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ONU quer reafirmação dos direitos reprodutivos na agenda pós-2015

Milhões de mulheres no Paquistão não têm acesso aos serviços de planejamento familiar. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS
Milhões de mulheres no Paquistão não têm acesso aos serviços de planejamento familiar. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

 

Nações Unidas, 23/9/2014 – A agenda de desenvolvimento pós-2015 da Organização das Nações Unidas (ONU) é considerada o esforço de maior alcance e mais integral já realizado pelo fórum mundial nesse âmbito. Mas onde se encaixam a população, o planejamento familiar e os direitos à saúde sexual e reprodutiva (DSSR) nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são uma parte integral desse programa de desenvolvimento?

Dos 17, o objetivo 3 tem como meta “garantir uma vida saudável e promover o bem-estar de todas as idades”, enquanto o objetivo 5 contempla a igualdade de gênero e o “empoderamento das mulheres e das meninas”. Mas, quando a Assembleia Geral da ONU aprovar a lista definitiva dos ODS, em setembro do ano que vem, quantos dos objetivos propostos sobreviverão e quantos ficarão pelo caminho?

No entanto, os DSSR também serão um tema fundamental na ordem do dia de uma sessão especial da Assembleia Geral no final deste mês, que comemorará os 20 anos do Programa de Ação, adotado na histórica Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada em 1994 no Cairo.

Em entrevista à IPS, Babatunde Osotimehin, diretor-executivo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) disse que, “há 20 anos, pudemos assegurar o compromisso dos governos frente a diversos aspectos da redução da pobreza, mas, mais importante, no empoderamento das mulheres e das meninas, incluídos seus direitos reprodutivos”. Mas “a batalha não terminou”, enfatizou.

Segundo Osotimehin, “hoje em dia estamos no momento culminante de uma nova agenda de desenvolvimento, e nós, como guardiões desse programa, devemos colocá-lo dentro da conversação do desenvolvimento sustentável, uma agenda centrada nas pessoas com base no entendimento de que os direitos humanos são a única forma viável de alcançar o desenvolvimento sustentável”.

Purnima Mane, presidente da Pathfinder International, afirmou à IPS que “estamos encantados com que a série final dos ODS propostos contenha quatro objetivos fundamentais sobre DSSR: três no tema da saúde e outro no de gênero”. Para ela, há muito tempo é necessária a inclusão do compromisso com o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, a informação e a educação, bem como a integração da saúde reprodutiva nas estratégias e nos programas nacionais.

“Mas ainda não atingimos a meta”, advertiu Mane, que supervisiona um orçamento anual superior a US$ 100 milhões para programas de saúde sexual e reprodutiva em mais de 20 países do Sul em desenvolvimento. A Assembleia Geral ainda deve aprovar os ODS, “e todos devemos continuar elevando nossas vozes para garantir que essas metas de DSSR estejam intatas quando da aprovação da versão final”, acrescentou.

Segundo Mane, a sociedade civil está decepcionada por esses objetivos não serem tão ambiciosos nem baseados nos direitos como deveriam ser. “E traduzir o compromisso escrito para a ação continua sendo um desafio importante e frequentemente encontra resistência. Devemos manter nosso enfoque nesses temas”, ressaltou.

Sivananthi Thanenthiran, diretora do Centro Ásia-Pacífico de Recursos e Pesquisa para a Mulher (Arrow), que trabalha em 17 países da região, ressaltou à IPS que é ideal os DSSR figurarem tanto na meta de gênero como na de saúde. As vantagens de integrar a primeira é que os aspectos adequados podem ser abordados de maneira mais estratégica, pois esta é a área onde o compromisso universal está atrasado, como os problemas de casamento precoce, violência de gênero e práticas prejudiciais que repercutem na saúde sexual e reprodutiva das mulheres, acrescentou.

“As vantagens de ser parte da meta da saúde é que as intervenções para reduzir a mortalidade materna, aumentar o acesso aos métodos anticoncepcionais, reduzir as doenças sexualmente transmissíveis, incluído o HIV/aids, são parte integrante das políticas sanitárias nacionais”, detalhou Thanenthiran. Seria útil os governos aprenderem com o processo dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e garantirem que os novos objetivos não sejam aplicados de maneira compartimentada, acrescentou. “As preocupações de saúde pública devem ser abordadas em um contexto claro de gênero e direitos”, destacou.

Maria José Alcalá, diretora da secretaria do Grupo de Trabalho de Alto Nível para a CIPD, afirmou à IPS que o que tantos governos e organizações de todo o mundo pediram nas negociações era simplesmente afirmar todos os direitos humanos para todas as pessoas, e isso inclui os DSSR. A comunidade internacional tem a oportunidade e a obrigação histórica de fazer avançar a agenda internacional e ir além da simples reafirmação dos acordos de 20 anos atrás, como se o mundo não tivesse mudado e os conhecimentos e a sociedade não tivessem evoluídos, enfatizou.

“Sabemos, segundo uma ampla pesquisa e evidência, baseadas nas experiências de países de todo o mundo, bem como simplesmente no senso comum, que nunca vamos conseguir a erradicação da pobreza, a igualdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável se esses direitos humanos e essas liberdades fundamentais forem marginalizados ou deixados de lado nas negociações da ONU”, ressaltou a especialista.

Alcalá acrescentou que a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos são uma necessidade e um requisito prévio para a agenda pós-2015 “se que, de fato, não vamos deixar ninguém para trás desta vez”.

“Como diretora da Pathfinder, trabalharei ativamente, com paixão e com força para que os DSSR e o planejamento familiar sejam reconhecidos na agenda de desenvolvimento pós-2015”, afirmou Mane. Os DSSR são direitos humanos fundamentais, insistiu. “Temos de continuar lutando até que todas as pessoas, estejam onde estiverem neste planeta, tenham a oportunidade de viver uma vida reprodutiva sadia”, concluiu. Envolverde/IPS