especial do Conselho a Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay.

A intensificação das hostilidades na crise atual aumentou as preocupações de Pillay, que apontou ao Conselho que “a cultura da impunidade por denunciadas violações do direito internacional convidam a mais transgressões”. Em seguida, a comissária pronunciou a frase que teve especial repercussão. “Crimes de guerra e crimes de lesa humanidade são dois dos mais graves tipos de crimes que existem, e as denúncias dignas de crédito de que esses crimes são cometidos devem ser verdadeiramente investigadas. E até o momento não o foram”, alertou.

O relator especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados desde 1967, Makarim Wibisono, disse à IPS que Pillay se referiu à ausência de investigações sobre os assassinatos em massa cometidos nos inícios das operações militares por parte de Israel. O relator alertou os dois lados que os ataques indiscriminados e desproporcionais contra centros de população equivalem a crimes de guerra e os responsáveis por esses atos, como por outras violações dos direitos humanos, devem ser responsabilizados.

Nesse contexto, “saudamos os passos que foram dados”, ressaltou Wibisomo, acrescentando que se referia à investigação iniciada por Israel, que determinou a detenção de seis israelenses como supostos responsáveis de terem queimado vivo, no dia 2, o palestino Muhammed Abu Khdeir, de 16 anos. Esse episódio e a anterior descoberta, no dia 30 de junho, dos corpos de três jovens israelenses aparentemente assassinados, são considerados os detonadores dos atuais enfrentamentos.

Philippe Dam, subdiretor do escritório da organização Human Rights Watch em Genebra, disse à IPS que, durante vários conflitos armados, nem Israel nem as autoridades palestinas adotaram a mais remota medida adequada para perseguir os violadores das leis da guerra. Dam compartilhou da ideia de enviar a missão para informar sobre as violações cometidas por todas as partes, identificar os responsáveis por crimes graves e formular recomendações a todos os setores e à ONU.

O representante da Anistia Internacional junto às Nações Unidas em Genebra, Peter Splinter, destacou que a missão investigadora tem de se apoiar nas análises e nas conclusões do informe Gladstone. Desta vez “a comunidade internacional deve apoiar plenamente as disposições para garantir a prestação de contas e justiça para as vítimas. Não deve desperdiçar a oportunidade como fez quando as recomendações do informe Gladstone não foram aplicadas”, pontuou à IPS.

Renate Bloew, representante da aliança cidadã internacional Civicus junto à ONU nesta cidade Suíça, pediu uma investigação parcial da comissão investigadora de todos os crimes cometidos, incluídos os de lesa humanidade. “Acima de tudo estamos consternados pela tragédia de o Estado de Israel, que depois de sua história do Holocausto merece mais do que ninguém viver em paz e com fronteiras seguras, tenha se transformado de vítima em algoz”, afirmou à IPS.

O envio da missão investigadora foi rechaçado por Israel, que tem status de observador no Conselho. “Não temos necessidade de uma comissão, disse seu representante”, assegurando que o Hamas é o agressor, que comete os crimes de guerra. Os Estados Unidos, o único dos 47 membros do Conselho que votou contra a resolução, pediram ao Hamas que cesse imediatamente o lançamento de foguetes contra Israel e defendeu o direito do Estado israelense de se defender.

Todos os países da América Latina membros do Conselho – Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Cuba, México, Peru e Venezuela – votaram com a maioria de 29 nações que aprovaram a resolução. Os países da União Europeia e outros do continente que seguem a linha de Bruxelas se abstiveram, bem como quatro nações africanas: Benin, Botswana, Burkina Faso e Gabão. Envolverde/IPS