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ONU à margem do caos na República Centro-Africana

Pacientes aguardam na porta do Hospital Kaga Bandoro, na República Centro-Africana. Estima-se que 35% da população esteja em situação vulnerável e necessitando de assistência urgente. Foto: Gregoire Pourtier/cc by 2.0
Pacientes aguardam na porta do Hospital Kaga Bandoro, na República Centro-Africana. Estima-se que 35% da população esteja em situação vulnerável e necessitando de assistência urgente. Foto: Gregoire Pourtier/cc by 2.0

 

Nações Unidas, 9/12/2013 – O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) autorizou o envio de milhares de soldados franceses e da União Africana para a República Centro-Africana, mas não a criação de uma força de manutenção da paz do fórum mundial. A aprovação da resolução, apoiada pela França, no dia 5, ocorreu em meio a uma escalada de violência na capital centro-africana, Bangui, onde milícias cristãs lançaram reiterados ataques, que chegaram inclusive ao Palácio Presidencial.

Profissionais da organização Médicos Sem Fronteiras em Bangui confirmaram que havia 50 cadáveres, elevando o número de vítimas na capital para pelo menos 98 mortos. A rede britânica BBC informou que uma mesquita em um dos bairros muçulmanos de Bangui estava cheia de vítimas dos enfrentamentos. E em Bossangoa, 300 quilômetros ao norte da capital, os incidentes prosseguiam do lado de fora de uma igreja católica onde, estima-se, havia 35 mil cristãos refugiados.

Os soldados locais dedicados à manutenção da paz tentaram interceptar os ataques das unidades Séléka – organização rebelde majoritariamente muçulmana, que em março derrubou o presidente François Bozizé – e afirmam que há elementos armados entre os refugiados. O contingente de 2.500 soldados de paz africanos, que atualmente se encontra na República Centro-Africana está limitado por falta de financiamento e pela desorganização.

O contingente da França, integrado por 660 efetivos que já estão no país, será duplicado rapidamente. O presidente da francês, François Hollande, anunciou em Paris que “imediatamente” seria dado início às operações militares para levar segurança a Bangui e às principais rotas internacionais que, se estima, são usadas por 400 mil refugiados para escapar da violência. Porém, como grande parte dos incidentes ocorrem em áreas rurais, essas forças não seriam capazes de alcançar todas as zonas em conflito.

Na noite do dia 5, Bangui ainda estava nominalmente sob controle da Séléka, mas os ataques ao longo de todo o dia por parte de milícias cristãs antibakala (antifacão, na língua local, sango), supostamente leais a Bozizé, pegaram de surpresa moradores e as forças de paz.

Conscientes da chegada iminente das forças francesas, talvez as milícias “quisessem aproveitar a oportunidade para atacar”, pontuou Thierry Vircoulon, diretor de projetos para a África Central do Grupo Internacional de Crise, com sede em Bruxelas, na Bélgica. “Agora, todos estão preocupados pelos ataques noturnos dos antibakala. Os franceses esperavam ter que combater a Séléka, mas agora, talvez, devam também enfrentar os antibakala”, apontou à IPS.

Depois da vitória de março, o líder da Séléka, Michel Yotodia, assumiu como presidente interino. Contudo, quando anunciou em setembro que o grupo rebelde se dissolveria, começou um período de anarquia e assassinatos que culminaram com a votação no Conselho de Segurança do dia 5. Desde a tomada de Bangui, a Séléka é acusada por grupos de direitos humanos e pela ONU de atacar civis.

Apesar de uma longa história de conflitos depois da independência, a República Centro-Africana havia permanecido relativamente livre de confrontos religiosos que afetaram outras nações do Sahel. Enquanto a Séléka cambaleia diante de um contra-ataque concertado de milícias cristãs, há temores de que a cada vez mais indefesa minoria muçulmana também sofra represálias.

Depois da votação no Conselho de Segurança, o representante da França, Gérard Araud, declarou a jornalistas que “o conflito está adquirindo um viés sectário, no qual recrudesce a violência entre cristãos e muçulmanos”, acrescentando que, “nesse contexto, a história nos ensina que o pior ainda pode acontecer e que o Conselho de Segurança deve agir”.

Uma fonte próxima ao Conselho disse à IPS que a decisão de não enviar uma verdadeira missão de capacetes azuis se deveu, em parte, à reticência em financiar outra prolongada permanência de tropas no continente africano. Em lugar disso, a ONU criará um fundo de países doadores. Em julho de 2014, quando o Conselho de Segurança revisar a situação, terá a opção de converter as tropas africanas na força de paz da ONU, caso a instabilidade continue.

Ao contrário da intervenção francesa em Mali, no começo deste ano, espera-se que a missão militar na República Centro-Africana seja breve. Estabilizar o país poderia exigir uma presença de longo prazo que nem a França e nem os países vizinhos estariam dispostos a oferecer. A decisão do Conselho de Segurança também pode ser lida como uma demonstração de confiança na União Africana (UA), que comandará a força regional, agora chamada Misca, e aumentará seus efetivos de 2.500 para 3.500.

“Está de acordo com a atual tendência de encontrar soluções africanas para os problemas africanos”, apontou Evan Cinq-Mars, analista do Centro Global para a Responsabilidade de Proteger. “Isso é algo que a UA quer, e interessa ao Conselho de Segurança”, acrescentou. Uma missão similar, apoiada por Paris, se destinou a estabilizar a situação na República Centro-Africana em 1997. Naquela ocasião, o Conselho de Segurança aprovou o envio de acordo com o Capítulo VII da Carta da ONU.

No entanto, quando a França se cansou de sustentar uma prolongada missão, reduziu suas operações e as Nações Unidas tiveram que enviar soldados rapidamente para apoiar as fracas forças locais. “A República Centro-Africana será vítima da negligência até que a intervenção seja inevitável”, opinou Cinq-Mars à IPS. “E essa é uma estratégia que não pode continuar, porque essas intervenções de última hora custam mais do que realizar um investimento significativo agora para garantir que seja a última vez que o Conselho de Segurança tenha que lidar com uma situação tão grave”, ressaltou. Envolverde/IPS